Gilmar Mendes estaria exagerando quando, ao criticar o Exército pela ocupação do Ministério da Saúde, qualificou de genocida a política do governo federal em relação à pandemia no país? Não foi uma hipérbole ou um equívoco, como afirmam muitos. O Ministro do STF fez uma afirmação absolutamente correta e precisa.
Segundo o dicionário, o termo genocídio significa o extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso. Um genocídio pode levar à destruição de uma população específica ou de um povo, em parte ou no todo.
Sabe-se que Bolsonaro, assim como qualquer outro indivíduo, não tem qualquer capacidade de comando sobre a ação de um vírus. Mas quando um governo, ciente das consequências mortais da disseminação descontrolada de uma doença grave em seu país, opta — deliberadamente — por discursos e medidas que facilitam a propagação dela na população, não estaríamos diante de uma política genocida?
Em outras palavras, ao sacrificar — propositalmente — dezenas de milhares de vidas de brasileiros, especialmente das camadas mais pobres e negras do povo, em razão da ausência de medidas sanitárias adequadas e da sabotagem do isolamento social e de outras práticas comprovadamente eficazes na contenção da covid-19, o governo Bolsonaro não estaria causando um extermínio deliberado de uma parcela da população?
Não existe dúvida de que há um genocídio em curso. Importa sublinhar que a política genocida do governo em relação à pandemia se relaciona e agrava outros dois processos históricos de genocídio no país, a saber: o genocídio do povo negro e o dos povos indígenas. A população negra, além de ser a principal vítima do vírus, em razão das condições socioeconômicas impostas pelo racismo estrutural, está sofrendo com a escalada da violência policial em meio à pandemia. Como exemplo disso, segundo levantamento do G1, batalhões policiais da Grande SP mataram 70% mais em 2020, comparado ao mesmo período do ano anterior. As vítimas dessas execuções policiais são quase todas negras e pobres.
O genocídio indígena também se aprofunda, ameaçando dizimar povos originários que vivem em pequenos grupos populacionais espalhados pelo país. Como expressão dessa política de extermínio, Jair Bolsonaro vetou pontos da lei que prevê medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia. O Poder Executivo barrou 16 dispositivos da norma. Entre eles, os pontos que previam o acesso das aldeias a água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos.
Pela política genocida perante o novo coronavírus, Bolsonaro e seus ministros (incluindo os militares) deveriam ser levados a julgamento no Tribunal Penal Internacional, em Haia. Merecem o mesmo destino de Charles Tylor e Slobodan Milosevic, ex-presidentes da Libéria e da ex-Iugoslávia, respectivamente; que foram condenados e presos pelo Tribunal por seus crimes de extermínio em massa de pessoas.
A maior tragédia da história do país
O Brasil já ultrapassou 76 mil mortos por covid-19, de acordo com os dados oficiais. Como já afirmamos em editorial anterior, é a maior tragédia humanitária da história nacional, em termos absolutos. Em apenas quatro meses, ultrapassamos os 50 a 60 mil mortos estimados na Guerra do Paraguai (1864-1870) e mais que dobramos os 35 mil mortos da pandemia da gripe espanhola (1918-1920).
Para comparar com tragédias contemporâneas, o número de mortos nesses quatro meses ultrapassa o de mortes anuais por crimes violentos, assim como por acidentes de trânsito no país (em torno de 40 mil por ano em cada caso). O número diário de mortes pela covid-19, desde maio, ultrapassou a média de mortes por doenças cardiovasculares (cerca de mil por dia) e por câncer (mais de 600 por dia). E a pandemia está longe de ser controlada por aqui, sendo tragicamente possível prever que outras dezenas de milhares de vidas ainda serão perdidas antes que isso aconteça.
Se as políticas sanitárias de contenção da covid-19, orientadas pela OMS e por cientistas, tivessem sido aplicadas pelo governo federal, que sabia que poderia adotá-las e tinha informações de sua eficácia, milhares de brasileiros não teriam perdido a vida. Pais e mães, filhos e filhas, avôs e avós estariam, agora, no convívio com suas famílias, amigos e colegas. Bolsonaro e seus ministros são responsáveis por essa tragédia sem paralelo na histórica nacional. Devem pagar por seus crimes.
Derrubar Bolsonaro e seu governo genocida é condição para salvar vidas
Acossado pelos inquéritos no STF e pela prisão de Queiroz, o presidente fascista deu um passo atrás nas últimas semanas. Não fez mais ameaças de golpe, entregou cargos ao Centrão, anunciou mais duas parcelas do auxílio emergencial, enfim, baixou o tom e recuou da retórica golpista — ao menos por enquanto.
Bolsonaro “paz e amor” é o que a grande burguesia quer, embora seja pouco provável que essa versão perdure por muito tempo. O agravamento da crise múltipla (sanitária, econômica e social) dificilmente dará bases para uma estabilização mais duradoura da crise política, ao contrário, tende a agravá-la. O Bolsonaro promove um recuo tático. O projeto fascista, embora enfraquecido, segue instalado no Palácio do Planalto, como demonstra a continuidade da política genocida em relação à covid-19.
Enquanto o governo faz um recuo temporário, Maia e Alcolumbre — com ajuda do poder Judiciário, incluindo aí várias decisões de Gilmar Mendes — vão passando “a boiada” no Congresso contra a classe trabalhadora e os direitos sociais, como ocorreu na recente aprovação da privatização do saneamento público.
Mesmo criticando o governo, a linha que prevalece na oposição de direita e também no STF e no Congresso é a de evitar a derrubada de Bolsonaro, tanto pela cassação da chapa presidencial no TSE quanto pelo impeachment. Em uma frase, querem disciplinar o fascista sem removê-lo do poder, preservando o regime democrático-liberal racista e de fortes traços autoritários.
Não será em frentes amplas com a direita, que não defendem o fim desse governo genocida, que avançaremos na defesa das vidas e dos direitos da classe trabalhadora. Por isso, é fundamental reforçar a campanha “Para salvar vidas, Fora Bolsonaro” organizada por movimentos sociais, sindicais, contra as opressões e partidos de esquerda.
Tem imensa importância também a campanha articulada pela Coalização Negra por Direitos, cujo mote é “Enquanto houver racismo não haverá democracia”. Igualmente valiosa é a campanha do movimento feminista “Mulheres Derrubam Bolsonaro”, assim com a campanha e iniciativas em defesa do meio ambiente e dos povos indígenas promovidas pela Assembleia Mundial pela Amazônia.
A luta pela vida passa centralmente pela organização e mobilização social dos trabalhadores e dos setores mais oprimidos da sociedade. A construção de uma grande Frente Única pelo Fora Bolsonaro e pelas demandas mais sentidas do nosso povo, para derrubar esse governo genocida nas ruas — tão logo seja possível — é a tarefa principal nesse momento.
Defendemos:
Para salvar vidas, Fora Bolsonaro!
Vidas Negras Importam! Fim do genocídio do povo negro!
Pelo isolamento social, com condições econômicas e sociais!
Pela manutenção do auxílio emergencial até o fim do ano!
Em defesa da Amazônia e dos povos indígenas! Fora Salles!
Pela cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE! Impeachment Já!
Por eleições presidenciais diretas e livres antecipadas!
Por uma frente de esquerda, por um governo dos trabalhadores e oprimidos!
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