O sonho de qualquer jovem militante trotskista é ver a Quarta Internacional reunificada e dirigindo processos políticos de massas. Esse é um sonho impossível de acontecer, porém, esse tema é pouco refletido pela maioria dos militantes e, outras tantas vezes, pouco compreendido pelos jovens militantes e pela vanguarda de jovens e trabalhadores.
Se todos reivindicam Trotsky, por que não estão juntos? O principal critério é político. A teoria não é igual a prática política: toda formulação teórica deve ser “traduzida” para uma realidade local e nacional, devem incorporar as mediações particulares, para então se transformar em política. Essa tradução da teoria da revolução permanente e do desenvolvimento desigual e combinado leva a um resultado muito diverso em cada uma das organizações políticas. Devemos juntar a questão da tradução, o problema das interpretações sobre os fatos históricos posteriores: o stalinismo, a URSS, os governos nacionalistas, as frentes populares, os novos partidos reformistas, as transformações no mundo do trabalho, etc. Por último, devemos juntar as pressões e adaptações locais de aparatos sindicais e políticos que exercem uma força conservadora para manter as organizações trotskistas separadas.
Com tristeza, quando vamos conhecendo a história do trotskismo e as políticas de cada uma das organizações, percebemos que a unificação delas é um sonho impossível. Isso não quer dizer que as organizações trotskistas devem ficar isoladas e cada uma construir o seu “quadrado”. Ao contrário, é possível pensarmos uma unidade entre algumas alas do trotskismo. Mas, para pensar nisso, aos 80 anos da morte de Trotsky, vale refletir sobre as principais razões que levaram à divisão do movimento.
Advirto que este não é um texto histórico detalhado, mas uma tentativa de compreensão de determinações gerais do processo complexo da tragédia que envolve o trotskismo.
A marginalidade como problema central
A primeira determinação é a questão da marginalidade do trotskismo. Com poucas exceções no pós-guerra, como na Bolívia dos anos 1950, no Sri Lanka dos anos 1960, na Argentina dos anos 1980, entre outros exemplos, o trotskismo foi uma corrente marginal. Forte nas ideias, mas marginal na luta de classes. A marginalidade foi uma força poderosa que levou a diversos agrupamentos a criarem um mundo paralelo no interior das suas organizações: linguagens particulares, convivência somente no interior do círculo de militantes. Levou a adaptações também: quando a corrente em determinado local ganhava uma seção local de um partido no qual fazia entrismo, um sindicato estudantil ou mesmo de trabalhadores, transformava num “bunker” que estava completamente desconectado da influência real dos trotskistas na luta de classes regional ou nacional.
Essa determinação me parece a central. Ela é, em sua maior parte, objetiva: a influência do stalinismo no pós-guerra ou de direções pró-stalinistas, como na China e em Cuba após revoluções, e suas influências no mundo no pós-guerra são a principal causa. Elas foram barreiras materiais e agiram muitas vezes com repressão física contra os trotskistas. Porém, não podemos descartar que ocorreu fortes problemas subjetivos no interior das organizações trotskistas com erros de interpretação e ação política.
Dogmatismo e centralismo burocrático
Uma segunda determinação tem a ver com o dogmatismo. Não existe política revolucionária, sem teoria revolucionária. Mas a teoria revolucionária não pode se sobrepor a política no interior de uma organização revolucionária. Muitas das divisões das organizações trotskistas estão relacionadas a interpretações sobre fatos, caracterizações, etc. Isso não quer dizer que a teoria não tenha sua importância, mas o que guia um partido político é sua ação política. Logicamente, que a médio e, as vezes, até a curto prazo, uma interpretação errônea da realidade pode levar a um desastre político. Porém, na história do trotskismo podemos encontrar exageros nesse processo de ruptura: diferenças táticas que são levadas a rupturas estratégicas.
Talvez um conselho gramsciano aqui pode nos fazer entender o problema. Numa organização revolucionária devemos ser intransigente na ação e em nossa prática política, mas devemos ser tolerantes no debate e na formulação dessas políticas no interior do partido. É necessário ter abertura para formar a posição política coletiva. Construir o partido da revolução significa conseguir produzir sínteses para ação, sem abrir mão das interpretações e do embate ideológico.
É nesse sentido que o dogmatismo nos leva a terceira determinação que explica a desagregação dos trotskistas: o centralismo burocrático. Muitas organizações políticas, incluindo aquelas que se reivindicam mais democráticas em si, tiveram processos altamente burocráticos: intervenção nas seções nacionais ou locais, separação de dirigentes que defendiam políticas diferentes, promoção de quadros que defendiam a mesma política do centro e um longo etc. A história das correntes da IV Internacional e aqui poderia falar do mandelismo, morenismo, lambertismo, entre outras, tem diversos exemplos de centralização burocrática – uns mais, outros menos. Mas não existe nenhuma “pura” nesse quesito.
Refletir para reconstruir uma unidade possível
A marginalidade levou ao dogmatismo e ao centralismo burocrático. Essa são as determinações centrais para entendermos a desagregação da Quarta Internacional e a dispersão do trotskismo. Uma história crítica das correntes trotskistas tem que levar essas três determinações em conta.
Se quisermos superar essas condições, será necessário construir nossas organizações de maneira diferente: diferenças táticas não são necessariamente diferenças de princípio; termos tolerância nas discussões, as divergências devem poder se expressar no interior do partido, mas a ação deve ser unificada; os dirigentes não podem ser promovidos de acordo com a relação que tem com a direção; reconhecer também nossa marginalidade para construir pontes para uma influência de massas e não para construir muros entre nossas organizações.
A lição mais importante da reflexão sobre a história da IV Internacional e de suas rupturas é justamente que a unificação dos trotskistas e de todos revolucionários que queiram construir um partido mundial da revolução é uma tarefa essencialmente política: é necessário um acordo estratégico com o programa, mas não um acordo com cada tática e com toda a teoria. Precisamos ter uma margem nesse quesito. O programa é fundamental e é ele que deve guiar-nos para a unificação. Ele é formulado pela teoria, mas não é a teoria. Ele aponta para táticas, mas não são as táticas. Reivindicar a unidade no programa não significa dizer que teoria e tática não importam. São fundamentais, mas não podem ser o motivo de nossa dispersão.
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