É necessário reconhecer e lembrar que desde o ano 2016, quando surgimos como LUCHAS, temos feito declarações, documentos e utilizado outros tipos de instrumentos de expressão para fazer apelos ao presidente Maduro e a seu governo, solicitando que atendam e deem respostas às várias reivindicações dos trabalhadores e do povo em geral.
Nós temos feito isso por meio dos sindicatos e federações de trabalhadores aos quais estamos vinculados e instruímos e sugerimos o uso dessa via, a de chamar a atenção do presidente e do governo em quem votamos, pelo qual nos arriscamos nas ruas e, por estarmos com ele, alguns fomos demitidos do emprego, perdemos relação com familiares e amigos. No entanto, todas essas solicitações e orientações foram em vão.
Nem as organizações sindicais nem nós fomos atentidos em nossos apelos. Como resultado dessa política de surdez e prepotência, hoje temos casos como o do setor automotivo e de autopeças, cujos companheiros representantes dos trabalhadores se cansaram de fazer chamados e ir a encontros, reuniões, mesas de trabalho para a reativação do setor, sem que nenhuma das recomendações feitas por eles tivessem sido implementadas, resultando que o setor se quebrou, deixando milhares de trabalhadores desempregados, em consequência do fechamento ou quase paralisação total das empresas.
Nós nunca esperamos que um estado e um governo, por mais revolucionários e claros que sejam, não tivessem desacertos e equívocos, erros humanos e de natureza política, como a experiência histórica mundial demonstra, mas é revolucionário reconhecê-los e corrigí-los a tempo.
Não vamos dar exemplos e casos de fora, mas deste próprio processo bolivariano: durante a adminsitração de Chávez, em 2008, os trabalhadores da SIDOR, que já levavam 2 anos lutando pela assinatura de sua convenção coletiva, em um determinado dia de sua jornada de mobilizações foram selvagemente reprimidos pelo governo do estado Bolívar. Ao meio-dia de um dia de abril, em uma operação parecida a de uma de tipo fascista, todos os trabalhadores que estavam vestidos de azul ou com uniformes das empresas da CVG (NT: Corporação Venezuelana de Guayana, que centraliza as indústrias de base dessa região, entre as quais a Siderúrgica del Orinoco – SIDOR -, além dos recursos florestais, minerais e geração de eletricidade) foram retirados dos ônibus, detidos e maltratados pelo corpo policial.
Essa repressão causou um mal-estar generalizado em Guayana e em todo o estado Bolívar. A simpatia pelo governo de Chávez caiu estrepitosamente. Ocorreu a alguns de nós tomar a iniciativa de conversar sobre a situação com vários dirigentes nacionais, aos quais se pediu que levassem o problema para Chávez. Depois de alguns dias, ao a empresa insistir em sua posição intransigente, Chávez se colocou ao lado dos trabalhadores e reestatizou a SIDOR, que então pertencia ao grupo Techint, com sede na Argentina e muito ligada aos Kirchner, com quem o Comandante tinha vínculos. (NT: SIDOR era estatal e tinha sido privatizada durante o governo de Rafael Caldera, anterior ao de Chávez). Ou seja, Chávez corrigiu graves erros e reverteu políticas equivocadas com respostas de grande peso, e com possíveis custos altos. Há outros exemplos como este durante seu governo.
Fazendo esses balanços, veem-nos à memória que os últimos chamados de atenção que o próprio Chávez fez, e dos quais nos cansamos de relembrar ao atual governo, tampouco são levados em conta por este: aí estão as propostas feitas por Chávez, em outubro de 2012, conhecidas como o Conselho de Ministros do “Golpe de Timão”, que até o momento não foram implementadas. Se tivessem sido levadas em conta, temos certeza de que muitas das reclamações contidas no “Ontem à noite sonhei” não teriam sido levantadas.
Pelo menos, o “Ontem à noite sonhei que vivíamos em um país no qual decidimos retomar a luta por um socialismo anticapitalista…”, se se tivesse implementado o Estado Comunal, não haveria razões para ser reclamado agora; o “Ontem à noite sonhei que estávamos em festa porque foram abertas as comportas do pensamento crítico…”, menos ainda. Chávez se cansou, em várias oportunidades, de chamar a atenção de seus funcionários e do PSUV sobre o respeito às posições diferentes e às críticas.
Sim, é lamentável, mas é inevitável que toda essa história saia, e com essas odiosas comparações, nesta conjuntura, quando estamos frente a ameaçantes navios das forças armadas dos Estados Unidos em nossa costa, o que não é uma ameaça qualquer. Mas, para enfrentar e derrotar tanto esse perigo como o próprio bloqueio, as melhores ações deveriam ter sido: implementar “medidas anticapitalistas”, tal como refletidas no artigo “Ontem à noite sonhei”, ou outras também recomendadas aí. A melhor resposta aos banqueiros que estão expropriando os bens que o país tem no exterior é “não pagar a dívida externa, por ser imoral”.
E, não porque estejamos fazendo apologia do “Ontem à noite sonhei”, é uma vergonha que haja operários e dirigentes comunais presos, apenas pelo delito de opinar e reclamar com plena razão. Nestas últimas semanas, ocorreram esses absurdos até contra companheiros do PPT e do PCV, e tivemos de fazer campanhas de denúncias públicas contra essas detenções arbitrárias de dirigentes humildes de suas organizações. Não existe nada mais distante da essência da proposta do Socialismo do Século XXI do que “fechar meios de comunicação e prender opinador de oposição”. Além do mais, concordamos que “a estratégia – deveria ser- é educar o povo com pensamento crítico, para que este saiba colocar-se criticamente diante das opiniões adversas, mas também diante das mentiras de qualquer burocrata”. Chávez acrescentou a sua proposta de socialismo o sobrenome Século XXI, porque queria desligá-la dos absurdos que muitos governos do século passado, supostamente “socialistas”, fizeram, ao fazerem dessas práticas repressivas e antidemocráticas seu selo de identidade.
Será que Nicolás, o governo e o PSUV acham que estão fazendo tudo extremamente bem e que não existe nada a retificar? Pensam que o conteúdo do artigo e deste editoral são bobagens de magoados, inconformados e ressentidos? Será que acreditam que já têm como certo que obterão a maioria nas eleições parlamentares? Sim, é verdade que a oposição está super mal, o que é bem merecido e o que deveríamos aproveitar, mas não creiam o governo, o PSUV e Maduro que, por essa razão, eles estão super bem.
Esse nosso processo bolivariano, pelo qual temos arriscado nossas vidas durante mais de 20 anos, não apenas está ameaçado pelos capitalistas e governos pró imperialistas do mundo, mas também estamos desprotegidos, golpeados e desencantados pelas ações de muitos funcionários do governo e do Estado. Isso termina sendo mais perigoso e até mortal, se observamos as experiências históricas.
Então, Nicolás, estamos em uma disjuntiva e nós lutaremos para que se tomem, de verdade, medidas revolucionárias e socialistas. Mas, por enquanto, de sua parte, não as vemos. Estamos à espera do Golpe de Timão.
Nós seguiremos em nosso caminho, fazendo-o no caminhar e junto aos trabalhadores, camponeses e o povo pobre, aproximando-nos da juventude e das mulheres que continuam sendo a vanguarda do processo bolivariano. Como sempre, seguiremos pela mesma trilha de denunciar e enfrentar os exploradores, especuladores e capitalistas, sejam banqueiros, industriais ou comerciantes. Mas não deixaremos de combater, arriscando o que seja, a burocracia e a corrupção, seja civil ou militar.
Nota: recomendamos encarecidamente que leiam o artigo “Ontem à noite sonhei” e o documento “O Golpe de Timão”, cujos links se encontram aqui:
http://otrasvoceseneducacion.org/archivos/354726
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