Felix Morrow (1906-1988) foi um estadunidense cujo verdadeiro nome era Felix Mayrowitz, membro de uma família judia ortodoxa procedente do Leste Europeu e que desde muito jovem ingressou na Liga Socialista da Juventude que era a organização juvenil do Partido Socialista. Seguiu os passos de seus pais, que tinham se tornado socialistas nos EUA.
Em 1918-19, como acontecia com a maioria das organizações da Segunda Internacional, dentro do Partido Socialista da América surgiu um amplo setor pró-bolchevique, defensor entusiasta da Revolução Russa e da Terceira Internacional, e hostil ao desvio reformista da direção do Partido.
O temor de que acontecimentos semelhantes aos do outubro russo, da insurreição espartaquista na Alemanha, ou da República Soviética da Hungria pudessem ser desencadeados no território estadunidense, levou a burguesia e o aparato do Estado a uma campanha brutal de repressão, para extirpar pela raiz a “ameaça comunista”. Foi o chamado “pânico vermelho”, entre final de 1919 e janeiro de 1920, quando Mitchell Palmer, promotor geral dos Estados Unidos, ordenou a detenção de milhares de comunistas, justificando tal ordem com a Lei de Sedição (Sedition Act) de 1918).
Depois de um tormentoso período de cisões e reagrupamentos, os setores do movimento socialista que se reclamavam partidários da Internacional Comunista se unificaram, finalmente, no Partido Comunista dos Estados Unidos (Communist Party of the United States of America, ou CPUSA), fundado em maio de 1921. Apenas 10% dos membros do partido recém-criado falava inglês como língua nativa (a maioria dos filiados era imigrante) e, em grande medida, tinham sido integrantes do sindicalismo revolucionário organizado no Industrial Workers of the World (IWW). Felix Morrow se uniu a esse partido em 1931, depois de terminar seus estudos de filosofia na Univerisade de Columbia (Nova York).
A adesão de Morrow ao CPUSA se deu em um período decisivo para o movimento comunista internacional. A reação stalinista na URSS estava em pleno apogeu e a velha guarda leninista, agrupada na Oposição de Esquerda, tinha sido derrotada politicamente. Dezenas de milhares de militantes do Partido Comunista da URSS (PCUS) já sofriam as expulsões e a repressão em mãos da burocracia termidoriana, um prelúdio às farsas dos processos de Moscou e das grandes purgas, que liquidaram centenas de milhares de comunistas e que significariam o fim do Partido Bolchevique.
Felix Morrow logo demonstrou seu talento e se tornou jornalista do Daily Worker, o jornal do CPUSA. Nos primeiros anos da Grande Depressão, percorreu os Estados Unidos, escrevendo numerosas crônicas para o jornal, assinadas com o pseudônimo George Cooper, as quais foram recompliadas e publicadas em forma de livro na União Soviética, em 1933, com o título A vida nos Estados Unidos durante esta depressão.
A luta política no seio da Internacional Comunista entre a burocracia stalinista e os partidários da Oposição de Esquerda não tardaria em se transferir para as fileiras do comunismo estadunidense. Em 1928, James P. Cannon, dirigente do CPUSA, participou como delegado do VI Congresso da Internacional Comunista, em Moscou. Tanto ele como outro delegado, Maurice Spector, dirigente do Partido Comunista do Canadá, tiveram acesso ao texto que León Trotsky escreveu como resposta às teses oficiais do Congresso, Crítica sobre o Projeto de Programa da Internacional Comunista. A partir de sua leitura, e depois de muitas reflexões, ambos chegaram à conclusão de que as ideias defendidas por Trotsky eram as corretas e decidiram se unir à Oposição de Esquerda.
Já de volta aos Estados Unidos, Cannon e outros dirigentes do CPUSA, como Max Shchtman e Martin Abern, criaram, em 1918, a seção estadunidense da Oposição de Esquerda, chamada Liga Comunista da América, depois de terem sido expulsos do Partido Comunista por serem “trotskistas”. Max Shchtman era editor do Daily Worker e, durante a batalha no interior do partido, ganhou Felix Marrow para as ideias do genuíno leninismo. Morrow se filiou à Liga em 1933.
Apenas entrou na organização e Morrow já passou a ser um dos redatores mais destacados do Socialist Appeal, orgão de expressão da Liga Comunista e, posteriormente, do The Militant, jornal da organização quando esta mudou seu nome para Socialist Workers Party (Partido Socialista dos Trabalhadores). Ele escreveu numerosos artigos sobre a revolução e a guerra civil espanhola, em ambas publicações.
Felix Morrow teve um papel destacado na direção do SWP e da Quarta Internacional. Foi um dos 18 dirigentes trotskistas estadunidenses condenados no julgamento de Minneapolis, de 1941, no qual foi aplicada, pela primeira vez, a lei Smith, que penalizava a propaganda antibélica como delito de traição. A partir de 1943, envolveu-se em um intenso debate com a maioria do SWP a respeito das perspectivas abertas com a mudança no curso da guerra e suas consequências programáticas. Foi expulso do SWP em 1946, por alegadamente colaborar com o partido de Max Schachtman, o Workers Party, que defendia posições antagônicas às do SWP no tema da defesa da União Soviética na guerra. Com isso, abandonou a atividade política e girou à direita nas décadas seguintes.
Felix Morrow e a revolução espanhola
Apesar da neutralidade aparente do governo Roosevelt na contenda espanhola, a elite política dos grandes capitalistas estadunidenses trabalhou arduamente pela vitória de Franco, a quem forneceram petróleo em abundância, além de ajuda técnica e logística. Obviamente, a reação foi muito diferente entre a classe operária e a juventude dos estados Unidos, que tinham protagonizado, nos anos anteriores, especialmente desde 1934, uma grande onda de lutas operárias e greves como as que sacudiram as cidades de Toledo e Minneapolis. A eclosão da revolução e da guerra civil coincidiu com um período de radicalização do movimento operário nos Estados Unidos.
As organizações da esquerda estadunidense se mobilizaram com vigor para apoiar o lado republicano, especialmente as ligadas ou influenciadas pelo Partido Comunista; criaram numerosos comitês de apoio à República, ligas antifascistas, etc. Mas toda essa atividade estava limitada ao respaldo à linha oficial do partido e da burocracia de Moscou, a favor da política de Frente Popular e de colaboração com a suposta “burguesia progressista” na luta contra Franco, Hitler ou Mussolini. Uma política que renunciava abertamente ao programa leninista da revolução e ao internacionalismo proletário. Obviamente, as organizações da esquerda, que, no território republicano, queriam ligar a luta armada contra Franco às realizações revolucionárias, eram acusadas de provocadoras e inimigas da causa republicana. Esta era, em essência, a finalidade buscada pelo Comitê Norte-Americano de Apoio à Democracia Espanhola, criado em novembro de 1936 pelo CPUSA.
Em todo caso, as tentativas do stalinismo de limitar o apoio à luta antifascista, repudiando a revolução socialista, não impediram que o entusiasmo e a coragem aflorassem entre a juventude e o proletariado de todo o mundo. Milhares de militantes estavam ansiosos por desembarcar em terras espanholas para combater o fascismo e colocar-se na primeira linha da luta contra a ordem capitalista, de emular a Revolução Russa e levar os explorados e oprimidos da Espanha ao poder. A guerra e a revolução espanhola apareciam, na mente da vanguarda operária mundial, como o aríete para acabar com o fascismo, com armas nas mãos, e reparar a tragédia da Alemanha e da Itália, ajustando contas definitivamente com o regime capitalista.
As Brigadas Internacionais constituíram a expressão mais acabada desse desejo que, além do mais, rompia a linha da não intervenção, idealizada pela burguesia imperialista francesa e britânica, e que também contou, em um primeiro momento, com o apoio de Stalin. Nos Estados Unidos, os trabalhadores e jovens se uniram aos milhares à causa; muitos deles sacrificaram tudo, inclusive sua vida, para alistarem-se na famosa Brigada Lincoln, que combateu heroicamente, entre outras batalhas, na defesa de Madri e no vale do rio Jarama, perto da capital.
Diante das manobras do stalinismo nos Estados Unidos, o movimento trotskista respondeu reivindicando o processo revolucionário e a necessidade de avançar em direção ao socialismo, para ganhar a guerra do fascismo. Em seus jornais, foram publicados textos de Trotsky sobre a guerra civil e a revolução.
Dois meses depois do início do conflito, Felix Morrow escreve o folheto “A guerra civil na Espanha: Em direção ao socialismo ou ao fascismo? ”. Seu objetivo era o de proporcionar uma análise marxista da história política da República espanhola, desde seu início em 1931 – abordando o fracasso das reformas dos governos de coalizão republicano-socialista -, até a insurreição fascista de julho de 1936. Um primeiro texto ao que se seguiu outro, escrito no outono de 1937, “Revolução e contrarrevolução na Espanha”.
Carregado de força narrativa, Morrow entra, com profundidade, na análise dos processos da revolução social e da contrarrevolução stalinista-burguesa. Analisa pormenorizadamente o poder dual resultante do levante operário, que derrota a intentona fascista nas principais cidades espanholas, a formação das milícias operárias, as coletividades e as tomadas de fábricas submetidas ao controle operário. Demonstra, com dados e cifras da época, a profundidade da revolução social em marcha e o pavor que esta deperta, não apenas nos quartéis generais franquistas de Salamanca e Burgos, mas também nos círculos dirigentes de Roma e Berlim, em Paris e Londres, e entre a burocracia stalinista de Moscou. E disseca a política das diferentes organizações da esquerda, em cujas mãos está o destino da guerra e da revolução: desde o PCE stalinizado até a CNT, passando pela esquerda ligada a Largo Caballero (dirigente então da esquerda socialista) e o POUM.
A força de sua crítica, não somente na hora de provar o caráter contrarrevolucionário do stalinismo, estende-se às tendências que agrupavam os setores da vanguarda operária revolucionária, cuja direção se mostrou igualmente incapaz para alcançar a vitória. Tanto o anarquismo como o centrismo dos dirigentes do POUM são submetidos à crítica marxista, com resultados realmente esclarecedores.
Morrow terminou de escrever esse material em novembro de 1937, com o processo revolucionário liquidado, depois das Jornadas de Maio em Barcelona, a conquista de Aragón por parte das forças stalinistas e a brutal repressão contra o POUM. Esses dois artigos foram publicados finalmente, em 1938, pela Pioneer Publishers em Nova York, quando o resultado da guerra estava praticamente decidido (e aguardam uma nova tradução e publicação em português, após a única que conhecemos, produzida em 1975, pela editora Delfos em Portugal)
A guerra civil e a revolução espanholas não deixam de ser objeto de estudo e controvérsia entre muitos analistas, que tentam desviar o conflito para um enfrentamento entre “democracia e fascismo”, ou “república e franquismo”, ocultando o verdadeiro pano de fundo da contenda: a explosão revolucionária entre as massas operárias, que deram tudo nas trincheiras e na retaguarda para acabar com o fascismo, mas também para construir uma nova sociedade socialista. A ausência de uma direção revolucionária à altura do desafio histórico foi a principal razão da derrota militar da classe operária e do posterior massacre que ela sofreu em mãos do regime franquista.
As lições da revolução e da guerra civil espanholas não deixam de constituir uma fonte de inspiração inesgotável para a preparação política da jovem geração de revolucionários. Ao fim e ao cabo, problemas semelhantes aos que milhares de lutadores daqueles anos tiveram de enfrentar continuam sobre a mesa, em uma época na qual a decadência geral do capitalismo provoca todo tipo de aberrações.
Fonte: página da Fundación Federico Engels.
Comentários