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EDITORIAL

25 de julho: nos queremos vivas

Editoral 25 de julho

Vinte e cinco de julho é o dia latino-americano e caribenho da Mulher Negra. No Brasil, desde 2014, nessa data se comemora também o Dia Nacional Tereza de Benguela.

Tereza, a rainha, viveu no século XVIII no Vale do Guaporé, no atual estado de Mato Grosso. Fez jus à linhagem de mulheres negras que protagonizaram a luta pela liberdade no período da escravização. Teresa de Benguela liderou o Quilombo de Quariterê, que resistiu da década de 1730 ao final do século e era reconhecido por abrigar negros e indígenas, relembrando a necessária relação de irmandade entre o povo negro e indígena no Brasil.

Mas qual a importância de um dia específico para as mulheres negras? A resposta se encontra na permanente exclusão delas do acesso à sobrevivência digna no Brasil e em todas partes do mundo. Mas ao falarmos sobre essas mulheres, nos referimos também a uma potência histórica na organização da resistência social e na resiliência do povo brasileiro, que conformam um expressivo arcabouço de estratégias políticas na luta pela vida da maioria da população em nosso país.

Nem tiro, nem Covid: corpos negros vivos

A crise sanitária, econômica e social, de dimensão histórica, deixa nítida a permanente necessidade de luta pela humanização e pelo direito à respirar de negros e negras, que no caso do Brasil, constituem a maioria da população.

Vivemos a disseminação de um vírus letal. Segundo as organizações científicas e a OMS, a forma mais eficaz de conter o avanço da  covid-19 é o isolamento social e a testagem em massa.

No cenário nacional, fruto de um sistema capitalista baseado na brutal desigualdade de classe e organizado em bases racistas, machistas e lgbtfóbicas, a população negra vem sendo impossibilitada de se proteger do contágio. Isso decorre tanto da perversa lógica neoliberal de sucateamento do que é público, em especial na saúde, quanto da falta de uma política de renda digna que dê condições econômicas para o isolamento social. Tudo isso é realizado de maneira consciente pelo governo Bolsonaro, que desde o princípio teve uma postura negacionista e genocida.

Em cidades como São Paulo, vivemos duas pandemias, se analisarmos por uma ótica racial. Em média, uma pessoa negra tem 4,5 vezes mais chances de se contaminar, segundo dados referentes a regiões da cidade. Por exemplo, quando se compara os números de bairros ricos, como Moema, com os dos bairros periféricos, como Cidade Tiradentes. Como se já não fosse bastante, mesmo os que puderam ficar em casa, ficaram expostos à letalidade policial que bateu recordes, aumentando 100% no estado do Ceará, 42% no do Rio de Janeiro, e 34% na cidade de São Paulo, ceifando a vida de João Pedro, Guilherme e tantos outros.

A mucama e a lógica colonial da emprega doméstica

As mulheres negras foram as primeiras a irem a óbito no país, vítimas da covid-19. Qual a condição delas? Empregadas domésticas invisibilizadas na sua condição de trabalhadoras com direitos. Vejamos, cerca de 40% das empregadas domésticas não tiveram direito ao isolamento social. Mirtes, mãe do menino Miguel na cidade de Recife, conheceu a dor diante da ação negligente de sua patroa com relação ao seu filho, que lhe tirou a vida. Uma situação que facilmente remete aos tempos da Colônia, em que corpos negros eram mercadoria e nossa condição animalizadas.

Lélia González, mulher negra ativista e intelectual, ao analisar as relações raciais no Brasil, já apontava a relação intrínseca entre a imagem da empregada doméstica e a imagem colonial da mucama. “Quanto à doméstica, ela nada mais é do que a mucama permitida” (González, 1984). A partir desse lugar de subserviência, mulheres negras até hoje são expostas a altos índices de violências, físicas, psicológicas e materiais, como a falta de acesso a direitos trabalhistas. A ideia de que a empregada doméstica não se configura como uma trabalhadora com direitos na legislação e no imaginário racista brasileiro está tendo a sua prova mais cabal durante esses meses de pandemia. 

Por nós, por todas nós: vidas negras e indígenas importam

Marielles, Dandaras, Lélias, Aqualtunes, Elzas, tantas outras. Mulheres negras diversas, que se unificam na luta anti-sistêmica antes da abolição e, agora, por direitos, na luta pelo poder e contra as estruturas racistas que condicionam nossa vida na sociedade capitalista.

A organização de mulheres negras quilombolas, diante da defesa do território, é uma luta que se encontra com as das mulheres indígenas que protagonizaram a 1ª Marcha das mulheres indígenas em Brasília, em 2019. Lutas de território que são mobilizações de corpos marcados pela racialização, que reivindicam seu direito à vida e à produção.

Diante da informalidade crescente, trabalhadoras de aplicativos estão na luta por direitos. Mulheres negras também são as lideranças de movimentos como #BlackLivesMatter, nos EUA, que se configurou como o maior protesto de rua da história daquele país.

Assim como no 8 de março, o propósito dessa data, o 25 de julho, é organizar e fortalecer a luta. Os fatos acima não servem para romantizar a dor que é sobreviver em um sistema marcadamente sexista, racista, transfóbico, que engendra a lógica do capital e produz um verdadeiro genocídio. Ao contrário, a visibilidade necessária ao protagonismo das mulheres negras é para referendar que essas mulheres de cor, ao mesmo tempo em que são alvo de tantos ataques, são também produtoras de saídas de resistência e organização política. Foi assim durante os últimos quatro meses. Diante do desemprego, da fome e da covid-19 em nossos país, organizaram-se ações de solidariedade que vem garantindo a vida a milhares de famílias no país.

Mulheres negras ao centro! Elas estão na base da pirâmide e cada demonstração de força delas indica que essa condição só pode ser subvertida desestruturando todo o sistema. Portanto, elas se orgulham de cada lugar que galgaram, fruto de ações afirmativas e de reconhecimento, mas que não bastam num sistema que não se utiliza do racismo de maneira ocasional e sim tem isso como condição para sua reprodução.

Portanto, a história das mulheres negras também indica que representatividade importa para dar voz às demandas de uma parcela tão importante da classe trabalhadora brasileira, mas que representatividade não é igual ao poder político necessário para a maioria social da qual fazem parte. Portanto, mulheres negras estão em pé, vivas, dizendo que sua vidas e a vida de seus filhos importam!

 

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