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MOVIMENTO

A importância da greve em defesa da vida no RJ: sob governos genocidas, nos mantermos vivos é um ato revolucionário

Marcela Almeida e Raphael Mota*
89,33% foram a favor da greve. 7,9% se abstiveram.
Reprodução

Placar da votação online, que decidiu pela greve

Os números da pandemia do novo coronavírus no Brasil nos remetem a um cenário de guerra. Até 02/08/2020, o número de casos confirmados de COVID-19 subiu para 2.733.622, com 94.130 óbitos e a atual média diária de casos fatais no país é de 1.011 mortes. (1) No Estado do Rio de Janeiro, a Secretaria de Saúde registrou, até a referida data, 167.225 casos confirmados e 13.572 óbitos pelo novo coronavírus. (2) Contudo, este quadro pode ser ainda mais grave. Estudos da Fiocruz indicam que o número de subnotificações podem superar em pelo menos dez vezes o número de casos confirmados da doença. (3)

Mesmo diante do evidente descontrole da pandemia no país, o governo federal e grande parte dos governos estaduais e municipais seguem implementando um abstrato “novo normal”, pautado exclusivamente pelo atendimento aos interesses do mercado, relativizando as milhares de vidas perdidas, as milhares de famílias devastadas e ignorando o desmonte progressivo do sistema público de saúde.

Há algumas semanas, os mesmos que têm defendido a “reabertura da economia” para o país “não quebrar” e a consequente diminuição das medidas de distanciamento social — aos moldes do que preconiza a necropolitica de Bolsonaro — vêm se pronunciando em defesa da reabertura de escolas, ainda que em pleno pico da pandemia. Evidentemente, os interesses do empresariado, do mercado, dos bancos e da mídia estão muito longe de uma genuína preocupação com o processo educacional. Para o capital, a escola é espaço de reprodução do pensamento dominante, mas, de imediato, ela não passa de mero depósito onde os trabalhadores deixam seus filhos enquanto fazem girar, pela exploração de sua força de trabalho, a roda da economia.

Em meio a esse caos, a prefeitura do Rio de Janeiro e o governo do Estado do RJ seguem implantando seus planos de reabertura do comércio, serviços e atividades de lazer, procurando naturalizar dia após dia os efeitos devastadores da pandemia do novo coronavírus através da redução das medidas restritivas.

No Rio, o prefeito Crivella, que vem tentando lograr alguma sobrevivência política, já iniciou a fase fase 4 de reabertura da cidade, o que inclui comércio de rua, shoppings centers, templos religiosos, prática de esportes coletivos e praias. Em decreto de 22/07, Crivella autorizou a reabertura das escolas particulares na cidade, cedendo nitidamente aos apelos dos empresários da educação privada carioca. Em relação às escolas da rede pública municipal, o prefeito autorizou a reabertura de refeitórios de creches e escolas a partir do dia 16 de agosto, o que foi imediatamente contestado pelo Sindicato dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro em representação criminal contra o prefeito, responsabilizando-o pelas mortes que vierem a ocorrer nas escolas por COVID. Em reposta, Crivella afirmou que vai entrar com representação contra o SEPE por “denunciação caluniosa”.

No âmbito estadual, o secretário de educação, Pedro Fernandes, anunciou que a partir de 03/08, as equipes diretivas, pedagógicas, de secretaria e terceirizados da limpeza e das cozinhas escolares deveriam retornar ao trabalho nas escolas para “preparar o retorno às aulas”. Segundo o secretário, as equipes deveriam voltar ao trabalho nas cidades onde as prefeituras tivessem anunciado o estágio amarelo, ressaltando que os alunos retornariam apenas na bandeira verde. Isso representa uma evidente quebra de isonomia no âmbito do serviço público e a opção preferencial por expor as vidas de profissionais de educação que, especificamente em razão da falta de concursos públicos na rede, pela extinção de cargos em governos passados e pela extrema desvalorização profissional, são, em número considerável, professoras de primeiro segmento — o qual não é mais oferecido no ensino regular há anos —  e funcionários oriundos de concursos muito antigos, já com certa idade e comorbidades. Além destes, temos os terceirizados, profissionais extremamente precarizados, com uma representação sindical patronal e que estão sujeitos à demissão caso se recusem a retornar.

Cinicamente, os governos estadual e municipal do Rio afirmam estar respeitando as orientações dos órgãos oficiais de saúde pública. No entanto, o aumento de contaminações e mortes não deixa margem de dúvida a respeito da responsabilidade direta da administração pública no agravamento deste quadro, principalmente em função do relaxamento das medidas de isolamento social.

Em assembleias gerais da rede municipal do Rio, da rede estadual do RJ, e de professores da rede privada, o SEPE e o Sinpro-Rio anunciaram em suas redes a aprovação por ampla maioria da “Greve em defesa da vida” dos profissionais de Educação convocados para trabalho presencial em suas unidades. Com isso, afirma-se a defesa intransigente das vidas de todos os profissionais e de toda a comunidade escolar.

A greve em defesa da vida é um instrumento de luta e proteção dos mais vulneráveis, pois sabemos que é a população mais pobre a principal vítima do desmonte do SUS, da ausência de respiradores e leitos suficientes e de políticas públicas de assistência social. A greve em defesa da vida anuncia aos governos que os convocados para trabalho presencial não aceitarão morrer educadamente nas escolas em função do temor das punições de ordem funcional, pois a esses caberá o uso do direto constitucional de greve. Uma greve pautada em debates consistentes com entidades de saúde, educação, representação estudantil e de responsáveis para a formulação de uma pauta objetiva a um retorno seguro. Uma greve que escancara a impossibilidade de retorno presencial nesse momento, de acordo com a pauta de reivindicações dos profissionais de educação, pois se as unidades já não possuíam condições mínimas de salubridade antes, logicamente não as possuirão agora em pleno ápice da pandemia. Uma greve que desmascara os protocolos de retorno dos governos pois exige que os mesmos governos façam de imediato o que vêm deixando de fazer há muito tempo: investir na educação pública, em sua estrutura e na chamada e valorização de seus profissionais. Uma greve que pretende dialogar com mães, pais e demais responsáveis de alunos para que todos juntos protagonizem, à luz da ciência, o debate sobre educação na pandemia, discutindo a importância da vida e também as questões pedagógicas imbricaras nesse processo. Uma greve, por fim, que pretende mostrar o que deveria ser óbvio aos governos: ano letivo e conteúdos se recuperam. Vidas, não.

Que em todo o Brasil, os educadores através dos seus sindicatos, defendam a Greve pela Vida em todas as redes que tentem reabrir escolas no auge da pandemia, colocando criminosamente a economia acima da vida.

* Educadores(as),  da Coordenação da Educação da Resistência/PSOL RJ.

 

Notas:

(1) Dados do consórcio de veículos de imprensa formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, consolidados a partir das secretarias estaduais de Saúde.
(2) https://twitter.com/saudegovrj/status/1290049271694123008?s=21
(3) https://www.cnnbrasil.com.br/amp/nacional/2020/04/29/estudo-indica-que-brasil-tem-10-vezes-mais-casos-do-que-os-registrados