Frantz Fanon: nascia há 95 anos o médico psiquiatra e filósofo marxista anti-colonial

Fanon nasceu em 20 de julho de 1925, em Fort-de-France, na Martinica

Breno Nascimento

Oriundo de uma extensa família com oito pessoas e parte das classes médias da pequena colônia francesa, aprenderia, desde a infância, que os habitantes da ilha também eram franceses. Ele irá se alistar em 1943, aos 18 anos, no exército de libertação francês, comandado por De Gaule, na intenção de combater o nazismo. No serviço militar, terá o seu primeiro contato com a Argélia, onde observará a existência da hierarquia colonial de modo aberto. Quando ferido, é dispensado do serviço militar e retorna a Martinica já influenciado pelas ideias de intelectuais do movimento negritude, como Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire, participando da campanha deste último, pelo Partido Comunista Francês, a deputado pela Martinica, em 1945.

Pelos seus serviços militares receberia uma bolsa de estudos e cursaria medicina, com especialização em psiquiatra na metrópole francesa. Na França, descobrirá que, diferente do que lhe era ensinado, os martinicanos não eram considerados franceses pelos brancos, sendo que um evento marcará seu autorreconhecimento enquanto negro periférico quando uma criança diz à sua mãe, ao observá-lo na rua, que estava com medo daquele negro. Durante o curso de medicina, aproveita para expandir seus conhecimentos em outras áreas do saber, frequentando aulas do filósofo Merleau-Ponty, se aproxima do existencialismo de Sartre e Simone de Beauvoir, estuda a psicanálise de Freud, a filosofia de Hegel e Marx e o pensamento político de Lênin, sendo também influenciado pelos revolucionários Mao Tsé-Tung e Ho Chi Minh. Porém, Fanon, além possuir múltiplas influências também influenciaria uma gama de intelectuais e movimentos políticos, sendo leitura obrigatória no Partido dos Panteras Negras nos Estados Unidos e no Brasil formaria parte do pensamento de grandes nomes, como Lélia Gonzalez, Paulo Freire e Florestan Fernandes.

Munido de extenso ferramental teórico, Fanon irá apresentar seu TCC em psiquiatria, com estudos sobre as implicações objetivas e subjetivas do racismo, intitulava-se “Ensaio sobre a alienação do Negro”. Entretanto, seu orientador irá negar o trabalho por falta de objetividade e seu caráter apaixonado, sendo que Fanon será obrigado a escrever um novo trabalho de conclusão de curso para ser aprovado. Já formado, irá, no ano seguinte, em 1952, publicar seu TCC original com um novo título, tratava-se simplesmente de “Pele Negra, Máscaras brancas”, um dos maiores clássicos do pensamento antirracista e anti-colonial de toda a história. Neste mesmo ano, conheceria em seu estágio, no hospital Saint-Alban, o psiquiatra e psicanalista trotskista veterano da guerra civil espanhola e diretor desse hospital, François Tosquelles, que havia se notabilizado por um reforma humanizadora do ambiente psiquiátrico, tornando-se mais uma de suas referências.

Em 1953, Fanon irá  se tornar médico-chefe no hospital psiquiátrico de Blida-joinville, na Argélia, onde será um dos precursores do movimento anti-manicomial, questionando o caráter prisional dos hospitais psiquiátricos e desafiando a concepção dominante da psiquiatria francesa, que considerava os nativos das colônias como indolentes. Irá valorizar a cultura local árabe e berbere nos tratamentos e afirmará o caráter ativo do colonialismo na conformação das patologias da psique dos colonizados.

Em 1954, surgirá a Frente de Libertação Nacional argelina (FLN) amplamente influenciada pela vitória vietnamita contra o colonialismo francês na lendária batalha de Diem Bien Phu. Paralelamente, Fanon chegará à conclusão, mediante sua prática clínica, do erro de se curar os pacientes e realocá-los em uma sociedade doente marcada pelo racismo e o classismo. Era necessário ir à raiz do problema e não apenas remediá-lo, por isso era necessário superar a sociedade capitalista e colonial para superar os problemas por ela ocasionados. Então, ele se demite da direção do hospital de Blida-joinville, em 1956, e é expulso da Argélia. Exilado na Tunísia, irá aderir à guerrilha da FLN e renunciará à nacionalidade francesa, adotando o nome árabe Ibrahim Omar Fanon. Se tornará, ainda,, um grande publicista no jornal do partido El Moudjahid, inicialmente tratando de temas sobre tortura na guerra de libertação, usando, para isso, sua experiência prévia com casos tratados em Blida-joinville, mas logo versará sobre os mais diversos temas de cultura e política anti-colonial. Logo se tornará um dos mais destacados representantes internacionais da FLN, sendo delegado do partido no Congresso Pan-africanista de Acra em 1959. Irá neste mesmo ano publicar seu segundo livro “O ano 5 da Revolução Argelina” (também conhecido como Sociologia de uma Revolução), tratando dos avanços e reveses do processo revolucionário e de suas contradições e possibilidades. Por essa época irá polemizar contra Senghor, que definia o negro como ligado à esfera da emoção em contraposição ao branco que estaria ligado à racionalidade destrutiva, defendendo o resgate das tradições pré-coloniais. Para Fanon esta caracterização do problema racial levava à perpetuação da dicotomia entre negros e brancos produto típico do colonialismo. Além disso, afirmará que o resgate das tradições deveria ser feito de maneira crítica, negando qualquer definição essencialista de cultura, embora fosse um elemento importante de resistência. Fanon não defendia uma sociedade com igualdade entre brancos e negros, mas sim uma sociedade onde as categorias sociais negro e branco já não existissem, ou seja, uma sociedade que superou as classes e as raças, o comunismo. Para ele o pensamento dicotômico de Senghor impedia o negro de desenvolver todas as suas potencialidades, o negro pode e deve gozar de emoções e cultura e também ser intelectual racional, não há contradição entre as esferas, mas complementaridade.

Desde sua adesão à FLN, Fanon será perseguido pela polícia secreta francesa, se deslocando por diversos países norte-africanos como Marrocos e Tunísia. Se em sua juventude se juntara às tropas metropolitanas para combater o fascismo, logo perceberá o caráter fascista do próprio colonialismo francês. De Gaule, à quem havia apoiado contra os nazistas, agora reprimia a revolta argelina além de ter anistiado várias figuras do regime colaboracionista fascista de Vichy. Milhares de militares franceses de Vichy seriam remanejados para reprimir com técnicas de tortura nazistas a revolução vietnamita, e uma vez derrotados seriam novamente remanejados para a repressão da revolução argelina. Lutando contra a liberdade argelina os franceses seriam responsáveis por 400 mil mortes numa população de 9 milhões de pessoas, além de construírem campos de concentração pelos quais passaram 2 milhões de argelinos. Derrotados novamente na Argélia em 1962 os militares fascistas franceses seriam responsáveis pela maior escola de tortura da história ensinando os mais horríveis métodos de torturas nazi-coloniais aos regimes ditatoriais militares da América Latina nas décadas de 1960 e 1970.

Em 1960, Fanon seria diagnosticado com leucemia em estado agudo, tendo apenas alguns meses de vida pela frente. Pôs-se então a escrever uma síntese de seu pensamento anti-colonial, pan-africanista, terceiro-mundista, socialista e antirrascista. Esforço do qual resultaria o clássico livro Os Condenados da Terra. Fortemente influenciado pelas ideias de Mao Tsé-Tung destacará outros sujeitos sociais revolucionários além do proletariado urbano-industrial, defendendo abertamente o uso da violência por parte dos oprimidos em sua autodefesa.  Em 1961 combina um encontro para debate com seu admirado Sartre, que interrompe seus trabalhos para encontrar o já debilitado Fanon em Roma por três dias. Sartre havia se aproximado do movimento anti-colonial nos últimos anos, sendo solidário à revolução cubana e denunciando o recente golpe contra Patrice Lumumba no Congo, escrevendo também na revista Presença Africana ligada ao movimento negritude. Sabendo da extensão de sua fama Sartre aceita prefaciar, afim de melhor divulgar, a obra final de Fanon, que este consegue terminar pouco antes de morrer. O fato de muito da fama do livro estar ligado ao prefácio de Sartre demonstra a extensão do racismo de nossa sociedade, na qual uma obra de um genial pensador negro precisa ser legitimada por um outro pensador branco para ser considerada. Em 1961, após passar por tratamento em Moscou na União Soviética e em Bethesda nos Estados irá morrer nesta última cidade aos 36 anos em 6 de dezembro de 1961, sem ver a independência de sua amada Argélia que ocorreria meses depois em 5 de julho de 1962.

Fanon considerava que o  maior grau de independência de uma nação liberta do colonialismo dependia de sua proximidade do socialismo, dado o colaboracionismo das burguesia nacionais dos países subdesenvolvidos com o imperialismo. Nos anos que seguiram à independência argelina as tendências nacionalista socialista e nacionalista estrita se digladiaram até que está última se impôs travando a revolução. Em 1964, sua viúva, Marie-Josèphe Dublé, publicaria uma coletânea de textos políticos de Fanon no livro intitulado Em defesa da Revolução África. Porém, a totalidade de sua obra com os 4 livros citados mais os seus escritos psiquiátricos, outros tantos escritos políticos, e algumas peças de teatro seria lançado na França e Estados Unidos apenas entre 2011 e 2018.

É urgente o resgate do pensamento socialista antirracista e anti-colonial de Fanon, que pode nos ajudar em muitos combates da atualidade como na luta contra o racismo estrutural e suas consequências patológicas na subjetividade negra, contra o fascismo militar de bolsonaro e contra a regressão neo-colonial do Brasil, colocado de joelhos perante os Estados Unidos de Trump.

 

Abaixo o racismo e o colonialismo!

Por uma nova sociedade sem capitalismo e sem manicômios!