Escrevemos esse texto com o peso da tragédia sanitária que já ceifou quase 100.000 brasileiros e brasileiras. Mas a covid-19 não ataca a todos de maneira democrática. Com um olhar atento iremos perceber que os mais atingidos são os povos racializados. Se nas grandes cidades negros e negras são os mais atingidos, no interior do imenso Brasil os povos indígenas estão sendo duramente atacados. Um verdadeiro genocídio está em curso.
Quando as lideranças indígenas ocupam o debate público para denunciar que estão sofrendo um genocídio muitas pessoas, inclusive as comprometidas com pautas progressistas, acham que é um exagero. Será que é tudo isso? Não seria um exagero falar em genocídio?
No século XIX e XX o genocídio foi uma presença constante na política dos Estados Imperialistas nos continentes Africano e Asiático. Povos inteiros foram dizimados nesses continentes pela ganância do novo sistema de produção que se impunha pelo globo.
Foi com o final da Segunda Guerra Mundial que veio a condenação moral, jurídica e política contra o genocídio. O horror do nazismo e sua política racista de extermínio de vários povos brancos europeus chocou pela primeira vez o ocidentalismo. Daí que a Organização das Nações Unidas (ONU) tipificou no direito internacional a Convenção Para Prevenção e a Repressão Para o Crime de Genocídio de 1948 e que o Brasil é signatário desde 1951. O artigo III desta Convenção aponta que será punido não só o genocídio assim como o conluio para cometer genocídio e a tentativa de genocídio.
O Estatuto de Roma de 1988, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI), em seu artigo 6, define genocídio da seguinte forma:
“Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “genocídio”, qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:
-
- Homicídio de membros do grupo;
- Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
- Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;
- Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
- e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.”
A situação dos povos indígenas e a ação do Estado brasileiro requer atenção de todos. O governo Bolsonaro não garantiu medidas básicas para impedir a proliferação da doença. Ao contrário, negligenciou e foi responsável pela proliferação do vírus. O primeiro caso de covid-19 na população indígena foi em 1° de Abril e foi em uma agente indígena de saúde que teve contato com um médico contaminado, que retornava de férias.
Bolsonaro atua conscientemente para “passar a boiada” contra os povos indígenas em plena pandemia e realizar um verdadeiro genocídio. O presidente representa interesses do agronegócio e atua contra a demarcação das terras indígenas e a favor de invasores. Este objetivo é tão escancarado que Bolsonaro vetou na lei de proteção de indígenas e quilombolas (aprovado pelo Congresso Nacional) itens de fornecimento pela União como: água potável, materiais de higiene, cestas básicas e sementes para as aldeias.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão estatal que deveria promover políticas públicas em defesa da proteção da vida, da cultura e dos territórios indígenas está sendo dilapidada, quando não diretamente associada a interesses de madeireiros. O orçamento do órgão para 2020 é de apenas 0,02% do montante da União e um profundo contingenciamento de seus recursos está impedindo o órgão de realizar suas funções no momento em que os povos indígenas mais precisam.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem cumprindo o papel de realizar um levantamento independente sobre o número de infectados entre os povos indígenas de todo o país e assim comprovar o genocídio em curso. Dados da APIB (acessados no dia 5 de agosto) apontam que 148 povos indígenas foram afetados pela doença, 22.325 infectados confirmados e 633 mortos.
Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas na Amazônia Brasileira (COIAB)(1) 121 povos indígenas da Amazônia já foram atingidos pela covid-19 e 549 falecimentos aconteceram em 89 povos da região. Amazonas, Mato Grosso e Pará são os Estados com maior número de mortes 182, 91 e 85 respectivamente e também concentram o maior número de povos indígenas atingidos 25, 17 e 15.
O coronavírus não ataca a todos da mesma maneira como aponta a plataforma de monitoramento da situação indígena na pandemia do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil:
“Diferentes estudos atestam, no entanto, que povos indígenas são mais vulneráveis a epidemias em função de condições sociais, econômicas e de saúde piores do que as dos não indígenas, o que amplifica o potencial de disseminação de doenças. Condições particulares afetam essas populações, como a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, seja pela distância geográfica, como pela indisponibilidade ou insuficiência de equipes de saúde.”
Fica evidenciado assim que não é nenhum exagero retórico afirmar que existe um genocídio em curso no Brasil contra a população indígena.O governo racista e fascista de Jair Bolsonaro pretende exterminar os povos indígenas através da covid-19 para se apropriar dos territórios e entregar a grupos econômicos da mineração e do agronegócio.
Agosto Indígena e a luta contra o genocídio
O dia 9 de agosto é comemorado o dia internacional dos povos indígenas. O movimento social indígena está organizando uma série de atividades durante todo o mês e no dia 9 a live Emergência Indígena com lideranças indígenas, intelectuais e artistas para “estimular a solidariedade nacional e internacional em atenção às consequências da pandemia de Covid-19 entre os povos indígenas brasileiros.” (@midiaindiaoficial)
A Rede Solidária Ativa (RESOLVA) e o Portal Esquerda Online se somam ao Agosto Indígena e irão realizar uma live neste sábado (8) às 15h com as lideranças indígenas com o tema Covid-19 e o Genocídio dos Povos Indígenas. Estão convidados o Cacique Luiz Katu, Josi Ticuna e Ercilia Tikuna. O encontro será transmitido pelas redes @esquerdaonline e @redesolidariaativa no facebook e youtube.
Por anos o movimento negro denunciou o genocídio da juventude quase que isoladamente. Não deixemos nossos irmãos indígenas sozinhos. Ajude você também a denunciar o genocídio dos povos indígenas do Brasil e seja solidário(a).
NOTAS
1 – Informações são do informativo COIAB de 4 de Agosto publicado no @coiabamazonia no instagram.
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