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MOVIMENTO

Contribuição crítica para as lutas no serviço público municipal de Florianópolis

Coletivo Resistência Sindical e simpatizantes
Protesto em Florianópolis. Pessoas com cartazes e uma faixa no chão

Servidores Municipais contra o confisco da previdência, em 29/07.

Na perspectiva de qualificarmos a luta sindical do SINTRASEM neste e no próximo período, conectados com a realidade e atentos às demandas de nossa categoria, nós, militantes da Resistência e independentes simpatizantes da tese 5 apresentada no último congresso do Sintrasem, enquanto servidoras e servidores do município de Florianópolis, construímos coletivamente e ora apresentamos abaixo as seguintes análise e proposição.

O Brasil em meio ao caos

O atual governo federal é a maior representação do que de mais sujo existe na política brasileira. É o governo do ódio, do autoritarismo e da destruição. No entanto, esse governo, construído através de tantas mentiras e trapaças, está ameaçado e com seus dias contados. A cúpula de Bolsonaro e a sua “familícia” estão cada vez mais acuados, suas redes corruptas estão vindo à  tona, enquanto o país é deixado em situação de calamidade e de forte crise econômica, a troco de favorecer os de cima.

A crise do COVID-19 está instalada em nosso país, com milhares de cidades em alerta. Não temos informações reais e precisas a respeito dessa crise, pois o Ministério da Saúde omite informações, além de não termos à disposição a testagem em massa. A estimativa é que o quantitativo de contágio seja muito maior do que o divulgado. Estamos a mais de dois meses sem um ministro da saúde e a atual gestão está levando estados e municípios a situações de calamidade pela falta de insumos e de uma gestão coordenada da pasta para todo o território nacional.

Santa Catarina foi um dos primeiros estados a aderir à quarentena e às medidas preventivas, e Florianópolis também. Mas isso de nada adiantou, a partir do momento em que o governador Moisés flexibilizou todas essas medidas e permitiu a retomada de shoppings, comércios, parques, bares e restaurantes, além do transporte público, maior vetor de contaminação. Já em Florianópolis, o prefeito Gean Loureiro tomou medidas justas no início da pandemia, talvez ancorado na preocupação com sua imagem e já antecipando sua campanha eleitoral. No entanto isso não durou muito, pois em pouco tempo flexibilizou as medidas, permitindo a retomada de atividades do comércio, o funcionamento de bares e restaurantes, a ocupação de praias e parques e, no início de junho, ainda promoveu a retomada da circulação dos ônibus. Se já era difícil controlar a situação com medidas restritivas, com essa liberação os números da pandemia dispararam, e agora Santa Catarina tem sido campeã nos noticiários como estado com maior percentual de aumento de casos e mortes nas últimas semanas.

Bolsonaro segue jogando nas costas da população a responsabilidade pelo caos, glorificando um medicamento que sequer tem comprovação científica. Moisés, preocupado com seu impeachment, pouco tem feito enquanto política para auxiliar a população a de fato ter condições de permanecer em isolamento social. Gean segue na mesma linha, sem transparência na gestão, fazendo campanha com cestas básicas doadas pelo setor privado, mas não utilizando o dinheiro da alimentação escolar, fazendo da população refém de sua politicagem. Enfim, somos o segundo país com maior número de casos e mortes, o estado com o maior aumento de contágio, e nossa cidade caminha entre as que menos tem controle sobre a pandemia. Do outro lado temos a população forçada a se movimentar para garantir sua subsistência, mantendo a circulação e a propagação do vírus.

A crise dos governos juntamente com a pandemia intensificam a crise social e econômica de nosso país, colocando em risco toda a população, através de uma crise sanitária, esgotamento dos recursos naturais e desemprego em massa. Chegou a hora de derrotar os que estão ditando as regras do jogo. É preciso dar um basta e exigirmos melhores condições de educação, saúde e renda. Queremos viver dignamente, é direito de todos!

Para isso, um sindicato precisa estar além das pautas economicistas e locais. O Sintrasem, enquanto maior força política de atuação em Florianópolis, precisa estar articulado com a luta da classe trabalhadora em defesa da vida! Isso significa defender e construir o Fora Bolsonaro, bem como fortalecer a luta contra o governo Moisés, que a nível estadual segue a cartilha da retirada de direitos sociais.

Articulado às lutas, nacional e estadual, o Sintrasem se fortalece e se fortalecerá ainda mais para o enfrentamento ao governo Gean. A cidade de Florianópolis merece uma gestão municipal transparente, focada nas demandas de seus munícipes, em especial os que tanto precisam do serviço público. Não é o que acontece no atual governo que sucateia o serviço público, persegue quem se opõe a sua lógica autoritária, nega o diálogo com a categoria e está disponível para o empresariado de rapina da cidade. O Sintrasem é o maior instrumento de luta para enfrentar esse governo, por isso a defesa do sindicato é a base para avançarmos nessa luta.

A luta antirracista, antifascista e inclusiva

Na esteira  das mobilizações dos EUA, o contexto da necropolítica no Brasil e a necessária reação democrática ao governo Bolsonaro, abriu-se nos últimos dias uma importante movimentação em torno da luta antirracista e antifascista. O movimento gerou debate entre aqueles que ocupam o lugar dos 70% de insatisfeitos com o cenário político.

O nazi-fascismo, enquanto um projeto, gira em torno da aniquilação física de seus adversários políticos e da ideologia supremacista, que considera inferior as raças não brancas. Ou seja, não se trata apenas de uma “discordância de ideias”. O fascismo não tem dúvidas sobre quem são seus inimigos: todos aqueles e aquelas que estão entre a classe trabalhadora, mas, em especial, negros, comunistas, anarquistas, indígenas, feministas, estudantes, sem-terras, sem-tetos, sindicalistas, professores, artistas, LGBTs etc. Em resumo, todos os segmentos que estão no sentido oposto de sua ideologia de ódio e intolerância.

Aliado a morte momentânea de Covid, vemos o genocídio permanente nas favelas, que se desenha como um verdadeiro projeto de extermínio das vidas negras. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 100 pessoas assassinadas no país, setenta e cinco são negras. A proporção é a mesma entre pessoas mortas por violência e intervenções policiais. Em relação ao encarceramento, os dados disponíveis no Infopen² sobre a cor de pele, raça ou etnia, revelam que 67% dos encarcerados são negros, enquanto os brancos representam apenas 32%. Esses números revelam a herança escravocrata, colonizada e genocida do Brasil.

Nesse sentido, importa dizer que genocídio não é só sobre morte física. Para Abdias do Nascimento, genocídio é a “recusa do direito de existência a grupos humanos inteiros, pela exterminação de seus indivíduos, desintegração de suas instituições políticas, sociais, culturais, linguísticas e de seus sentimentos nacionais e religiosos”³. Por todos os lados, o projeto de “supremacia branca” do fascismo diz para nós, negros e negras, que nossas vidas não importam.

Do mesmo modo, o ódio aos povos originários indígenas, em nosso país, tem gerado o maior genocídio tanto racial quanto étnico no Brasil. Comunidades indígenas estão morrendo por Covid-19, trazida pelo garimpo ilegal, mas também a terra indígena está morrendo pelo garimpo e pelo desmatamento.

A pandemia abriu caminho para o fascismo que, na figura do atual governo federal, fortalece processos excludentes, raciais, étnicos, mas também físicos. Pessoas com deficiência têm sido segregadas em seu trabalho, no processo educativo, na dificuldade de locomoção. Não há quaisquer políticas de proteção a esse grupo que tanto sofre durante a pandemia. Pra piorar, crianças com deficiência não são consideradas no processo pedagógico remoto, devido ao ímpeto de grupos empresariais e organismos multilaterais que estão lucrando com a educação a partir de plataformas virtuais. Educadores e educadoras estão à deriva, sem a existência de uma política inclusiva de caráter emergencial para o combate à pandemia.

A luta das mulheres

Os movimentos de mulheres têm sido nos últimos anos ponta de lança nas mobilizações de rua, seja com o expressivo #ELENÃO e com os atos de 8 de março, seja nas mobilizações em defesa da educação. As lutas das mulheres estão entrelaçadas com as lutas em defesa dos serviços públicos, em especial por ocuparem majoritariamente os postos de trabalho nos setores da saúde, educação e assistência social. São vanguarda em diversos processos de luta em nosso país diante da destruição das condições de vida da classe trabalhadora gerada pela política do vale tudo neoliberal, e são elas que são as mais impactadas, juntamente com a população negra.

A construção social que divide ideologicamente o que é trabalho feminino e o que é trabalho masculino empurra a imensa maioria das mulheres para os trabalhos ditos reprodutivos, ou seja, aqueles trabalhos que tem função de reproduzir a força de trabalho que movimenta o mundo. Por consequência, historicamente, as mulheres empregam a sua força de trabalho nas áreas da saúde (enfermeiras, cuidadoras etc.), na educação (a básica principalmente), entre outras funções de cuidados. É por causa dessa mesma distinção que as mulheres cumprem duplas/triplas jornadas de trabalho, ou seja, cumprem uma jornada de trabalho remunerada e depois ao voltarem para suas casas cumprem uma jornada de trabalho de cuidados com a casa, cônjuge, filhas/os e parentes idosos.
Por isso consideramos importante ter um sindicato que seja aliado às lutas feministas que tomam o Brasil e o mundo. Além disso a compreensão de que atuamos em uma categoria majoritariamente feminina nos faz querer avançar na formação de lideranças femininas para o nosso sindicato. Muitas vezes, as mulheres são distanciadas da atividade política militante devido às múltiplas jornadas que enfrentam, sendo assim se faz necessário também um sindicato que pense e atue nessas questões para a garantia da maior participação das mulheres, tanto na direção sindical como nos espaços deliberativos e no protagonismo enquanto liderança nos locais de trabalho.

A luta em defesa da vida e do meio ambiente

Vivemos o período recente de maior destruição dos recursos naturais em todo o planeta, mas particularmente é em nosso país que essa situação se agrava a partir de um governo que incentiva o desmatamento e desrespeita a pouca legislação ambiental ainda em vigor.

O sucateamento e o aparelhamento de órgãos de controle como o Instituto Chico Mendes (ICMBio) e o Ibama são apenas a ponta do iceberg de um projeto de governo voltado unicamente para o agronegócio, financiado pelas bancadas da “bala” e do “boi”. Nessa perspectiva, a luta sindical precisa estar articulada em defesa desses e demais órgãos públicos, bem como é preciso fortalecer e incentivar politicamente iniciativas de preservação do meio ambiente.

O Sintrasem congrega em sua base trabalhadores com vasto conhecimento acerca do trato com os resíduos sólidos e cuidados com o meio ambiente. Os trabalhadores e trabalhadoras da COMCAP, FLORAM, biólogos e biólogas em várias secretarias, mas em especial no setor da educação, devem ser ouvidos, bem como incentivados a fazer frente na luta por uma sociedade que se coloque para além do capital, baseada numa economia de recursos para todos e em defesa da vida.

Programas agroecológicos, parcerias com movimentos como o MST, MPA, MAB entre outros podem auxiliar a base do Sintrasem e toda população de Florianópolis a não apenas qualificar a defesa ao meio ambiente, mas a politizar a questão na perspectiva classista, auxiliando na formação de uma educação ambiental histórico-crítica.

Formação política permanente para ação crítica e consciente

Nos encontros virtuais realizados por este grupo durante a pandemia, ficou latente em nosso coletivo o quanto se faz necessário uma formação política permanente em toda nossa categoria. Sem consciência de classe nossa luta é enfraquecida e o reflexo disso está nos vários exemplos conjunturais que vivemos, como servidores públicos defendendo o fim do serviço público, o gerencialismo tomando conta da administração pública e a lógica empresarial se sobrepondo à necessidade de servir à população.

Nesse ínterim, é preciso construir uma política de formação para toda a categoria, mas que se amplie para além de seminários ou encontros com os conselheiros. Um sindicato se fortalece na medida em que está de fato inserido em toda a base de sua categoria. Para exemplificar melhor esse entendimento vejamos: temos mais de 10 mil servidores e servidoras nos mais variados locais de trabalho vinculado às secretarias e autarquias, incluindo a COMCAP. Sem contar a COMCAP, temos cerca de 230 unidades de trabalho, considerado apenas o mapeamento que fizemos na Secretaria de Assistência Social, de Educação, Infraestrutura e Saúde. Apesar desse dado, nas reuniões do conselho deliberativo da PMF temos em média um pouco mais de 100 representantes dos locais participando, o que significa que grande parte da categoria não está representada no sindicato.

Há várias outras particularidades, como o conselho próprio da COMCAP, movimentos segregadores que teimam em tentar dividir nosso sindicato, com iniciativas setorizadas a exemplo da guarda municipal e de alguns pequenos segmentos da administração, mas a força sindical sempre ganha expressão quando ocupa as ruas, quando é a voz de sua base, quando não se limita à burocracia, mas a rompe em defesa de uma sociedade justa e igualitária.

Se é verdade que as unidades com representação sindical são as que concentram o maior quantitativo da categoria, é também verdade que, ao darmos prioridade apenas para esses locais de trabalho, pouco avançamos no sentido de fortalecer nosso próprio conselho deliberativo.

Defender uma formação política e sindical permanente é fazer jus ao estatuto de nosso sindicato. Mais que isso, é semear possibilidades de auto-organização de toda a classe trabalhadora, no estabelecimento dialético de relações humanas que permitam, por um lado, fortalecer as lideranças de representação sindical nos locais em que existem, com maior legitimidade entre seus pares locais; e, por outro, ampliar as possibilidades de auto-organização nos locais em que ainda não há representação.

A força material do sindicato, a partir de sua filiação, deve voltar-se para essa formação cotidiana, aproveitando os conselheiros e conselheiras para formações multiplicadoras, que ocorram nos locais de trabalho, por região, por temática específica a partir de demandas levantadas pela base, fortalecendo assim as mais variadas frentes de ação já apontadas neste documento.

Nesse sentido, consideramos que a vanguarda de nossa categoria, nos mais variados setores de atuação é altamente qualificada do ponto de vista do acúmulo político e nas várias lutas de nosso sindicato. A criação de espaços de socialização, considerando a contribuição desses setores para multiplicação das frentes de luta dos demais setores da PMF e COMCAP pode ser outro elemento que agregue na qualificação compartilhada e integrada permanentemente de nosso instrumento de luta sindical.

A construção da unidade sindical para o enfrentamento em tempos de incertezas e ascensão do fascismo

É consenso, entre as várias forças políticas que compõem a base do Sintrasem, que a eleição para direção do sindicato não pode ocorrer enquanto houver unidades de trabalho fechadas devido à pandemia.

Esse primeiro consenso poderia ser elemento para qualificarmos uma possível unidade sindical na perspectiva de fortalecer o sindicato, pois são muitas lideranças na base que têm condição de contribuir substancialmente na composição da direção.

A tese 5 apresentada no último congresso do Sintrasem já fazia o apontamento para construção de unidade das forças, considerando a militância de esquerda e o recorte classista para fortalecer a luta de toda a classe trabalhadora. A Resistência, enquanto organização política presente na base do Sintrasem, tem esse entendimento na perspectiva de combater o sectarismo presente muitas vezes nos momentos de decisão, como o pleito eleitoral.

Mas uma unidade entre campos organizados não é possível sem diálogo, sem análise de programas, sem considerar bandeiras de ação e de enfrentamento. É nesse espírito que nasceu o Coletivo Sindical e Popular TRAVESSIA. Esse coletivo, presente em vários setores da classe trabalhadora a nível nacional, é composto por quadros da Resistência, independentes e outras forças políticas, o que tem fortalecido muito várias frentes de luta sindical e popular.

A Resistência na base do Sintrasem se coloca nessa mesma perspectiva: não de ser a “dona da verdade” ou de resolver os problemas através de falsos heroísmos ou personalismos. Ao contrário, entendemos que a força do nosso coletivo se comprova na medida em que conseguimos ouvir e dialogar com os campos organizados de esquerda, nos colocando de forma aberta e transparente para construção de unidade. Um exemplo disso é que desde o início deste ano temos dialogado com as forças que compõem nossa base e há muitas possibilidades de unidade que se desenham em cenários futuros. Contudo, há diferenças entre as próprias forças que têm nos obrigado a tomar posição a favor de um ou outro campo, dificultando uma unidade mais ampliada e fortalecida. Diante desse cenário, nosso coletivo tem buscado dar mais ouvido à base de nossa categoria, o que nos levou a construção desta análise bem como refletiu o ponto necessário que ainda precisamos avançar: na capacidade de nos ouvir, sem nos distanciar, de lidar com as diferenças democraticamente, mas sem dissuasão e sectarismo. De construir um programa e uma unidade sindical de esquerda, sem esquerdismo. De entender que o momento é de destruição das forças produtivas, por isso a unidade da esquerda é imprescindível para resistir.

É necessário realizarmos com garra, esperança e unidade a travessia desse período, certos de que processos revolucionários são sementes a serem semeadas permanentemente, mas que na atual conjuntura será o fruto da vanguarda unida que terá alguma chance de resistir aos limites civilizatórios do capital, bem como vislumbrar um futuro de esperança, de justiça, de liberdade, para toda classe trabalhadora.