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BRASIL

Clube-empresa, o avanço da elitização do futebol

Nos últimos anos, um projeto que busca colocar a última pedra da elitização do futebol brasileiro vem avançando com parlamentares, presidentes de clubes e a imprensa reacionária: o dos chamados “clubes-empresa”.

Ricardo Marçal Jr, de Belo Horizonte, MG
RIP BURY FC. FROM OAFC

Em novembro de 2019 foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 5.082/2016, que prevê incentivo fiscal para transformação dos clubes de Associação Civis para Sociedades Anônimas(S/A). O projeto de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) é vendido para as massas como a salvação do futebol brasileiro, entretanto, o que se pode esperar é que aqueles que consomem o futebol como lazer e que sofrem com a elitização do esporte desde a Copa de 2014, vão receber o último golpe com a “privatização” do futebol.

Os argumentos são os mesmos utilizados para privatização de empresas estatais, a velha tríade: transparência, eficiência e se livrar da ingerência política. Para convencer das benesses do modelo de clube-empresa, argumentam que um dirigente “apaixonado” pelo clube e eleito (mesmo com as limitações da democracia dos clubes) não consegue gerir as enormes cifras do futebol, que deve ser gerida de maneira profissional; salvando os clubes das dívidas criadas por esse “amadorismo”, se livrando da interferência política e de grupos criminosos.

Entretanto, o cenário mundial contradiz tal pressuposto; países que adotaram esse modelo como Itália, Chile, Espanha e Inglaterra sofrem até hoje. 

No caso da Itália, conhecida pela corrupção no futebol com adoção das SpA (societá per azioni) e do uso da influência de clubes com milhares de torcedores na política do país, o exemplo mais conhecido é do bilionário neoliberal, ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que por muitos anos foi dono do A.C Milan. Aqui, na América do Sul, temos o exemplo de Sebastián Piñera, presidente do Chile, que é sócio majoritário da empresa que controla o Colo-Colo, maior time do país e que teve participação crucial na aprovação da lei das Sociedades Anónimas Deportivas Profesionales (SADP).

Na Espanha, a adoção das SADs criou o fenômeno da atual desigualdade do futebol no país, os três clubes (Real, Barcelona e Athetic) com força política, na época que estavam no “verde”, conseguiram escapar da Ley del Deporte, os outros viraram SADs. Cenário que ilustra a situação atual; clubes que tinha eleições com mais votantes que maioria dos municípios do Brasil, se transformaram em autocracias, assim como em vários outros países que adotaram essa ideologia empresarial no futebol, a transparência foi esquecida e os clubes devem bem mais que quando eram associações civis.

Clube empresa e eliminação das oposições 

Sabemos que Sociedades Anônimas funcionam como autocracias, regidas pelo e para o capital, e com a transformação de clubes de futebol em S.As não seria diferente. Alguns casos ilustram bem que a conversão em empresa foi utilizada para eliminação das oposições e da pequena democracia interna dos clubes.

O Esporte Clube Bahia (hoje o clube mais democrático do país) foi convertido em empresa no fim da década 1990, junto com seu rival Vitória, ambos os clubes abandonariam esse modelo anos mais tarde, motivados pelos fracassos consecutivos que levariam a dupla BaVi para a terceira divisão. Mas a maior mudança dessa conversão foi a pulverização da oposição à família Guimarães, que passaria a reinar soberana o clube, sendo retirada pela justiça apenas em 2013.

Não se contesta propriedade?

Os “mecenas” do Oriente Médio, que compram clubes na Europa com seus petrodólares, visam unicamente entrar no mercado europeu. Logo que alcançam seus interesses ou deixam de ser suas prioridades, os clubes são largados à sorte de uma gestão neoliberal, que quer lucrar até com o fim da organização, fato que tem sido quase cotidiano no futebol inglês.

O caso que mais deu repercussão foi o do Bury F.C, clube com 135 anos de história que foi excluído da liga e encerrou suas atividades. Um dos pioneiros do futebol inglês, passava de mão em mão nos últimos anos, até as de Steve Dale, um sujeito que dizia que não gostava de futebol e nunca pisou na cidade de Bury. Quando a liga inglesa deu um prazo para a venda do clube para não ser punida pelas várias infrações e dívidas, mesmo com a apaixonada torcida suplicando, Dale permaneceu dono do clube, o que levou a exclusão e o fim do time. Afinal, propriedade não se contesta!

No Brasil quase aconteceu algo parecido com o Figueirense Futebol Clube, de Florianópolis. Em agosto de 2017, o Figueirense firmou seu acordo com a Elephant S.A. e transferiu a direção-executiva do futebol do clube para a empresa A Elephant, que prometia levar o Figueira a um novo patamar, por meio do pagamento das dívidas do clube, da injeção de dinheiro no elenco e da atratividade a novos investidores. Resultado: a empresa jamais conseguiu cumprir nenhuma das promessas, muito pelo contrário.

A empresa de Claudio Honigman descumpriu todas as cláusulas do contrato com clube, deixando de pagar jogadores e colaboradores do futebol, o que levou ao extremo de um W.O na Série B em 2019 e uma quase exclusão e rebaixamento da competição, que foram pedidas pela empresa, mas que voltou atrás da decisão quando o Figueirense voltou a ser uma associação civil de fato.

 

Referências

Disponível em: <https://trivela.com.br/clubes-empresa-no-brasil-por-um-contraponto-nessa-conversa/> Acesso em: 

Disponível em: <https://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-contexto-de-adocao-das-sads-na-espanha-um-modelo-a-nao-ser-seguido/?doing_wp_cron=1594670393.1588890552520751953125> Acesso em:

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