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EDITORIAL

Quatro motivos para apoiar as greves da educação pela vida

Editorial de 15 de agosto de 2020

A pandemia no Brasil atingiu números de uma verdadeira guerra e passamos das 100 mil mortes e de mais de 3 milhões de casos. Em meio a este caos provocado pelo governo Bolsonaro, a pressão dos agentes bolsonaristas e do capital tem forçado o relaxamento das medidas de distanciamento, inclusive nos Estados com alto crescimento de casos e mortes. Agora, observamos governadores e prefeitos iniciando o processo de reabertura das escolas públicas e privadas, em total ruptura com os especialistas nacionais e internacionais, que têm afirmado que a abertura nesse momento pode acelerar a disseminação da COVID-19.

É fundamental compreender as razões que fomentam a pressão para reabrir escolas e creches: a medida é fundamental para liberar a mão de obra para o trabalho. Com as unidades escolares fechadas, muitos trabalhadores têm dificuldade para retornar à jornada de trabalho que exerciam antes da quarentena. Deste modo, o empresariado joga pesado para fomentar a abertura das escolas. Em especial os donos de escolas, que vêm construindo um movimento de pressão política e financiando campanhas publicitárias negacionistas.

A crise política também favorece a reabertura, como mostram os exemplos do Estado e do município do Rio de Janeiro. O governador Witzel recuou das medidas de distanciamento após o conflito com o presidente e da ameaça de impeachment. Já o prefeito Marcelo Crivella tem tentado se aproximar do presidente, pois deseja ser o candidato bolsonarista nas eleições deste ano. Por isso, o prefeito tem semanalmente reduzido as medidas de relaxamento e agora se volta para a reabertura das escolas e creches.

O que tem motivado as iniciativas de abertura das escolas não tem nada de pedagógico ou de proteção da formação dos alunos. É um total desrespeito a vida! Em resposta, os educadores do Estado do Rio de Janeiro têm organizado a Greve pela Vida. O sindicato da rede privada, SINPRO-RIO, e o das redes públicas dos municípios e do Estado do Rio, o SEPE-RJ, deflagaram as greves contra a volta dos trabalhos presencial de professores e funcionários. Mas por que devemos apoiar esse movimento grevista?

1) Diversos estudos têm demonstrado que mesmo com protocolos, as escolas e creches podem se tornar centros de disseminação da doença. Ou seja, crianças e profissionais da educação podem espalhar o COVID para seus bairros e comunidades. Segundo a nota técnica da FIOCRUZ, a abertura das escolas poderia gerar até 35 mil mortes no país. Outros países que insistiram na reabertura das escolas, só o fizeram depois de uma redução drástica na quantidade de novos casos. Mesmo assim, voltaram atrás depois que viram o número de casos aumentar, como foi o caso de Israel.

De forma emblemática, no segundo dia de abertura da rede estadual do Amazonas, nesta terça, 11, uma escola foi totalmente interditada, na Zona Norte de Manaus, após uma professora apresentar sintomas do COVID-19. Em São Luis (MA), ocorreu o mesmo, com escolas particulares. Este não será um ponto fora da curva. A abertura das unidades escolares é mais um grave erro na condução da pandemia no Brasil.

2) Há falta de EPIs. Até agora a maioria das redes públicas que têm indicado a reabertura não têm garantido o fornecimento de EPIs para os alunos e profissionais e muito menos a testagem. Há uma grande insegurança a respeito da funcionalidade destes protocolos. Na prática, todos os educadores se perguntam como garantir que os alunos (principalmente a educação infantil) mantenham o uso da máscara e sigam todas as demais medidas.

3) Os profissionais da educação tornaram-se grupo de risco. Um estudo da Universidade do Chile aponta que professores e funcionários foram os mais atingidos no surto que ocorreu em uma escola chilena. Tudo indica que estes acabaram recebendo uma carga viral alta pelo contato com diversas pessoas contaminadas. É por este fator que muitos profissionais da saúde são vencidos pela Covid, apesar de serem jovens e sem comorbidades.

4) As estruturas das unidades escolares não estão preparadas. Grande parte das escolas e creches públicas e também boa parte das escolas privadas não possuem as instalações minimamente necessárias para adequação de algum protocolo. Diversas escolas públicas não possuem água encanada, mais de um banheiro ou espaço para efetivar o distanciamento de 2 metros entre os indivíduos recomendado pela OMS. Em muitas escolas não há salas suficientes para dividir os alunos de forma adequada. Na verdade, observamos nas redes as salas sempre lotadas ou escolas tão pequenas que em uma mesma sala temos duas ou até três séries juntas. Em resumo, grande parte das unidades escolares precisaria passar por uma remodelação estrutural para voltar a receber alunos e profissionais e isso, quando muito, só tem sido feito, em grandes escolas particulares.

As unidades escolares não podem se tornar locais associados a morte e traumas provocados pelo COVID, as escolas devem ocupar as memórias de todos como locais de afeto. Afeto promovido pelas relações entre professores, alunos, funcionários e parentes, que convivem dentro do espaço escolar e que juntos constroem um o processo de ensino aprendizado e de sonhos. As escolas precisam ser sinônimo de vida e não de morte. Para isso é urgente uma política nacional de contenção, única alternativa que efetivamente torna possível qualquer retomada.

A greve é pela vida!