Ao dividir o Brasil, veja o que ficou com a esquerda e com a extrema direita

Fabiane Albuquerque
FABIO RODRIGUES POZZEBOM / AGÊNCIA BRASIL

Ato em apoio a Bolsonaro, em Brasília

Que o Brasil foi dividido ao meio, é fato. Talvez fora dividido em fatias e juntar tudo isso um dia é tarefa da política, no verdadeiro sentido da palavra. A “mão invisível” do mercado não vai fazer isso, aliás, nem é tão invisível assim, pois até Paulo Guedes, o “técnico neutro”, passou com a sua e levou uma gorda fatia do bolo ao comprar 3 bilhões de créditos do Banco do Brasil. O deus mercado odeia tanto o Brasil que até o arroz e feijão está tirando da mesa do brasileiro. E diante desse saque à nação, chama atenção a reivindicação, a manifestação e os protestos da extrema direita, materializada na seita bolsonarista. 

Olhem o que a extrema direita escolheu como seu e aquilo que nos relegaram e que ficou conosco. Ao colocarmos uma faixa na sacada da Universidade Federal do Paraná, com os dizeres “Em defesa da Educação”, os apoiadores da seita foram lá e a arrancaram, quase com os dentes. Viram? A educação é nossa, eles rejeitaram. Ao levantarmos a voz de indignação pela queima do museu nacional no Rio de Janeiro, muitos deles zombaram do incêndio. Os museus também ficaram com a gente. Ao defendermos a carteira assinada, o trabalho tutelado, o direito às férias, eles esbravejaram dizendo que ninguém queria direitos, somente trabalho. A gente quer os dois, de preferência com um salário que dê para viver dignamente. Ao defendermos o investimento em educação, saúde, segurança pública e programas sociais, eles vieram com o discurso de que cada um, andando armado, resolveria o problema.  Ficamos também com a pauta social e eles com as armas. Em 2019 o governo liberou mais 80 agrotóxicos que haviam sido banidos da agricultura porque, justamente, traz problemas graves à saúde e em 2020 foram outros 118. A seita grita “queremos câncer, sim”. Nόs ficamos com a saúde, a agricultura familiar e a segurança alimentar.

Então veio a pandemia e escancarou tudo.  Enquanto defendíamos a Ciência, os bolsonaristas acusavam o vírus “comunista” e negavam a realidade. Dois médicos deles caíram e mesmo assim não aprenderam a lição. Passaram da defesa da terra plana, mesmo com os satélites confirmando o contrário, para  uma “gripezinha”, invenção da Organização Mundial da Saúde, também essa comunista, junto com a China. Além da Ciência, ficamos com a verdade e os fatos. Saímos do “divórcio” com a vacina, eles reivindicam a cloroquina e o ozônio via anal.  

E não parou por aí não, a gente saiu com as artes, o cinema nacional, a Música Popular Brasileira, o samba e o gingado. Chico Buarque e Milton Nascimento ficaram da nossa parte, Eduardo Costa, Maiara e Maraísa, da deles.  O “Sertanejo Universitário”  e os cantores que espremem as bolas naquelas calças jeans horríveis e arrotam conhecimento da realidade brasileira, também foi para o lado de lá. 

Ficamos com os livros, minha gente! Enquanto condenamos o aumento de impostos sobre eles, a seita comemorava a diminuição do imposto sobre cigarro, defendido pelo ex-ministro Sérgio Moro, em 2019, agora também no time do “exército vermelho”, espião da China. E tentaram jogá-lo para nossos braços, mas a gente não quis, não. Aliás, ele mesmo admitiu que sequer leu o processo contra Lula, alegando excesso de trabalho. A gente gosta de quem lê, reflete, respeita o Estado de direito. Devolvemos o juiz da república de Curitiba. E o negόcio foi sό piorando! Defendemos as empresas nacionais e eles batendo continência para a bandeira estadunidense. Fomos para as ruas defender as Universidades Públicas e a pesquisa e eles foram para pedir ditadura, fechamento do STF. Defendemos o aumento do salário mínimo, do auxílio emergencial, e eles, sabem o que fizeram? Defenderam o Governo, que segundo eles, gasta demais com os pobres, enquanto mais de 70 mil militares receberam ilegalmente os 600 reais.  Isso tudo, no mesmo período em que Paulo Guedes disse que salário de 39 mil reais para os ministros da Suprema Corte é muito baixo. Defendemos as investigações contra Flávio Bolsonaro, Queiroz e queremos saber o porquê dos depósitos somando R$ 89 mil na conta da primeira-dama. E eles achando engraçado a privatização da Polícia Federal e  parte do judiciário.   

E agora a inflação explodiu. E o que estão fazendo? Propondo ao povo de comer macarrão e pedindo patriotismo. Ficamos com o arroz e feijão e eles com o miojo. A defesa da Amazônia também ficou por nossa conta, e eles, com os garimpeiros,  pecuaristas, o ministro  Salles, o mesmo que disse abertamente para passar a boiada nas terras indígenas, enquanto o povo estava distraído. Ficamos com a Educação Sexual nas escolas e eles defendendo a cultura do estupro e linchando criança violentada em porta de hospital. Aliás, as “irmãs” da seita, com a bíblia na mão, já estavam tricotando o enxoval do fruto do estupro para formar a nova “família de Deus” e tirar foto com a menina que queriam transformar em mãe, segurando um cartaz “fofo” do tipo “Deus é mais”.

Ficamos com a maconha e eles com o um avião presidencial cheio de cocaína. Ficamos com o humor inteligente e eles com o “kkkkkkkkkkk” nas redes sociais, a bomba na sede do programa Portas dos Fundos, o sequestro de uma jornalista dentro da emissora Rede Globo e os milhões de memes, na ausência de um cérebro que consiga articular uma única frase autonomamente. Ficamos com a liberdade de expressão e eles com a censura, o ódio, a lista ilegal de inimigos do governo para vigiar e punir, “carinhosamente” chamados de “antifascistas”, além da vingança e a espuma que lhes escorre pelo canto da boca. 

Ficamos com a reflexão, o pensamento complexo, eles, com as frases feitas de impacto,  que atinge primeiramente as vísceras. 

Eles ficaram com a Damares e a Carla Zambeli, nόs, com Márcia Tiburi, Sueli Carneiro, Erica Kokay, Débora Diniz, Marilena Chauí. Eles, com os pastores charlatões,  nόs, com Leonardo Boff, Frei Beto, Júlio Lancellotti.  Eles ficaram com o degrado da sociedade e nόs, assistindo muitos deles voltando para o esgoto de onde saíram. Estão se matando entre si.

Um dia Witzel amou Bolsonaro que amou Adriano da Nóbrega, que amou Queiroz, que depositou 89 mil na conta da primeira dama, que finge de sonsa. Ahhh, meu Brasil! Não tá fácil amar-te e defender-te, mas pensando bem, apesar de tudo, a gente ficou com o que há de melhor. 

*Fabiane Albuquerque é sociόloga.