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BRASIL

Cidadã não, educadora não também: a política anti-educacional de Felício Ramuth

Lucas Monteiro*, de São José dos Campos, SP
Adenir Britto/CMSJC

O prefeito Felicio Ramuth (PSDB) durante a entrevista sobre ‘isolamento seletivo’

Em São José dos Campos, nós, professores e professoras, bem como várias outras funcionárias das escolas públicas, fomos obrigados/as desde o começo de junho a retornar presencialmente para preparar atividades didáticas não presenciais. Isso mesmo, seguindo as tendências inovadoras da cidade, o prefeito Felício Ramuth (PSDB) inventou o conceito de trabalho presencial remoto. Quando questionado em rádio por uma professora sobre isso, respondeu de forma autoritária, antissindical e machista. Disse que aqueles/as que não queriam retornar presencialmente eram um grupinho e que professores/as não poderiam ter esse “privilégio de ficar em casa”.

Nesse meio tempo, seguimos trabalhando muito, preparando atividades semanais que explorassem o máximo possível o estudo necessário às e aos estudantes, porque de fato é importante que eles mantenham ao menos seu vínculo com o estudo e a escola. Preparamos também exercícios para Google Forms quinzenais para suposta validação das atividades, além de podermos (e muitas vezes querermos, pelo bem dos/as estudantes) fazer plantões online e gravar vídeos.

Nesta terça, 07 de julho, recebemos em Horário de Trabalho Coletivo online a orientação do novo passo da política educacional autoritária e anti-pedagógica de Felício. Ao invés de continuarmos nas atividades que, em muitos casos, eram impressas para as famílias com pouco ou nenhum acesso à internet, a Secretaria de Educação e Cidadania (SEC), que de cidadã e educadora não tem nada, decidiu que faremos atividades pelo Google Forms. E os argumentos são um pior que o outro!

Um primeiro, bastante hipócrita é dizer que estamos gastando muito com papel e impressão para as famílias. A contradição desse tipo de postura se evidencia quando a prefeitura recentemente completou uma obra super-faturada, atrasada e aparentemente inútil de uma ponte estaiada na região mais rica da cidade, para deixar fluir o eterno trânsito e servir de cartão postal apologético da cidade conservadora modernizada. Para completar a hipocrisia, na semana passada, Felício gastou mais alguns milhares de reais para iluminar a ponte na cor verde, em cínica homenagem às servidoras da saúde que estão sobrecarregadas de trabalho no combate a uma pandemia relativizada por seu governo.

Um segundo argumento, na linha do anterior, é que a entrega das atividades impressas estaria causando aglomeração nas escolas. Veja só o tamanho da trave no olho desses gestores: ignoram, primeiro, que desde o início da pandemia a política da SEC para a questão da merenda tem sido entregar marmitas na própria escola, causando também aglomerações e sem sequer ouvir a proposta dada pelo sindicato e servidores/as para pensar outra forma de atender esta demanda importante; ignoram, além disso, o mais patente, que são os professores e professoras indo trabalhar, todos os dias, expondo a si e suas famílias, em um momento de avanço da pandemia inclusive dentro da categoria, com vários relatos de contaminação nas escolas.

É totalmente deslocado da realidade conceber a possibilidade de acesso massificado à internet, com estudantes realizando mais de 10 atividades semanais, com leitura e interpretação de textos etc.

Por fim, um terceiro argumento é, de longe, o maior indicador ideológico da política anti-educacional de Felício Ramuth. A SEC quer, veja bem, acostumar as famílias e desenvolver competências nos estudantes para o uso de tecnologias no ensino remoto, esse termo que, a meu ver, só perde na escala de alienação para o famigerado “novo normal”. Preciso ser honesto nesse ponto: não se trata de ignorância, negacionismo ou mesmo incompetência na gestão. Temos aqui uma política que intenciona, sem mais nem menos, aprofundar a desigualdade educacional que assola as perspectivas da juventude e das famílias pobres, principalmente negras e periféricas. É totalmente deslocado da realidade conceber a possibilidade de acesso massificado à internet, com estudantes realizando mais de 10 atividades semanais, com leitura e interpretação de textos etc. Como sabemos, mais da metade das casas das classes populares não acessam a internet nem tem computador em casa. Quando acessam, é por meio de celulares com planos de dados móveis que pouco permitem para além dos aplicativos tradicionais. A SEC também sabe disso, mas prefere ocultar esse dado material.

Também na semana passada, depois de uma importante sequência de manifestações nas unidades escolares, denunciando a situação em que estamos, professores e professoras se reuniram na frente da sede da SEC com a mesma pauta. Tentaram nos impedir de entrar nas dependências, se recusaram a sequer protocolar nossa carta de reivindicações e chamaram, rapidamente, a Guarda Civil para um episódio básico de violência simbólica. Mas não estamos derrotados! É necessário, para além de demolir esses argumentos e saber contra quem estamos lutando, intensificar os processos de resistência aos ataques, com nossa reivindicação mínima: trabalho remoto já!