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BRASIL

Membros da Alta Administração da PBIO interferem de forma indevida no processo de privatização

Sindipetro-RJ
Divulgação

“O exemplo vem de cima”. O velho ditado se faz mais verdadeiro do que nunca no mundo dos negócios, no qual a conformidade (compliance) se tornou tema central. No entanto, na Petrobras Biocombustível, os encarregados de dirigir a empresa de forma hígida e ética aparentam esquecer de seus papéis de líderes quando o assunto é privatização.

Quando o STF decidiu que o Governo poderia privatizar subsidiárias de estatais sem licitação e sem aval do Congresso, estabeleceu como regra a necessidade de seguir o procedimento que observe os princípios da administração pública, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, publicidade e eficiência. A observância destes princípios visa garantir, dentre outros objetivos, a competitividade necessária para que a administração pública obtenha o melhor resultado no processo de venda.

Bastam poucos minutos de pesquisa na internet para sabermos que, a fim de garantir que todos os princípios acima citados sejam devidamente obedecidos, foi criada a chamada Sistemática de Desinvestimentos de Ativos e Empresas do Sistema Petrobras, que é acompanhada pelo TCU. Segundo esse documento, antes mesmo do processo de venda de uma empresa do sistema Petrobras ser divulgado para o mercado  com a divulgação do teaser de venda, há uma fase de preparação interna para estruturação do processo de alienação, conforme determina o Art. 15 do Decreto 9.188/17.

Além desses princípios gerais constitucionais, a estatal de petróleo possui ainda em seu arcabouço de princípios os estabelecidos no Código de Conduta Ética e no Programa Petrobras de Prevenção à Corrupção, aplicáveis a todos os colaboradores, desde os membros da Diretoria, assim como aos prestadores de serviços da companhia. Em diversas ocasiões, empregados do Sistema Petrobras que deixaram de cumprir esses princípios definidos pelo código foram demitidos pela companhia.

Tendo isso em vista, o que esperam os empregados dos ativos em que entram na mira da privatização?

A resposta é simples: como são em parte os grandes impactados pelo processo de venda, eles desejam que o procedimento seja “justo”, feito dentro de todos os preceitos legais e respeitando os princípios aplicáveis. No entanto, como em parte algumas decisões têm sido tomadas sem que sejam respeitados os interesses dos empregados das companhias privatizadas, muitas vezes estes são levados a um desfecho de grandes injustiças que culminam em transferência para um novo empregador, que trará condições de trabalho certamente piores, quando não a demissão. Mas esse não é o tema do presente texto.

Privatização da Petrobras Biocombustível (Subsidiária Integral da Petrobras)

No mês de julho, mais precisamente no dia 03 de julho de 2020, a Petrobras divulgou ao mercado o teaser para a venda da Petrobras Biocombustível, e um mês após, por meio de outro fato relevante o processo já avançou para a chamada fase não vinculante, na qual os interessados colocam suas propostas.

No ato do dia 03/08/2020, pode ser destacado o terceiro parágrafo do comunicado, que possui a seguinte redação:

“A presente divulgação está de acordo com as diretrizes para desinvestimentos da Petrobras e com o regime especial de desinvestimento de ativos pelas sociedades de economia mista federais, previsto no Decreto 9.188/2017.”

O citado diploma legal estabelece regras de governança, transparência e boas práticas de mercado para a adoção de regime especial de desinvestimento de ativos pelas sociedades de economia mista federais. O procedimento de alienação, segundo o decreto, terá as fases de preparação, consulta de interesse, apresentação de propostas, negociação e resultado com assinatura (Art.15).

Outros pontos são importantes de se destacar, como os objetivos do regime especial de desinvestimento (contido no art. 2º) e as regras para a consulta de interesses (contidas nos art. 21º à 23º).

Todos esses dispositivos implicam na confidencialidade antes e durante o processo de alienação. As exceções aplicáveis ao dever de sigilo são pontuais, em momentos previstos expressamente.

Coloquemos esses dispositivos de lado por um momento e vamos voltar um pouco para o mês de maio de 2020. Naquele mês, segundo a reportagem amplamente divulgadas em mídia eletrônica, os produtores do biodiesel defendiam a alta da contribuição de intervenção no domínio econômico como forma de planejamento. Um artigo em específico chamava atenção:  “Setor de Biodiesel defende a alta da Cide como arma de planejamento. A reportagem, que tinha o intuito de contextualizar a discussão sobre o aumento da CIDE na gasolina e sua extensão para o diesel, passaria despercebida, não fosse o trecho abaixo:

A Petrobras está saindo do setor de biodiesel e já anunciou a venda dos ativos da sua unidade do sul do País, a BSBios, que tem duas unidades, uma em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e outra em Marialva, no Paraná, onde detém em cada uma 50% de participação acionária por meio da subsidiária da estatal Petrobras Biocombustível (PBio). Outros ativos da PBio também serão vendidos. A prospecção está sendo feita no mercado pelo próprio presidente da PBio, segundo Ferrés, para venda de usinas na Bahia, Ceará e Minas Gerais”.

De acordo com o presidente da União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Juan Diego Ferrés, o presidente da Petrobras Biocombustível vinha realizando prospecção de interessados antes da divulgação do teaser de venda da Petrobras Biocombustível, e portanto atuando de forma incompatível com os preceitos legais que regem o processo de privatização.

A atuação de um membro da Alta Administração da PBIO antes mesmo do anúncio ao mercado sobre a venda precisa ser investigada pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas da União e pela Comissão de Valores Mobiliários. Há de se levantar os interesses pessoais que motivaram a atitude que viola os preceitos legais. Quais são as vantagens pessoais? Quem foram as empresas privilegiadas com a informação?

Não há outra conclusão que não o fornecimento de informações privilegiadas a apenas alguns potenciais compradores, indicando um possível jogo de cartas marcadas.

Não obstante as questões acima, um ponto a ser levantado e investigado diz respeito às remunerações dos atuais Diretores da Petrobrás e da PBIO, no tocante a suas metas de desempenho estarem ligadas aos procedimentos de desinvestimento e à velocidade empregada para se desfazer desses ativos de qualquer forma. Ao que tudo indica vender ativos deve fazer parte das metas de desempenho dos atuais Diretores da Petrobrás e da PBIO, implicando inclusive em recebimento de remuneração variável (bônus).

A vantagem conferida ao ente público associada às práticas de infrações do rito legal de alienação deve ser alvo de abertura de procedimento administrativo, à luz da Lei 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

Existem ainda outros fatos no procedimento de alienação que causam estranheza, conforme relatado a seguir:

Agosto de 2019

Petrobras vende fatia de 50% em empresa de biocombustível para sócia Galp. O valor da operação é de R$ 24,7 milhões, segundo a Petrobras, que disse ainda que os recursos serão retidos pela Galp até dezembro de 2020 para potenciais pagamentos de indenizações.

Dezembro de 2019

Petrobras vende participação na Bioóleo por R$ 102,2 mil e sai da empresa. A PBio exerceu a opção de venda das suas ações de emissão da Bioóleo, prevista no termo de rescisão do Acordo de Acionistas da Bioóleo”, informou a estatal em um comunicado.

Julho de 2020

A Petrobras assinou a venda da participação da sua subsidiária Petrobras Biocombustível (PBIO) de 8,40% na empresa Bambuí Bioenergia para a Turdus Participações. A operação foi concluída com o pagamento do valor simbólico de R$ 1,00 à PBIO, devido ao patrimônio líquido negativo da Bambuí.

Em todas essas vendas, o que chama a atenção são os valores “parecidos”, que chegam a “quase nada” perto do que foi aportado.

Voltando ao assunto do tema, o que se espera de um membro da Alta Administração é o cumprimento das regras éticas e morais, a fim de seguir a legislação, respeitar as normas e os processos legais e não incorrer em desvios de conduta.

Aqueles que não forem capazes de agir nos preceitos legais devem ser investigados, destituídos imediatamente de suas funções e, caso tenham praticados atos em desconformidade com a Lei 8.429/92, devem sofrer sanções devidas.

Quanto ao processo de desinvestimento, restando claro que algumas interessadas podem ter sido agraciadas com informações privilegiadas, o mesmo deve ser cancelado para resguardar o cumprimento dos princípios que regem a matéria.

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