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BRASIL

O sistema de ensino não é sucateado, é planejado!

Falar Inglês é mais uma mercadoria que a “globalização” prometeu como sendo possível para todos e o capitalismo provou ser privilégio de poucos

Barbara C. Galvão de Almeida, de Macaé, RJ
Pixabay / Pexels

Em toda e qualquer esfera da sociedade, a desigualdade é o maior obstáculo a ser enfrentado, é também o mais difícil. Um dos maiores responsáveis por manter e perpetuar as desigualdades na sociedade é o próprio sistema educacional. “Quem pode aprender inglês?” o arcaico pensamento meritocrático de que todo indivíduo pode fazê-lo mostra-se fictício diante da realidade do ensino público brasileiro. O ensino de língua inglesa nas escolas públicas no Brasil impede que classes menos favorecidas economicamente se tornem bilíngues, isso faz com que se mantenha a ordem econômica e social vigentes.

A aquisição de línguas estrangeiras é direito assegurado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, não obstante, a grande maioria da população ainda tem esse direito negado.

Comumente, língua é tida como um instrumento de comunicação de um determinado grupo de falantes, e se entendemos as classes periféricas como um grupo social falante de uma língua, entendemos também que língua e cultura estão intrinsecamente correlacionadas. Um favelado está inserido em um contexto social ainda muito distante da “globalização”, onde a forma de entretenimento principal ainda é em sua língua materna; suas músicas, o funk e o rap, que retratam a realidade onde vivem e tocam em seus bailes, são em português, suas telenovelas e programas religiosos também são em português, os poucos livros que tem acesso são os clássicos escolares já fora de contexto, que além de não espelhar suas realidades, não trazem nenhuma visão cultural ou linguística de nenhuma outra língua.

Sobraria então, teoricamente, ao estudante brasileiro favelado, uma oportunidade de contato com inglês como segunda língua: dentro da sala de aula. Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) da Educação Brasileira garantam que todas as pessoas tenham direito a aprendizagem de uma língua estrangeira que as insira no mundo “globalizado”, sabemos que a o ensino de línguas estrangeiras em escolas públicas no Brasil se mostra ineficiente para fazer de um estudante favelado, de fato, bilíngue, ou que este chegue ao menos a um nível básico de comunicação na língua.

Muito maior que isso vem a problemática do sucateamento das instituições escolares públicas como um todo. Só quem teve que entender a fórmula de Bhaskara com um pedaço do teto faltando e água pingando nos cadernos, ou quem deixou de brincar no recreio porque não tinha almoço, e sem almoço ficava tonto, ou quem tentou, porém falhou, em ver beleza em Vinicius de Moraes com barulho de tiros ao fundo, vai entender que favelado quer solução pros problemas que já conhece, dificilmente quer sonhar com línguas estrangeiras de países distantes, e mesmo que o queira, não tem onde nem como, não tem sala de aula equipada nem professor preparado.

Popularmente entende-se que meritocracia significa que qualquer pessoa que queira algo pode lutar para obter sucesso, e consegui-lo, vendo sempre tal sucesso como algo que mais de uma pessoa quer possuir e nem todas conseguirão, fazendo assim com que haja competição e por consequência, concorrentes. No âmbito escolar, por exemplo, obter sucesso pode ser compreendido de diversas maneiras, como obtenção de notas altas em avaliações e trabalhos e conseguimento de estágios e empregos no futuro por consequência de boa atuação escolar. Para explicar como meritocracia, bilinguismo e capitalismo estão conectados precisaremos de um olhar um pouco mais aprofundado sobre o sistema econômico vigente no país.

O Brasil vive sob um sistema econômico capitalista, que consiste fundamentalmente em um sistema de competição para o acúmulo de capital e bens, trabalho assalariado, sistema de preços, mercado livre e de competição e o direito à propriedade privada. O mundo capitalista é moldado em competitividade, para se ter mais alguém precisa ter menos. No Brasil, os filhos da classe privilegiada não somente tem acesso ao ensino de línguas estrangeiras em seus colégios, como muitas vezes custeiam a aquisição do Inglês como segunda língua em cursos especializados. Já os filhos da classe trabalhadora menos abastada, moradores das periferias e favelas, onde o predomínio do ensino fundamental e médio acontece em escolas públicas, o direito ao inglês como assegurado pela PCNs, é negado.

Como entra o fator bilinguismo neste contexto de competitividade no capitalismo? É difícil argumentar contra a opinião de que o inglês se tornou, não oficialmente, uma língua universal, uma língua franca. Globalização, porém, é um nome curioso já que não vemos todas as culturas espalhadas em todos os lugares. As sociedades (classes) reproduzem o jogo global (capitalismo), onde também os poderosos (países) tem o controle.

A crise do capitalismo permite que as empresas ofereçam salários irrisórios, nas poucas vagas que ainda abrem, para pessoas com altas qualificações. Dentre estas qualificações uma das mais comuns é o inglês como segunda língua. Podemos entender esta questão como um problema de matemática básica, em que temos um grupo grande de indivíduos sem emprego, um número pequeno de vagas de emprego que exigem qualificações, qualificações estas que poucos podem obter, já que não são ofertadas a todos igualmente. Têm qualificações os detentores de capital.

As classes média e alta têm interesse em ver seu investimento em mensalidades de escolas e cursos de inglês transformado em continuação de seus filhos nas classes dominantes, detentoras do capital, do poder econômico e por consequência, em posições de poder. Inglês é uma das qualificações mais exigidas no mundo das vagas de emprego.

Garantido seu direito ao inglês como segunda língua por meio do capital, o jovem da elite, falando claramente, paga pelas suas qualificações, e por consequência, pela sua vaga de emprego. O sistema de classes assim se mantém, e para isso, o sistema de ensino cumpre seu papel de não inclusão do jovem periférico na competição destas posições de poder, garantindo a estes jovens periféricos e favelados o papel de suporte social, empurrando-os para construção civil e subempregos que existem apenas para manter o conforto da classe mais abastada. Com o falso pretexto de melhor prepará-los para o futuro, o máximo de educação que um jovem da classe menos favorecida pode esperar é um curso profissionalizante, que quando analisados, não profissionalizam para além de cargos-suporte, aqueles que constroem, sustentam e mantém a sociedade de forma invisível e mal remunerada.

Concluímos que Inglês é mais uma mercadoria dentro do sistema capitalista que o favelado não tem capital pra comprar e que bilíngue, no Brasil, é quem compra o inglês. Aquele que vende pão, ou seus filhos, segue ouvindo que quem quer, consegue, enquanto observa do alto do morro as oportunidades que nunca terão.

*Barbara C. Galvão de Almeida é professora, de Macaé (RJ).