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Pandemia deixa de ser a única pauta. Voltamos à nossa “programação normal”?

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

Depois de seis meses em que a pauta da mídia e das redes sociais foi monopolizada pelo coronavírus, outros assuntos voltaram a chamar a atenção. Por um lado isto é uma má notícia. Afinal, ainda morrem mais de mil pessoas por dia no Brasil e todos devem ser lembrados dos cuidados com a saúde. Por outro lado, alguns assuntos que até então estavam desgastando o governo justamente na época em que o vírus se espalhou estão voltando a ser lembrados.

As investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco ainda não terminaram. Já se sabe que o miliciano Adriano da Nóbrega está envolvido no crime cometido por Ronnie Lessa. O primeiro tinha a família empregada no gabinete de Flávio Bolsonaro. O segundo era vizinho do presidente. A história do assassinato ainda é muito mal contada e cada vez mais a família presidencial se encontra envolvida.

A pandemia também ofuscou a caso de suspeita de corrupção envolvendo o ex-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Fabio Wajngarten. De acordo com matéria publicada em fevereiro na Folha de São Paulo, ele é sócio de uma empresa que recebe dinheiro de redes de televisão, que por sua vez recebem dinheiro do governo por meio de verbas de publicidade. Wajngarten agora está no Ministério das Comunicações. Se for comprovada alguma irregularidade, pode ser o primeiro grande caso de corrupção envolvendo o atual governo.

Além disto, as investigações sobre o gabinete do ódio e a rede de Fake News que supostamente age em favor de Bolsonaro desde as eleições de 2018 estão a todo o vapor. Influenciadores digitais bolsonaristas perderam sua fonte de renda e podem ser punidos pelos seus crimes.

E tem o já conhecido esquema das rachadinhas envolvendo toda da família presidencial. Este caso parece irritar muito o Presidente, que ameaçou de agressão física um repórter que perguntou sobre os R$ 89 mil que Fabrício Queiroz depositou na conta da primeira dama. Queiroz é amigo de longa data de Bolsonaro e trabalhou no gabinete do filho 01, Flávio. Ainda há muito o que se cavar neste buraco.

E, claro, temos a situação econômica do país. Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro promete fazer o Brasil voltar a crescer. Mas o desemprego já estava ruim em fevereiro de 2020 e agora a situação piorou. O governo federal vai colocar a culpa nos governadores e prefeitos que fecharam o comércio. Mas a maioria do comércio reabriu e esta desculpa fica cada vez mais fraca.

O bolsonarismo ainda tem uma carta na manga: a vacina. Se uma das vacinas que estão sendo testadas em parceria com governo federal for viável, o Presidente ainda terá mais um aumento de popularidade. Se tudo der certo, a maioria da população já estará vacinada no segundo semestre de 2021. Bolsonaro ainda terá um ano e meio de governo. E todo o estoque de ações populares ou populistas vai ter acabado. A dívida pública estará nas alturas e os banqueiros vão cobrar medidas impopulares do governo para manter os pagamentos. E as pessoas vão voltar a poder ir às ruas.

Nenhuma das pautas que voltaram a ser parte do debate público favorecem o atual governo. Bolsonaro vai sentir saudades do tempo em que o assunto era a reabertura do comércio e a cloroquina.

O Brasil não vai esquecer quem defendeu a proliferação da doença

São vários os temas que voltaram a chamar a atenção e engajar a militância nas redes sociais. A questão sobre o valor da vida é um deles. Mas agora fica difícil para quem pregou a indiferença em relação a milhares de mortes pela Covid-19 se passar por “defensor da vida” quando uma mulher faz aborto. A “defesa da vida” também é usada quando os bolsonaristas apoiam a violência policial para combater a criminalidade. Quem desdenhou de mais de 100 mil mortes por uma doença realmente está indignado com 60 mil assassinatos por ano?

Usar o “valor da vida” para defender uma pauta moralista, machista e em favor da repressão policial vai ficar mais difícil. Sempre poderemos lembrar quem defendeu o país da nova doença e impediu centenas de milhares de mortes. E quem bateu palmas para quem falou “e daí, não sou coveiro”. Não voltamos ao normal na disputa de narrativas.

Perdemos?

Salvamos centenas de milhares de vidas obrigando o governo a recuar na sua política de forçar a reabertura total do comércio. Impedimos um golpe de estado, que era insuflado nas caravanas da morte de março a junho. Garantimos que o auxílio emergencial fosse para R$ 600,00, sendo que a proposta do governo era de R$ 200,00. Chutamos o agora ex-ministro da Educação Abraham Weintraub para fora do país. Isolamos os radicalóides de direita, como Sara Winter. Ela foi presa, obrigada a desmontar sua milícia e não recebeu nenhuma solidariedade da família presidencial.

Bolsonaro está fortalecido, isto é um fato. Mas teve que fazer vários recuos para isto. O que vai ter um custo para ele nos próximos dois anos e meio de mandato.

Temos que mudar nosso foco e dividir a campanha pelo combate ao vírus com outras pautas. Mas a luta em defesa das vidas e dos valores civilizatórios continua. Não tivemos nem uma vitória nem uma derrota definitiva. Estamos no meio do caminho.

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