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Especiais

É hora da Frente de Esquerda em Recife!

David Cavalcante, de Recife, PE

Marília (PT), em caminhada

A capital do Estado de Pernambuco é hoje a 9ª cidade mais populosa do Brasil, segundo o IBGE, com cerca de 1,7 milhões de habitantes. Localizada na 7ª Região Metropolitana mais populosa do país, com cerca de 4,1 milhões de habitantes, esta composta por 15 municípios, entre os quais se destacam Jaboatão dos Guararapes e Olinda. A Região Metropolitana do Recife-RMR também está entre os 9 maiores Produtos Internos Brutos metropolitanos da nação.

Ocorre que quando tratamos de indicadores sociais e desigualdades, começamos a entender melhor a herança do domínio histórico das oligarquias e da grande burguesia no Estado de Pernambuco. Ao tratarmos de PIB per capita, a localização da RMR cai para 35º lugar, mas já que a matemática fria da média da produção interna por habitante pode não revelar seus indicadores sociais mais complexos vejamos alguns dados. 

Segundo o Instituto Cidades Sustentáveis, uma pesquisa revelou que as cidades de Recife e Belém possuem índices que revelam a maior concentração de renda entre as capitais, ambas com Índice de Gini (indicador para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo social) de 0,61 , revelando também por aqui o terceiro maior percentual de habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza (31%). Vejam uma reportagem sobre o tema aqui.

Em termos habitacionais, um dos gigantes problemas da cidade que salta a olhos vistos pela quantidade de palafitas e moradias precárias nas favelas, é um déficit habitacional de mais de 70 mil moradias, sem falar da existência de inúmeras unidades habitacionais que estão desabitadas e/ou abandonadas pelos seus proprietários. Segundo a Federação de Órgãos para Assistência Educacional e Social-FASE, em uma pesquisa sobre a ociosidade de imóveis em Recife, da qual participou o MTST, existiam ainda no ano de 2010, mais de 43 mil imóveis não ocupados na cidade, e no Bairro de Santo Antônio, um dos mais antigos da região central, a taxa de desocupação chegou a mais de 41% dos imóveis cadastrados pelo IBGE. 

Neste capítulo, não dá para esquecer o que foram as batalhas de rua do Ocupe Estelita, que movimentou milhares de ativistas sociais contra o Projeto Novo Recife (aprovado em 2012, ainda na gestão do PT) favorecendo as grandes empreiteiras na usurpação do espaço público e histórico da cidade para edificar condomínios de luxo do tipo das Torres Gêmeas, onde o menino Miguel, filho da empregada doméstica, Mirtes Santana, foi largado no elevador pela patroa e perdeu sua vida caindo do 9º andar. Igualmente serviu para construir vias expressas de automóveis e shopping centers, conforme bem denuncia o vídeo “Recife, cidade roubada”

Sobre o desemprego, a capital pernambucana está entre as piores das grandes cidades do país. Em 2018, portanto antes da pandemia, registrou 16,3% de desocupação média anual. Em Pernambuco, cerca de 48% da população ocupada está no trabalho informal, ou seja, mais de 1,7 milhões de pessoas, entre eles os pequenos comerciantes, que sofrem diariamente para conseguir vender produtos populares para tirar a renda do dia a dia, muitas vezes sob ameaças de repressão e confiscos de suas mercadorias. Assim também é a situação da Capital, ainda mais agravada, pois a própria concorrência do comércio formal e a falta de espaços com estrutura para venda que ultraja ainda mais a vida de trabalhadores os quais na maioria das vezes optaram por ser comerciantes informais porque não há emprego para todos e todas. 

Outro tema que bate as nossas portas é a violência urbana. No Brasil, 50% dos homicídios estão concentrados nos 2,1% das cidades mais violentas, entre tais cidades está o Recife, que alcançou o indicador alarmante em 2017 como a 7ª capital mais violenta do país, segundo o IPEA, com 58,4 homicídios para cada 100 mil habitantes.

O reinado do PSB em Pernambuco e a chance histórica da oposição de esquerda

Neste contexto, Geraldo Júlio do PSB, prefeito do Recife desde 1º de janeiro de 2013, está terminando o seu segundo mandato. Sob uma ofensiva publicitária, que gastou entre os anos 2014 e 2018, mais de 150 milhões de reais e realização de obras mais visíveis concentradas nas regiões centrais da cidade, Geraldo quer fazer seu sucessor, o filho do falecido ex-governador, Eduardo Campos, o atual Deputado Federal pelo PSB, João Campos. O PSB governa ainda o Estado de Pernambuco, desde 1º de janeiro de 2007, portanto, já com 4 mandatos de governo estadual.  

Num complexo cenário nacional, onde a extrema direita neofascista governa o país, ainda sob uma situação reacionária e uma conjuntura defensiva dos movimentos sociais e da classe trabalhadora, sob quatro meses de isolamento social (até esta data), a população será convocada às eleições municipais. Nos últimos meses, ocorreram algumas lutas sociais importantes como a dos trabalhadores entregadores e setores da saúde e dos transportes, mas em totalidade o país continua numa letargia defensiva cujas aspirações democráticas são remetidas ao STF, ao Congresso Nacional e às diversas tentativas de expressões de frentes amplas que incluem desde Michel Temer até Rodrigo Maia. 

Daí que redobra a importância da classe trabalhadora, seus movimentos e aliados sociais e culturais, busquem a unidade nas lutas sociais, mas também na postulação do poder local, hoje por hoje representado nas prefeituras municipais cujo novo calendário eleitoral já foi aprovado pelo Congresso Nacional.  

Por aqui surgiu uma oportunidade de unidade dos movimentos sociais, da esquerda social e cultural da cidade e seus partidos políticos. O PT que é de longe o partido majoritário da esquerda no Estado de Pernambuco e na Capital, deliberou em seu Diretório Municipal de Recife, o apoio à coligação com o PSB. Ocorre que desde 2018, uma fissura dentro daquele partido não foi cicatrizada. 

Apontando nas pesquisas de outrora em 1º ou 2º lugar, a pré-candidata a governadora, então vereadora da capital, Marília Arraes, mesmo com a aprovação de dezenas de movimentos sociais e da maioria da militância petista não-palaciana, foi decepada pela Direção Nacional do PT, em nome do apoio do Governador Paulo Câmara à candidatura de Haddad a Presidente, e da reeleição de Humberto Costa como Senador. Acordo feito, vitória selada, mas não sem sequelas, visto que a pré-campanha de Marília teve expressão de movimento social de massas na capital e no interior do Estado que lhe rendeu depois o Mandato de Deputa Federal, com a segunda votação do Estado com mais 193 mil votos, além de ter ajudado na votação da candidata à govenadora do PSOL, Dani Portela, que chegou a 10% na capital com os votos dissidentes do PT.  

Marília, que possui o sobrenome do ex-governador de Pernambuco, o seu avô, Miguel Arraes, novamente se postula ao cargo majoritário dentro do PT, desta vez para a prefeitura de Recife. Ocorre que como diz o ditado popular, um dia da caça outro do caçador, desta vez, a Direção Nacional do PT tomou decisão em favor da neta de Arraes. Os Diretórios Municipal e Estadual do PT, agora mais palacianos do que nunca, não desejam candidatura do partido em razão dos laços renovados com o partido que apoiou o Golpe contra a Presidente Dilma.

Mesmo assim, novamente com o apoio de setores militantes petistas desgarrados do aparelho do Estado e da Prefeitura, Marília aponta em pesquisas em 1º ou 2º lugar, e, neste mês de julho, sinalizou publicamente em toda a imprensa, com o respaldo da Presidente Nacional do PT, para uma coligação e frente de esquerda com o PSOL. 

Dentro do PSOL, surgiu duas pré-candidaturas para disputar internamente, ainda no contexto pré-pandemia, em 2019, onde a circulação de pessoas não estava limitada e o Congresso do Partido não havia sido cancelado. Ocorre que, mesmo que tenha se gerado certa movimentação interna de coletivos e blocos partidários em torno das pré-candidaturas, e uma boa repercussão da grande impressa e redes sociais locais, nenhum dos postulantes conseguiu pontuar nas pesquisas eleitorais, mesmo sem que houvesse a confirmação de candidaturas do PT na Capital. 

Por outro lado, pela primeira vez, a pré-candidata do PT sinalizou publicamente para a necessidade de uma Frente de Esquerda na cidade para se contrapor ao PSB e à direita bolsonarista que poderá ser representada por uma delegada que já foi denominada pela imprensa de “Moro de saias” cuja vida política se resume às manifestações na Avenida de Boa Viagem, em passeatas do movimento direitista “Vem Pra Rua” e seus asseclas. 

Como não poderia deixar de ser, o Diretório Municipal do PSOL pautou a temática e a maioria dos diretoriandos optou pela defesa de uma Frente de Esquerda, abrindo o debate com os demais partidos da esquerda na cidade e optando pela candidatura de Marília, com base num programa a ser acordado entre as agremiações. Um setor minoritário do PSOL não concordou e transformou a tática de uma candidatura própria numa bandeira fundamentalista a qual buscam inclusive deslegitimarem as instâncias partidárias eleitas no Congresso de 2017.

Analisando a conjuntura de forma menos sectária e com uma visão amparada na totalidade da realidade política nacional e local, não é difícil identificar que uma candidatura que consiga deslocar e mobilizar um setor expressivo das bases sociais petistas, nos marcos de uma Frente de Esquerda entre os partidos e movimentos sociais da cidade os quais não estão atrelados à prefeitura nem ao governo do Estado, que possuem relativa autonomia para debater um programa de governo e pôr esse movimento político a serviço da derrota do bolsonarismo e em oposição ao PSB, seria muito mais coerente e grandioso – num exercício da política grande – do que disputar um ou dois traços de votos com uma candidatura própria que poderá inclusive desmobilizar as campanhas da chapa de vereadores. 

Hoje por hoje, sairá maior do debate aquele pré-candidato que submeter seu ego narcísico em prol de um projeto maior que seguramente terá repercussão em todo o Estado de Pernambuco, reoxigenando as novas gerações da esquerda social desta cidade a qual historicamente sempre esteve à vanguarda das lutas sociais e populares do Brasil, gerando possibilidades reais, junto com a mobilização popular e os movimentos que lutam contra as opressões racistas, machistas,  lgbtfóbicas e a usurpação territorial, onde poderão se expressar também na campanha eleitoral com ressonâncias nos poderes legislativos e executivo locais para contribuir com a superação do perverso quadro social ainda persistente no Recife.