Ademais dos muitos temas possíveis de serem abordados acerca do período da Segunda Guerra Mundial, relacionado aos regimes nazifascistas, a perseguição contra pessoas LGBTI+, bem como as implicações da repressão sexual, é um dos temas que compõe os horrores do fascismo e, por conseguinte, desse período histórico. Reunimos três elementos sobre o tema.
1 – O nazifascismo perseguiu, prendeu e matou homossexuais
Assim como judeus e ciganos, os homossexuais foram torturados e mortos em campos de concentração nazistas. Estima-se que até 40 mil homossexuais tenham sido vítimas da restrição de liberdade, do trabalho forçado, além de serem submetidos a vários tipos de torturas, sob a forma de “experimentos médicos”, visando a pretensa “cura gay”. Alguns afirmam que cerca de 50% das pessoas homossexuais feitas prisioneiras pelo nazismo tenham morrido em decorrência das violências cometidas. Alguns estudos questionam que esses números ainda sejam subestimados, considerando a ausência de dados e a sua sistematização. Podem ter sido muitos mais.
O horror dessa violência – considerando concentração e intensidade dos eventos em um curto período de tempo – só pode ser comparado ao processo conhecido por “caça às bruxas”, ocorrido durante a Alta Idade Média, onde também foram perseguidos, sequestrados, torturados e mortos muitos homossexuais masculinos, lésbicas e travestis, o que serviu ao nascente modo de produção capitalista, para a sua acumulação primitiva.
As práticas para a dita “cura gay” nos campos de concentração nazistas incluíam, em homens gays, a castração e injeção de hormônios masculinos e a destinação para os trabalhos forçados mais exaustivos, como fabricação subterrânea de foguetes e a atuação nas pedreiras. A lógica era o “extermínio pelo trabalho”. Outra forma adotada foi a instalação de casas de prostituição feminina nos campos de trabalho forçado, para as quais homossexuais masculinos eram obrigados a fazer visitas e terem relações sexuais com mulheres.
Alguns trabalhos de pesquisa contam, ainda, que nos campos de concentração era comum o tratamento diferenciado entres os cativos. Homossexuais homens e mulheres eram vítimas constantes de violências cometidas por outros prisioneiros, ocasionando muitas mortes. Um requinte de crueldade, dada à situação já tão humilhante. Lembramos que ideias homofóbicas, lesbofóbicas e transfóbicas já integravam as ideologias dominantes nesse período. E, dessa forma, também se expressavam nas relações entre os diversos grupos feitos prisioneiros.
E o horror da perseguição contra homossexuais não foi uma exclusividade do regime nazista na Alemanha. Na Itália fascista também houve perseguições e violências contra homossexuais. Na perspectiva de erradicar a homossexualidade entre os italianos, o regime autoritário, sob o comendo de Benito Mussolini, perseguiu os homossexuais e, ao final da década de 1930, impôs o exílio interno. O episódio mais conhecido ocorreu na ilha de San Domino, em Tremitis, no Mar Adriático. Nessa ilha, homossexuais de toda a Itália foram feitos prisioneiros sob forte restrição de mobilidade e recorrentes casos de humilhação e outras formas de violência. Em outras ilhas, alguns homossexuais também foram feitos cativos, mas junto de outros prisioneiros perseguidos pelo regime, por outros motivos políticos.
2 – Houve profundo impacto para o desenvolvimento do movimento LGBTI+
A homossexualidade, a travestilidade e a transgeneridade estiveram presentes ao longo de toda a história da humanidade. Já o movimento social que veio a dar origem ao que chamamos contemporaneamente de movimento LGBTI+ tem a sua gênese na segunda metade do século XIX. Sabemos que um dos primeiros registros da atividade política homossexual data de 1869, quando, expressando uma nascente discussão homossexual na sociedade, um médico húngaro chamado Karl-Maria Benkert escreveu uma carta aberta aos legisladores da Prússia contra uma parte do seu código penal – que posteriormente, em 1871, foi adotado pelo recém-unificado Estado Alemão -, onde era criminalizada a homossexualidade, através do conhecido parágrafo 175. Posteriormente, na década de 1930, esse mesmo parágrafo do código penal foi utilizado pelo regime nazista para a perseguição e o assassinato de milhares de homossexuais, sendo a justificativa legal para os horrores cometidos nos campos e concentração.
A ascensão do nazismo e do fascismo, e os crimes cometidos por esses regimes durante o período da Segunda Guerra Mundial, foram responsáveis por interromper o processo de desenvolvimento do movimento LGBTI+. Assim como as perseguições também realizadas sob o regime stalinista da União Soviética, que rompeu com as conquistas sexuais da Revolução de Outubro, voltando-se para uma política sexual repressora. As perseguições, prisões e assassinatos desmoralizaram o nascente movimento em ascensão. Essa “interrupção” será superada, anos mais tarde, em junho de 1969, nos EUA, tendo a revolta de Stonewall, em Nova Iorque, como seu principal acontecimento.
Na Alemanha, nos anos que precederam a ascensão do nazismo, a criminalização da homossexualidade era alvo de reiteradas investidas para a sua revogação. Sem que, na letra da lei, tivesse deixado de configurar crime, a homossexualidade passou a ser observada com “vista grossa” por parte do Estado. Após a Primeira Guerra Mundial, a República de Weimar se demonstrou mais branda na aplicação do parágrafo 175 (que criminalizava a homossexualidade). Havia um ambiente de relativa permissibilidade para a homossexualidade. Um caso interessante é o do considerado “braço direito” de Hitler, Ernst Röhm, homossexual assumido e comandante da Sturmabteilung (SA), antecessora da famosa SS (Schutzstaffel), em português “Tropa de Proteção”, um grupo paramilitar do movimento hitlerista cujas ações consistiam em violência política contra quaisquer opositores do nazismo. A homossexualidade abertamente vivida por Röhm era observada na sociedade como um indicativo de que o crescente regime autoritário não seria violento contra homossexuais. Contudo, a história mostrou o contrário. O assassinato de Röhm, por ordem direta de Hitler, foi motivada, também, por homofobia. O episódio de sua morte ficou conhecido como “a noite das facas longas”. Logo após, o regime não só endureceu a aplicação do parágrafo 175, como o expandiu, tornando-o mais amplo, para criminalizar qualquer ato que fosse considerado de inclinação homossexual.
3 – A repressão sexual serviu ao desenvolvimento do nazifascismo
Observando-se os padrões da propaganda fascista, pode-se afirmar a recorrência de argumentos dirigidos ad hominem. Essa é uma característica desse fenômeno. A preocupação exagerada com o sexo e a sexualidade também. Essas duas características estiveram presentes no nazismo de Hitler, e no Fascismo de Mussolini.
Aspectos subjetivos do fascismo justificam suas análises psicológicas. Isso levou a que Wilhelm Reich descrevesse o fascismo da seguinte maneira: “o fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório de todas as reações do caráter do homem médio”. Portanto, não é expressão de uma falta de civilização, um atraso na história, mas do próprio modo de produção capitalista.
Um dos muitos aspectos dessa civilização em que se forma o fascismo é o da repressão sexual. A sexualidade é uma espécie de energia vital relacionada à satisfação sexual, mas também ao desejo, às afetividades, às relações sociais e ao erotismo. A sexualidade é uma expressão genuinamente humana. E não conhecemos fascismo sem intensa repressão sexual. Não sem razão.
O capitalismo para se reproduzir, depende de forte disciplinamento da classe trabalhadora. É necessário organizar a mão de obra da qual o capital irá explorar, a força de trabalho para a sua acumulação. A conclusão de Reich e de outros autores é de que a repressão sexual serve para impor a disciplina necessária a esse processo, construindo uma estrutura psicológica média na sociedade do tipo submissa à autoridade. Isso será fundamental para o exercício da hegemonia das classes dominantes.
Esta é a função social da repressão sexual: constituir o caráter do ser humano médio, aquele que, em tempos de “normalidade”, está submetido obedientemente à dominação, ao estranhamento do trabalho e à exploração. A repressão dos impulsos identificados como sexuais é operada de forma inconsciente, assumida pelo ser reprimido como característica do seu próprio caráter. Diferentemente da repressão das necessidades materiais, a repressão sexual leva à subserviência, ao conservadorismo, ao medo da liberdade. E nós LGBTI+ expressamos um tipo de liberdade. Eles tiveram e ainda têm medo do nosso orgulho.
Para quem tiver interesse em conhecer mais sobre os fatos aqui citados, sugerimos as seguintes leituras:
Marcados pelo Triângulo Rosa, de Ken Setterington
A Ilha e a Cidade, dos pesquisadores Gianfranco Goretti e Tommaso Giartosi
Triângulo Rosa, de Jean-Luc Schwab
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