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OPRESSÕES

Discurso do lobo em pele de cordeiro das empresas liberais e a exclusão da mulher negra

Ângela Silva*, de Londrina, PR
Mulher negra segura um cartaz feito à mão em uma manifestação: "Negro sem emprego fica sem sossego". Ela sorri. Há outras pessoas na foto, uma bandeira ao fundo.
Reprodução/Instituto Lula

Essa semana um jornal local de Londrina anunciou que uma empresa estava ofertando vagas para mulheres “A Londrisoft abriu nove vagas para contratar mulheres em Londrina. A proposta é buscar equidade de gênero e mais diversidade no ambiente de trabalho, já que empresas de tecnologia costumam ter equipes predominantemente masculinas”. Aos bons olhos até seria possível comemorar vagas de empregos em um momento de crise econômica, sanitária e social provocada pela pandemia do COVID-19. No entanto, essas empresas utilizam do discurso da meritocracia, o que permite a um grupo de mulheres que já são privilegiadas a conseguirem empregos e salários iguais, deixando para trás uma grande maioria de mulheres que está no esgoto social.

O sistema capitalista utiliza a sociedade de classe e transforma as diferenças de raça, gênero e sexualidade em mercadorias, com discurso de empoderamento muitas empresas liberais estão usando a pauta feminista para entrar no mercado e explorar mão de obras de mulheres e retirar um maior índice de mais-valia. O discurso neoliberal atrai um público feminino, pois propõe uma visão de igualdade, no entanto, o feminismo liberal “se recusa a tratar das restrições socioeconômicas que tornam a liberdade e o empoderamento impossível para a maioria de mulheres” (ARRUZA, BHATTACHARYA, FRASER, 2019, pg. 37). As desigualdades sociais, de gênero e raça não permitem a muitas mulheres o acesso à universidade, muito menos condição de chegar a um posto de trabalho, ou de chefia. 

O discurso fascina, pois apresenta uma perspectiva de liberdade e avanço social na qual permite ascensão de mulheres enquanto ser individuo. Ao mesmo tempo utiliza a pauta feminista para impor um discurso neoliberal, “ocultando políticas regressivas sob uma aura de emancipação” (ARRUZA, BHATTACHARYA, FRASER, 2019, pg 39). Mas será que esse “avanço” permite que as mulheres negras alcancem o mesmo patamar de “igualdade” de gênero que as mulheres brancas? “Segundo Rafael Hasegawa, CEO da Londrisoft, o desejo de incluir mais mulheres na empresa é antigo e, agora, com o avanço das discussões de igualdade de gênero, elas estão ganhando espaço em profissões que antes eram exercidas por homens”. 

Num país marcado pela divisão racial do trabalho a ascensão social apresentada pelas empresas liberais não inclui as mulheres negras, elas são as empregadas doméstica das mulheres bem sucedidas. As mulheres negras são excluídas pela cor e pelo gênero, são elas que mais sofrem pelo desemprego, pelo subemprego. A taxa de desemprego entre elas é de 16,6%, o dobro da verificada entre homens brancos, de 8,3%. As mulheres negras também é maior do que entre as brancas (11%) e os homens negros (12,1%), segundo levantamento feito com base na média dos últimos quatro trimestres da PNAD contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pelo economista Cosmo Donato, da LCA consultores.

Na sociedade de classes, as opressões atingem públicos diferentes, pois estão enraizadas no caráter histórico, social e cultural, porém a classe trabalhadora é a mais explorada. A sociedade capitalista apropriou do racismo, do sexismo, da violência de gênero e do preconceito para explorar ainda mais a classe trabalhadora. Neste momento de crise, que desvelou o caráter desumano do capitalismo, é urgente, e necessário um feminismo que busca unificar as pautas essenciais para a sobrevivência humana, educação, saúde, meio ambiente, serviços públicos, habitação. Engloba a pauta antirracista, anticapitalista e anti-imperialista, um feminismo para a classe trabalhadora, um feminismo para os 99%.

O discurso do lobo em pele de cordeiro das empresas liberais exclui uma grande parcela da sociedade, a burguesia alinhada ao capital especulativo que hoje representa 1% sempre se beneficiou da exploração e sobrevive do excedente social, por isso, é preciso combatê-lo. A “única maneira de as mulheres e as pessoas não alinhadas à conformidade de gênero atualizarem os direitos que têm no papel ou que ainda podem conquistar é transformando o sistema social subjacente que oculta nossos direitos” (ARRUZA, BHATTACHARYA, FRASER, 2019, pg. 42). Portanto, o feminismo para os 99% inclui a classe trabalhadora e não se limita a pauta de gênero, defende as minorias exploradas pelo sistema capitalista, é este feminismo combativo que precisamos construir.

REFERÊNCIAS

ARRUZA, Cinzia. Feminismo para os 99%: um manifesto. Cinzia Arruza, Tithi Bhattacharya, Nancy Fraser; tradução Heci Regina Candiani. 1. Ed. – São Paulo: Boitempo, 2019.

 

* Ângela Silva é professora da rede municipal de Londrina e da Resistência Feminista.