Danilo Georges*, do Rio de Janeiro, RJ
Witzel era e é o candidato a fascista no lugar do fascista e fez sua campanha nesse tom, quebrando a placa de Marielle e prometendo dar tiro na cabecinha. Eleito, brincou de Rambo em cima de um helicóptero enquanto comunidades eram fuziladas, ação que resultou em denúncia junto à Organização das Nações Unidas (ONU), promovida pela Deputada Estadual Renata Souza (PSOL-RJ). Desconhecido e novato na política, entrou pelo alto no mundo dos ‘esquemas cariocas’, levado pelas mãos da familícia. Mas foi com muita sede ao pote e tentou herdar parte do “espólio” político criminal de Sergio Cabral – leia-se, coalizão direita-centro, troca e venda de cargos e corrupção.
Cabral, filho de um prestigiado militante comunista e um dos fundadores do Pasquim, iniciou sua militância no Partidão ainda secundarista. Seu primeiro cargo público foi com 23 anos, em 1987, ao assumir a Diretoria de Operações da Companhia de Turismo do Rio de Janeiro (Turisrio), quando era do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Três anos depois, já no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi eleito deputado estadual. Em seu primeiro escândalo político, foi acusado de desviar recursos para o leite de crianças e idosos. Foi reeleito em 1994 e tornou-se o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ), cargo que ocupou por oito anos. Em 1999, Cabral retorna ao PMDB e após três mandatos, foi eleito senador em 2002, apoiado pelo então governador Antony Garotinho.
Aos poucos, construiu sua malha de interesses e retribuições e, em 2006, foi eleito governador. Foi capaz de articular uma hegemonia no estado, tendo alinhamento entre os governos federal, estadual e municipal no Rio: PT-PMDB. Com a descoberta do pré-sal, Cabral obteve um horizonte aberto para todas as formas de especulação financeira e para a financeirização da política, inclusive desviando parte dos fluxos de royalties e Participações Especiais do petróleo para o paraíso fiscal de Delaware. Tais recursos pertenciam a autarquia previdenciária do estado do Rio de Janeiro (RioPrevidência), contabilizando um rombo de R$ 20 bilhões – objeto de uma Comissão Paramentar de Inquérito (CPI) na ALERJ, coordenada pelo deputado estadual Flavio Serafini (PSOL).
O apetite de Cabral em expropriar recursos públicos era tamanho, que seu primeiro Secretário de fazenda foi Joaquim Levy, homem forte do grande capital e que deixou o Fundo Monetário Internacional (FMI) para assumir a pasta. O Rio de Janeiro virou, então, um grande laboratório das multinacionais, com a Coca Cola financiando a construção de UPPs, a venda de ativos da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) e um pacote de privatizações. Tanto a operação Delaware quanto a alienação da CEDAE possuem um ator em comum, o Banco Francês BNP-Paribas. Em 2009, Cabral recebeu a Légion D’Honneur, a mais alta condecoração do governo francês. A comemoração foi o nababesco jantar, regado a muito champagne, ravióli de lagosta, bacalhau com chanterelles e atum grelhado. Embriagado de champagne e pelo poder, posou ao lado de políticos, empresários, banqueiros com guardanapos na cabeça – episódio que ficou conhecido como a “farra dos guardanapos”. As fotos foram publicadas pelo ex-aliado Antonhy Garotinho.
A hegemonia do PMDB no estado foi amputada pela Lava Jato-RJ, parente próxima daquela originada em Curitiba, conservando os mesmos vícios arbitrários, mas coordenada por Marcelo Bretas, juiz alinhado ao bolsonarismo. A Lava Jato-RJ tirou do jogo político: Cabral, Pezão, Eduardo Cunha e Dornelles e foi base de todo o clima punitivista político que também culminou na prisão de Picciani, Paulo Melo e Albertassi – trio de ferro do P(MDB), acusado de chefiar a máfia do transporte e que dava a direção política e moral na ALERJ.
É evidente que a grande maioria dos políticos está realmente corrompida, mas os grandes capitalistas que são os corruptores e toda estrutura eleitoral para esse tipo de prática pouco foi alterada com a Lava Jato. Em síntese, temos operações arbitrárias de juízes corruptos que atingem seletivamente uma parcela de políticos corruptos.
Nas eleições de 2018, o P(MDB) perdeu 10 cadeiras na ALERJ, em grande parte em virtude dessas prisões. O bolsonarismo, via PSL, herdou tais cadeiras, evidenciando a correlação entre a Lava Jato e a dimensão alcançada pela onda protofascista no Rio. Nesse sentido, a lava jato é parte fundamental do crescimento, fortalecimento e da hipertrofia do bolsonarismo.
Boa parte desses caciques do P(MDB) também possuíam relações orgânicas com milicianos. Eduardo Cunha, por exemplo, há décadas concentrava votos em Rio das Pedras, derrotando inclusive Jair Bolsonaro nesse território, em eleições proporcionais para deputado federal. A briga entre PSL, P(MDB) e PSC é uma “briga de gangues”. O resultado dessa trama política criminal é que de forma simultânea a base Bolsonaro\Witzel ocupou com 12 cadeiras a institucionalidade na ALERJ e ganhou musculatura no Congresso Federal, herdando o espólio político criminal do P(MDB) no Rio de Janeiro. A extrema direita adentrou de forma mais agressiva e proeminente em territórios controlados por milícias, que antes pertenciam a esses oligarcas presos.
No entanto, a lua de mel entre o bolsonarismo e o aprendiz de Cabral, Wilson Witzel, durou pouco. O racha nacional do PSL entre Jair Bolsonaro e Bivar alterou a correlação de forças na ALERJ. Witzel e o PSC se alinharam com o PSL-Bivar no Rio de Janeiro, liderado pelo deputado Rodrigo Amorim – que já mudou mais vezes de partido do que Sérgio Cabral. O bloco “Bolsonarista Raiz”, por sua vez, foi liderado pelo deputado Dr. Serginho.
O governo Bolsonaro inicia 2020 como uma bola de neve, tendo como ápice a saída de Sergio Moro. Witzel logo flertou com o ex-juiz, mas foi ignorado. Nesse cenário, temos duas Lava Jatos no Brasil, a de Curitiba e a do RJ e dois fascistas em luta. Estamos assistindo a enfrentamentos que tendem a ser cada vez mais brutais e cujas regras dependem cada vez mais da força judicial, militar ou para-militar de cada oponente. E ninguém possui maior correlação de forças no Brasil e no Rio de Janeiro do que o bolsonarismo.
O vínculo com o Exército, a intervenção na Procuradoria Geral da República, a troca de cargos no comando da Polícia Federal e a adesão massiva de batalhões inteiros da Polícia Militar ao bolsonarismo em todo o Brasil, não podem ser menosprezados. A familícia concentra em suas mãos parte dos aparatos coercitivos do Estado.
Além disso, suas relações com os órgãos de investigação e controle estatais são cada vez mais pornográficas. Contra adversários políticos há uma seletividade e celeridade impressionante nos autos, processos e indiciamentos. O caso do nefasto Witzel é só mais um, fruto da operação Favorita que se metamorfoseia na Operação Placebo e agora se torna a operação Tri Si Nidium. O fluxo da operação é revelador. Mais uma vez, Marcelo Bretas, parte dos desvios de recursos em esquemas na OS, vale lembrar que a funcionalidade da Lava Jato quando criada era o de investigar desvios na Petrobrás, mas essa operação se “autonomizou” e acabou investigando tudo e a todos. No caso de Witzel foi feita toda uma entorse jurídica para correlacionar Witzel com esquemas da era Cabral, sem tempo hábil de defesa. O resultado é que um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afasta sozinho por 180 dias um governador eleito, com base em delação premiada feita na véspera da operação. “Time” de relógio suíço. Justo quando Witzel era acusado pelo bolsonarismo de controlar a Polícia Civil e promover investigações contra Flavio Bolsonaro e seu laranjal, além da possível relação com o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Em síntese: contra os inimigos do bolsonarismo a Toga e a caneta tem pesado a favor da familícia, com engavetamento de processos, troca de comando da Polícia Federal e foro privilegiado, consentido de maneira inédita a Flavio Bolsonaro. Nossa hipótese é de que Witzel se tornou o filho bastardo do bolsonarismo por não ajudar a engavetar as investigações contra o filho do presidente e seu laranjal.
Witzel apostou alto ao imaginar que o caso Queiroz fosse o suficiente para desidratar o bolsonarismo no Rio e, visando sentar na janelinha do projeto protofascista, deu com as línguas nos dentes. Em um voo de galinha, se alçou a presidente da República, colocando dessa forma sua cabecinha na mira da familícia. Quando rompeu com o bolsonarismo, ficou sem Bretas que o ajudou na eleição de 2018, ao vazar um trecho de uma delação de um secretário contra Eduardo Paes. Sem base social e sem o espólio político criminal do P(MDB), Witzel ficou com uma máquina quebrada nas mãos. A herança foi um estado rapinado que segue sendo devastado com as quedas dos preços do barril de petróleo.
O afastamento de Witzel tende a garantir duas vitórias fundamentais ao Bolsonarismo: 1. O novo governador, aspirante do aspirante, não terá força para peitar a famílicia. Que deve incidir na nomeação do novo Procurador Geral do Estado, ou seja, o chefe do Ministério Público do Rio de janeiro. Que tem acesso a informações privilegiadas e a todas investigações no estado. 2. Com a prisão do Pastor Everaldo, presidente do PSC e que batizou Jair Bolsonaro, que está mais para judas do que para Messias, o bolsonarismo assume o monopólio das frações políticas da extrema direita. Tendo PSL, Republicanos e PSC em suas mãos, um grande triunfo em ano eleitoral, abriu-se uma grande avenida para o bolso-crivelismo um projeto teocrático miliciano no estado.
A esquerda errou e continua errando quando subestima a força desse projeto protofascista no Brasil. O bolsonarismo tirou os Cabrais e Witzel do jogo. Quem e quais serão os próximos grupos eliminados? Quando e como os bolsonaristas atacarão em outros estados? Bretas será indicado para assumir uma vaga no STF?
* Historiador, mestre em Ciências Sociais. Membro da Coordenação estadual do SUBVERTA-RJ. Assessor parlamentar do deputado estadual Flavio Serafini e escreve na coluna “Andar de Cima” no Esquerda Online.
Comentários