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Por que não apoio Inacio Falcão para a Prefeitura de Campina Grande?

José Luciano de Queiroz Aires*, de Campina Grande, PB
Reprodução

Inicialmente gostaria de dizer que a escrita desse texto é feita por um historiador marxista, militante sindical, parceiro de movimentos socais e filiado ao PSOL paraibano. Essa auto apresentação inicial não pretende alcançar qualquer tipo de personalismo e vaidade, muito pelo contrário, é uma demarcação ideológica que procura evidenciar o lugar que procuro ocupar no espaço político a fim de que o conteúdo do presente artigo possa ser melhor compreendido.

Filiei-me ao PSOL esse ano e já tenho que enfrentar o primeiro desafio, ou seja, tomar posição com relação a uma possível aliança do partido, na cidade de Campina Grande, com a candidatura de Inácio Falcão para as eleições municipais de 2020. Desde já, destaco que faço parte do coletivo no interior do partido que discorda dessa aliança. E tentarei expor aqui as razões que justificam essa posição.

Tenho estudado bastante a história das oligarquias paraibanas e penso que as pesquisas acadêmicas podem muito bem embasar uma leitura crítica a fim de atuarmos na conjuntura do presente histórico. A forma de se fazer política baseada no coronelismo, no mandonismo e no poder familiar deita raízes no século XIX, momento em que o Brasil passava da condição de colônia para a de nação, mas sem romper com as estruturas coloniais baseadas no modelo agroexportador, monocultor e escravagista. A República e a Abolição não resolveram os problemas das classes e grupos subalternos, pois o povo negro recém-saído da escravidão se encontrava sem as mínimas condições materiais para sobreviver, isso sem contar no racismo estrutural tão arraigado ainda hoje na mentalidade de nossa classe dominante. A Primeira República não apontou no caminho da democracia liberal, mas para uma democracia oligárquica assentada no coronelismo e no poder do latifúndio. Não custa lembrar que os poucos, mas importantes direitos conquistados pelo povo trabalhador brasileiro, foram resultados do processo de luta de classes, de organização sindical, de greves históricas e do apoio de partidos políticos ligados à esquerda. Muito sangue foi derramado pelo proletariado e lutar pelo legado que a geração do passado nos deixou é um imperativo ético e político pertinente para a esquerda atualmente. E muito se tem lutado, mesmo quando a correlação de forças não nos é favorável.

A Paraíba e Campina Grande não fogem a essa forma oligárquica e cheia de vícios que vem da nossa formação histórica no século XIX. É a política de parentela estudada por Linda Lewin, é a “morte e vida das oligarquias”, estudadas pela historiadora Eliete Gurjão. Autoras que se dedicaram a demonstrar o funcionamento do poder oligárquico na Paraíba na transição do século XIX para o XX, poder esse que se reproduz no tempo mediante essa forma hereditária de continuísmo político. A título de exemplificação podemos citar casos como o dos Ribeiro Coutinho, dos Cunha Lima, dos Pessoa, dos Suassuna, dos Silva Mariz, dos Sátiro, dos Veloso Borges, dos Dantas, dos Rego, dos Gadelha, dos Mota, dos Targino Maranhão e tantas outras famílias que têm dominando a política em âmbito local, estadual e federal.

Entretanto, o poder político não se reproduz no capitalismo sem uma base material de sustentação. O poder econômico, o poder ideológico e as forças repressivas e milícias privadas são determinantes para a reprodução do poder político. Nossa democracia na verdade está muito mais para uma autocracia burguesa, conforme definição de Florestan Fernandes, decisões tomadas pelo alto, pela via da conciliação, tantas vezes com repressão e quase nenhuma participação política e inclusão social. Restrita, excludente e repressiva. No caso de Campina Grande, além de tudo, oligárquica, pois o que assistimos é o revezamento das principais oligarquias na cadeira de prefeito e no reacionário parlamento municipal. Cunha Lima, Ribeiro Coutinho e Rego têm protagonizado as campanhas políticas caríssimas, financiadas pela burguesia e baseadas no clientelismo, no assistencialismo, na caridade eleitoral e na política familiar.

Se há uma base material para a reprodução da política temos que relacioná-la com as outras instâncias de uma totalidade histórica. No plano econômico, a ligação continua com base no poder que vem da estrutura agrária, mas também com outros setores do grande capital a exemplo dos grandes comerciantes, industriais, empresários de setor de serviços, banqueiros e empresários do ramo da comunicação. Todas essas frações burguesas sabendo utilizar a seu favor os aparelhos privados de hegemonia, a exemplo das FIEP, Associação Comercial, Câmara dos Dirigentes Lojistas e as cadeias jornalísticas de rádio e TV. Além dessas frações do chamado setor produtivo temos também o crescimento das igrejas/empresas que, além de cumprirem a função ideológica, também se transformaram em potenciais empresários da fé que acumulam capital em nome de Deus. Os políticos e os partidos tradicionais, na verdade, são representantes do capital que financiam suas campanhas para que, uma vez no poder, os interesses burgueses sejam intocáveis e a luta de classes seja reprimida. Tem sido assim, por exemplo, quando acompanhamos as votações no Congresso Nacional e encontramos as tradicionais oligarquias paraibanas colocando sua digital no ajuste fiscal, no congelamento do orçamento, nas contrarreformas trabalhista e da previdência e em outros projetos que retiram direitos sociais historicamente conquistados pelos trabalhadores. Essas oligarquias de hoje são descendentes diretos daquelas do século XIX, são os continuadores da exploração da classe trabalhadora e das opressões de gênero e de raça.

Vivemos um momento de profunda crise do capitalismo onde a saída burguesa tem sido o ajuste fiscal, a retirada de direitos dos trabalhadores e a intensificação da uberização do mundo do trabalho. Crise essa que se soma a outras crises: sanitária, social, política, ambiental, de dimensões assustadoras para os 99% da população do planeta. Nesse bojo, cresce a luta de classes, mas também o neofascismo. Não precisamos ir muito longe para perceber que estamos em um momento da conjuntura em que há um avanço da extrema direita no mundo, com o Brasil sendo exemplo direto e bastante conhecido. Diante desse quadro dramático para as classes e grupos subalternos, defendo que a esquerda- (incluindo partidos políticos, movimentos sociais, populares estudantis, frentes populares, sindicatos e centrais sindicais, etc)- faça aquilo que Gramsci chamava de “guerra de posição”, um trabalho lento, longo e de formiguinha no sentido de potencializar a luta e a consciência de classe sem, com isso, cair na tese vanguardista de uma consciência de fora para dentro, mas um trabalho dialógico, orgânico e que parte do senso comum para o bom senso, mediante a filosofia da práxis. Por tudo que já perdemos e que ainda podemos perder com as reformas tributária e administrativa; pelo mundo que vem depois da pandemia, possivelmente, ainda mais destrutivo para o mundo do trabalho, restam-nos as lições de Marx e Engels: apostar na luta de classes e no combate a todas as formas de opressão que o capitalismo resiste, mas também se alimenta delas quando as mercantilizam. Esse trabalho não será de curta duração, exigirá paciência, dedicação e relações orgânicas entre os ditos intelectuais e o povo trabalhador. Trata-se do trabalho de base, da formação política, da direção, da disputa de hegemonia que estamos perdendo para as igrejas que estão se espalhando para a periferia levando a “palavra de Deus” em troca de dízimos valiosos e consciências alienadas. Esse desafio é para gerações, mas temos que começar já. Para alguns e algumas, recomeçar.

No curto prazo, temos os desafios eleitorais de 2020 e 2022. Embora não sou daqueles que acredita que vamos mudar o mundo com eleições nas circunstâncias excludentes da democracia burguesa, também não acho que devemos cruzar os braços diante delas. Enquanto existir capitalismo e o Estado burguês temos que disputar participação política, a fim de apresentar nosso programa e de ocupar assento em algum parlamento ou prefeitura a fim de representar e defender o programa da classe trabalhadora. Diria que nesse momento extremamente dramático, em que estamos na defensiva, lutando para não perder o que nossos camaradas do passado legaram para nós, devemos apresentar um conjunto de projetos de conotação de um reformismo forte, incluindo a revogação das contrarreformas já sancionadas e a revogação da Emenda Constitucional 95. Um programa desses perpassa também pela democratização dos meios de comunicação, por uma reforma política, por uma reforma tributária que taxe as fortunas, por uma auditoria da dívida pública, por políticas efetivas de combate ao racismo, machismo e lgbtfobia, por uma reforma agrária radical, por todas as titulações de terras indígenas e quilombolas, pela reforma do sistema prisional, pela descriminalização do aborto, pela defesa do fundo público apenas para serviços públicos, pela defesa incondicional do Serviço único de Saúde, etc.

Esse programa que o PSOL já tem abraçado deve ser reapresentado ao povo brasileiro, paraibano e campinense no curto espaço de tempo das eleições municipais, mas por candidatos e candidatas cujos nomes venham do campo popular e tenham vínculos orgânicos com as classes e grupos subalternos. Não é o caso do atual deputado Inácio Falcão, cuja candidatura foi lançada pelo “Fórum Pró-Campina” e defendida por setores do PSOL campinense. Penso que seu nome não encontra raiz histórica na luta de classe/gênero/raça, uma vez que fez carreira política caminhando ao lado de famílias politicas tradicionais da oligarquia de Campina Grande, senão vejamos:

 Eleição de 2000: se candidatou a vereador pelo PST;
 Eleição de 2004: se candidatou a vereador pelo PFL (hoje DEM)= em coligação com (PTB/PSC/PL/PV/PSDB)= Cunha Lima;
 Eleição de 2006: se candidatou a deputado estadual pelo PDT;
 Eleição de 2008: se candidatou a vereador pelo PSDB= Cunha Lima;
 Eleição de 2010: se candidatou a deputado estadual pelo PSDB= Cunha Lima;
 Eleição de 2012: se candidatou a vereador pelo PSDB; em coligação com (PSB / PRP / PSDB / PSD)= Cunha Lima;
 Eleição de 2014: se candidatou a deputado estadual pelo PT do B; em coligação com (PT DO B / SD / PPS / PTN / PMN / PSDC / PRB);
 Eleição de 2016: se candidatou a vice-prefeito de Campina Grande na chapa de Adriano Galdino pelo PT do B coligado com (PSB / PDT / PT / PSL / PR / PRP / PC DO B);
 Eleição de 2018: se candidatou a deputado estadual pelo PC do B em coligação com (PSB / PTB / PRB / PODE / PDT / PC DO B / PRP).
Fonte: https://eleicoes.poder360.com.br/candidato/589729#2018.

Pelo exposto, percebe-se que o nome de Inácio Falcão, embora esteja no PC do B muito recentemente, tem uma tradição histórica vinculada aos partidos mais tradicionais e inimigos da classe trabalhadora. Inclusive, exatamente no dia em que escrevo essas linhas, a Assembleia Legislativa da Paraíba aprova em primeiro turno a contrarreforma da previdência dos servidores públicos do estado da Paraíba, PEC essa, irmã gêmea da que foi aprovada pelo governo Bolsonaro na esfera federal. E, pasmem! – com o voto favorável do então deputado Inácio Falcão, aquele que é alçado por algumas forças progressistas de Campina Grande como “o candidato da esquerda”, numa frente ampla antifascista.

Como também sou daqueles que caracteriza o momento político que estamos vivendo a partir do conceito de neofascismo conjugado com o de ultraneoliberalismo, acredito que a saída à esquerda, é sim, a construção de uma frente única com todas as forças políticas e sociais organicamente vinculadas ao campo das lutas da classe trabalhadora. Frente única com as forças de esquerda e não frente ampla que incluam setores da direita. E também que seja uma frente antifascista e anticapitalista que se dedique cotidianamente à luta concreta no chão da História: nas ruas, no campo, na porta da fábrica, na luta dos entregadores, no movimento sindical classista e autônomo, no call center, no assentamento, no quilombo, na aldeia, na SAB, na periferia, na ocupação dos sem teto, etc. Não nos enganemos com a construção de frentes antifascistas apenas para períodos eleitorais, pois os grandes clássicos do marxismo nos ensinaram que não se derrota o fascismo alimentando algumas ilusões em relações às instituições da democracia burguesa. Tem que ser uma luta coletiva, permanente e corajosa, pois em alguns momentos o confronto pode ser inevitável.

Voltando ao caso da eleição municipal de Campina Grande, eu acho que o mais interessante seria que o PSOL apresentasse candidatura própria no primeiro turno e fizesse aliança com partidos de esquerda para o segundo turno contra os candidatos do bolsonarismo e das oligarquias tradicionais da “Rainha da Borborema”. Contudo, e seguindo a orientação nacional do partido, também não vejo problema em que o PSOL de Campina Grande construa uma frente de esquerda já no 1º turno com o PT e o PC do B, no enfrentamento às candidaturas oligárquicas e/ou bolsonaristas. Entretanto, para fazer esse enfrentamento e apresentar um programa para o município que dialogue com as classes e grupos subalternos e que os representem, acredito que temos nomes com uma identidade mais à esquerda no interior dos próprios partidos da frente, pois Inácio Falcão, com todo respeito, não tem o perfil político e ideológico que os desafios populares- (e não populistas)- nos impõem.

É tanto que o próprio governador da Paraíba, João Azevedo, não descarta seu apoio à candidatura de Inácio Falcão que é da sua base de apoio. Em matéria para o Paraíba Online, de 7 de julho, o governador afirmou que “em Campina temos dois candidatos que são da base do governo: Ana Cláudia e Inácio Falcão e nós estamos evoluindo numa conversa pra ver quem irá se consolidar, se haverá uma união de forças. Tudo isso ainda está acontecendo”. No mesmo veículo de informação, desta feita em 18 de julho, o governador paraibano reafirmou a existência das pré-candidaturas de Ana Claudia (oligarquia Rego) e de Inácio Falcão e arrematou: “Eu espero que realmente a gente possa unir as oposições em Campina Grande”.

Ao que parece, o deputado Inácio Falcão é muito mais próximo do governo que destrói o direito à aposentadoria do servidor público do que de um prefeitável comunista defensor dos trabalhadores e da democracia.

Teremos nós do PSOL coragem de apresentá-lo dessa forma e fazer campanha para ele?

 

* Militante da Resistência/PSOL.