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BRASIL

PBio: mais uma privatização problemática

A Petrobrás não pode criar uma subsidiária com o objetivo único e exclusivo de venda, buscando, através desse mecanismo, se furtar de seguir a lei das estatais

Natália Russo*, do Rio de Janeiro, e Eric Gil Dantas**, de Curitiba

A Petrobrás anunciou há poucos dias, a partir de um teaser de oferta, a intenção de venda da sua subsidiária Petrobrás Biocombustível (PBio), empresa especializada em produção de biocombustíveis. A PBio é a sexta maior produtora de biodiesel do país, com 5,5% do market share nacional e possui três usinas: Montes Claros (MG), Candeias (BA) e Quixadá (CE), esta última em hibernação. O objetivo, segundo o teaser, é a venda integral da PBio, mas não inclusa as participações na BSBios (que a Petrobrás tem 50%), maior produtora de biodiesel do país, e na Bambui Bioenergia (participação de 8,4%) – que serão vendidas separadamente, antes mesmo da PBio, segundo informações da própria empresa.

Esta nova privatização ocorre na esteira da estratégia de fatiar estatais para poder privatizar sem passar pelo Congresso e também como parte da estratégia de transformar a Petrobras em uma produtora exclusiva do pré-sal (ou de parte do pré-sal).

A PBio é uma empresa estratégia no que se refere à diversificação produtiva da Petrobrás e na transição energética, pois produz energia por outros meios que não a de origem fóssil. As plantas das usinas da PBio produzem biodiesel a partir de óleo de soja, algodão, palma, gordura animal e óleos residuais. A capacidade produtiva destas plantas cresceu em 21,4%, entre 2016 e 2019, chegando à capacidade instalada de 580 mil m³/ano de biodiesel. Este aumento foi importante, pois o Brasil é o 3º maior produtor de biodiesel no mundo, atrás apenas da Indonésia e dos EUA. Além disto, o consumo no país é também um dos maiores do mundo, e subirá por conta da aprovação do aumento da mistura de biodiesel pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), índice este que sairá de 12% em 2020 para 15% em 2023, aumentando em 25% a demanda.

Além disto, a PBio é uma empresa lucrativa. Em 2019 e 2018, a empresa apresentou lucros líquidos de R$ 243,5 milhões e R$ 179,7 milhões, respectivamente [1].

Mas o que mais chama a atenção é que o teaser sequer faz referência aos créditos tributários decorrentes do prejuízo fiscal do imposto de renda e da base negativa da contribuição social, que, segundo o último demonstrativo da empresa (1º trimestre de 2020), ficou em R$ 2,33 bilhões. Este crédito advém do fato de que, quando a empresa tem prejuízo, e paga mesmo assim tributos que estão relacionados ao seu lucro (como os casos do IRPJ e da CSLL), posteriormente isto poderá ser deduzido do tributo pago pela empresa, mas limitado a 30% do lucro do exercício. Em 2018 e 2019, por exemplo, a PBio deduziu R$ 8,36 milhões do que teria que pagar ao Estado, mas – como vimos – ainda resta um crédito bilionário.

É ainda mais grave que conforme já denunciado nas ações populares da FNP, e agora reforçado em pedido nos no Senado e na Câmara Federal, nesta a última semana, a Petrobrás incorre em desvio de finalidade, assim como em relação às vendas das refinarias. A Petrobrás não pode criar uma subsidiária com o objetivo único e exclusivo de venda, buscando, através desse mecanismo, se furtar de seguir a lei das estatais e seguir o processo licitatório legal. Isso é burlar o Judiciário. Até novembro de 2019 as usinas eram da holding Petrobras, e não da PBIO. Portanto, não poderiam ser alienadas sem um processo amplo, debatendo com a sociedade, com autorização legislativa e processo licitatório. A mudança ocorre apenas com o objetivo da venda da PBIO, o que é uma afronta à lei do Petróleo no que concerne à finalidade da transformação em subsidiária.

Desta forma, sob pena de prejuízo ao patrimônio público e de ofensa aos princípios básicos de venda de uma empresa pública, como a busca do melhor preço, a publicidade e a transparência, a venda da PBIO nesse formato de teaser deve ser cancelada. Também é necessário alertar possíveis compradores para que não aleguem desconhecimento de estarem participando de um negócio altamente questionável judicialmente. A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e o Sindipetro- RJ informaram que tomarão todas as providências jurídicas e políticas para que os princípios da administração pública sejam respeitados.

*Natália Russo é diretora do Sindipetro-RJ e da FNP. ** Eric Gil Dantas é economista do Ibeps.

NOTAS

[1] Todos os dados sobre 2018, 2019 e 2020 da PBio foram retirados dos demonstrativos disponíveis em: < https://petrobras.com.br/pt/quem-somos/outras-empresas-controladas-do-sistema-petrobras/>.

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