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BRASIL

Por que não é possível retornar às escolas em setembro?

Grupo Escola Pública e Democrática (GEPUD) e Rede Escola Pública e Universidade (REPU)
Wikimedia Commons

O ensino remoto na rede estadual paulista, realizado sem planejamento e participação das comunidades escolares, intensificou as desigualdades educacionais, produziu sobrecarga de trabalho aos/às profissionais da educação e provocou ansiedade e frustração entre os/as estudantes. 

Agora a SEDUC-SP quer retomar as aulas presenciais em setembro, repetindo a falta de planejamento anterior e desconsiderando a inadequação desse retorno frente à situação da pandemia no estado. 

O governo paulista vem flexibilizando o isolamento num momento em que o número de casos de COVID-19 no estado segue elevado (1), o contágio nas regiões periféricas aumenta e a testagem em massa como forma de prevenir a propagação do vírus continua ausente. A medida, embora agrade determinados setores do empresariado, põe em risco a vida da população trabalhadora pobre e negra que vive nas periferias das grandes cidades. 

Como parte das medidas de flexibilização, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) anunciou o retorno às aulas presenciais para o dia 8 de setembro de 2020. Isso se daria de forma gradativa, inicialmente com a presença de 35% dos/as estudantes nas escolas, em esquema de revezamento, e com a adoção de medidas sanitárias como espaçamento maior entre as carteiras, maior número de intervalos e higienização a cada troca de turno. 

As condições vivenciadas pelos/as profissionais da educação em seu cotidiano atestam que as medidas anunciadas até o momento são absolutamente insuficientes para garantir a segurança de estudantes, profissionais da educação e familiares no que se refere à propagação do novo coronavírus. 

Muitas escolas da rede pública estadual não têm espaço suficiente para comportar 35% dos estudantes com o necessário distanciamento, tanto nas salas de aula, quanto nos demais espaços dos prédios escolares. Não há equipes para garantir a adequada higienização e desinfecção das instalações. Cumpre dizer, aliás, que mesmo antes da pandemia já não havia um número suficiente de funcionários para garantir os serviços básicos necessários ao bom funcionamento das escolas. Com a pandemia, funcionários/as de limpeza com contratos terceirizados foram dispensados/as. Já faltava sabonete e papel higiênico nas escolas antes da pandemia, o que agora se soma à necessidade de grandes quantidades de desinfetante, álcool em gel e Equipamentos de Proteção Individual (EPI). A disponibilização de máscaras de proteção deve ir além do uso interno nas escolas, e abarcar o deslocamento dos/as estudantes, de forma que possam chegar até a escola com alguma segurança. 

Estas questões tão essenciais parecem não estar na pauta das medidas que a Seduc- SP vem anunciando para o retorno às aulas presenciais, o que nos leva a fazer algumas perguntas. Quem vai se responsabilizar pelo eventual aumento do contágio entre crianças, adolescentes e profissionais da educação, que levarão o vírus a seus familiares, gerando uma nova cadeia de propagação? Quem vai se responsabilizar quando ocorrerem as primeiras mortes? 

Além da infraestrutura insuficiente, o uso de máscaras de proteção, o hábito de higienizar as mãos com frequência e as mudanças de comportamento com relação ao contato físico são comportamentos que dependem da construção de práticas que, especialmente entre as crianças pequenas, é demorado e demanda atenção e cuidado permanentes por parte dos/as profissionais da educação. 

É sim responsabilidade dos governos apresentar propostas para o enfrentamento da pandemia em todos os aspectos da vida social, mas é fundamental que elas sejam planejadas e contemplem as medidas indispensáveis a um retorno seguro à convivência social. Se é verdade, como disse o Secretário da Educação, Rossieli Soares da Silva, que só teremos segurança total quando houver vacina contra o novo coronavírus, também é verdade que as medidas anunciadas até aqui para a educação estão muito aquém do necessário e do adequado. Não garantem recursos para a higienização e a desinfecção das instalações e nem preveem o reforço das equipes para a realização das tarefas exigidas por esta nova forma de funcionamento das escolas. 

É sabido que a utilização das plataformas digitais não garantiu o aprendizado, visto que as desigualdades sociais não desapareceram durante a pandemia e mais da metade dos/as estudantes simplesmente não acessaram o Centro de Mídias de São Paulo (CMSP). Contudo, o retorno às aulas presenciais sem o adequado planejamento e sem as devidas condições, ao contrário de qualquer garantia de aprendizagem, representa uma ameaça à vida nas comunidades escolares. 

A rede estadual de São Paulo precisa iniciar um planejamento com ampla participação das comunidades escolares e que tenha continuidade quando as escolas puderem voltar ao seu funcionamento normal. Isso permitirá, ao mesmo tempo, proteger a vida e evitar prejuízos à formação dos/as estudantes. A organização de um calendário escolar com essa finalidade, além disso, deve garantir as férias dos/as profissionais da educação, bem como o descanso semanal. 

Este é um momento oportuno para abandonar as medidas burocráticas de cumprimento do ano letivo e criar as condições necessárias a uma educação de qualidade. As condições de funcionamento das escolas e as políticas educacionais no estado de São Paulo, inclusive, já não contribuíam para a formação dos estudantes desde antes da pandemia, como atestam as avaliações externas e, principalmente, o comumente observado empobrecimento das experiências escolares. 

Por isso é que qualquer perspectiva de retorno às aulas precisa, com vistas a não contribuir para o aumento do índice geral de contaminação no estado, incluir protocolos sanitários robustos (2) e investimentos na infraestrutura dos prédios escolares e em recursos humanos.2 Sem um planejamento adequado dessas medidas estruturantes, não há garantia de segurança para o retorno das atividades presenciais nas escolas, sequer em um esquema de atendimento gradual, conforme anunciado. Antes, com o ensino remoto, o governo paulista colocou em risco o à educação de qualidade. Agora, com sua proposta de retorno às escolas, coloca em risco a vida de estudantes, trabalhadores/as da educação e famílias. 

Por isso dizemos não ao retorno às escolas em setembro, e defendemos: 

Planejamento e investimentos financeiros para garantir as condições necessárias ao funcionamento das escolas enquanto durar a pandemia; 

Testagem de toda a comunidade escolar e programa de rastreamento de contatos de casos identificados, com acompanhamento diário das condições de saúde de estudantes e trabalhadores/as da educação; 

Adequação dos prédios escolares para a melhoria da ventilação de salas de aulas e áreas de convivência; 

EPIs de boa qualidade e em quantidade suficiente para alunos e trabalhadores/as da educação; 

Diminuição do número de estudantes por classe, permitindo um distanciamento seguro; 

Desinfecção diária das instalações e higienização nos ambientes e materiais a cada período através do aumento do número de funcionários/as de limpeza; 

Reorganização de conteúdos e processos educativos, com ampla participação das comunidades escolares, para garantir o ano escolar de 2020 a todos/as independentemente do ano civil; 

Fim da exclusão e do aprofundamento das desigualdades educacionais provocados pelas atividades de ensino remoto; 

Garantia de espaços nas escolas para que os/as estudantes do 3o ano do Ensino Médio possam concluir o ano letivo em 2021.

 

NOTAS

1 – É esta a situação na semana de elaboração desta Nota (20 a 24 jul. 2020). Os dados estão amplamente disponíveis na imprensa. 

2 – Um estudo recente da Universidade de Granada indica que “colocar 20 crianças numa sala de aula implica em 808 contatos cruzados em dois dias”. El País Brasil, 17 jun. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-06-17/colocar-20-criancas-numa-sala-de-aula-implica-em- 808-contatos-cruzados-em-dois-dias-alerta-universidade.html. Acesso em: 22 jul. 2020.