Pular para o conteúdo
BRASIL

Inclusão não é só divulgação: Contra a exclusão do curso de Letras-Libras da UFJF

Leia o texto e assine a petição online

Manifesto dos estudantes surdos e ouvintes de Letras-Libras da UFJF
Divulgação / Gabi Müller / UFJF

Em meio a uma pandemia, houve uma votação via internet onde o Departamento de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) decidiu o futuro do curso de Licenciatura em Letras-Libras. Nessa reunião foi votado o fim desse curso e a implementação do curso de Bacharelado em Interpretação e Tradução em Libras.

Trinta professores do quadro de funcionários da Faculdade de Letras votaram a favor do fim do curso. Segundo os mesmos, há uma “frustração” entre os docentes por conta da “diferença linguística”. 

A primeira língua da maioria dos surdos brasileiros é a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e através dela que todo o conhecimento de mundo deve ser passado, ou seja, disciplinas ministradas em Libras. Por isso quando não há professor bilíngue, entra o trabalho dos TILS (Tradutor/Intérprete de Libras) que atuará como “a voz” do professor. 

Desde 2002, a Lei nº 10.436 reconhece a Libras como meio legal de comunicação e expressão. E em 2005 foi criado o Decreto nº 5.626 que regulamenta essa lei. No capítulo IV que trata a difusão da Libras e da Língua Portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação, o documento afirma:

Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.” 

Quando se trata de promover às pessoas surdas o acesso à comunicação, estamos falando, principalmente, de promover a língua de sinais.

Apesar das legislações já existentes que respaldam os direitos da comunidade surda à educação, o número de surdos que possuem ensino superior é pequeno, como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico, com texto: Escolaridade dos surdos. 58% sem instrução ou fundamental completo. 11% superior completo. 12% fundamental completo ou médio incompleto. 19% médio completo ou superior incompleto.

 Imagem: Gráficos mostrando a escolaridade dos surdos no Brasil (Feneis, 2017)

O Brasil possui uma população com mais de 10 milhões de surdos, apesar disso, apenas 11% deles possuem ensino superior, como mostra o gráfico retirado da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. E segundo o IBGE, cerca de 15% dos brasileiros possuíam essa escolaridade no ano de 2016 . 

Mesmo com esses dados, os professores alegam que até mesmo os alunos estavam se sentindo frustrados com a diferença linguística. Isso até faz sentido, é realmente frustrante estar no seu país, na sua faculdade e simplesmente não conseguir dialogar com os professores. 

A verdade é: o Surdo tem direito às suas matérias na sua própria língua e com as adaptações necessárias do conteúdo, como previsto na Lei Nº 10.436, de 2002 regulamentada pelo Decreto Nº 5.626, de 2005. 

Os alunos surdos da UFJF se sentem frustrados sim, mas é com a falta de empatia, competência técnica/teórica e boa vontade por parte de alguns dos professores. 

Consideramos que uma forma efetiva para alterar esse cenário de despreparo dos professores é formando cada vez mais profissionais capacitados com conhecimento técnico e teórico seguindo a lógica de documentos oficiais como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) nos seus artigos 58º e 59º, e PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) onde dispõe sobre facilitação à comunicação e compreensão do aluno surdo através de materiais específicos para cada estudante com necessidades educacionais específicas.

Criado em 2014, o curso de Licenciatura em Letras-Libras forma professores de Libras, possuindo também a chamada cota F, específica para o ingresso de alunos surdos, já o Bacharelado, se aceito, formará apenas intérpretes

Procurando respaldo na legislação brasileira, uma pessoa surda poderia atuar como intérprete apenas quando se tratasse de tradução entre a Libras e outra língua de sinais. Como consta no Art. 19 do Decreto nº 5.626, de 2005: 

Art. 19. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja pessoas com a titulação exigida para o exercício da tradução e interpretação de Libras – Língua Portuguesa, as instituições federais de ensino devem incluir, em seus quadros, profissionais com o seguinte perfil:

I – profissional ouvinte, de nível superior, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior;

II – profissional ouvinte, de nível médio, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação no ensino fundamental;

III – profissional surdo, com competência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a Libras, para atuação em cursos e eventos.” 

Apesar disso, ainda é possível encontrar alguns poucos surdos atuantes nessa função, pois a maioria não consegue trabalhar como intérprete e isso depende do grau de surdez do indivíduo, por exemplo: uma pessoa com surdez profunda dificilmente conseguirá fazer uma interpretação de uma fala oralizada em português e talvez uma pessoa surda implantada (ou que use aparelho auditivo) consiga fazer a interpretação. Então, apenas ouvintes e surdos implantados ou que usam aparelho auditivo poderão ingressar nesse novo curso?

Vale ressaltar que mesmo sendo obrigatória pelo menos uma disciplina de Libras em todos os cursos de licenciatura, poucas disciplinas são ofertadas pelas universidades devido a falta de professores qualificados na área. E na maioria das vezes, infelizmente, a disciplina obrigatória às licenciaturas não supre a necessidade de transpor a barreira linguística, pois normalmente tem como objetivos: desmistificar mitos em relação às línguas de sinais, promover discussões sobre o que é a comunidade surda e cultura surda e ensinar o mais básico da língua (saudações, cores, comidas, números e alfabeto manual). Diante disso, vemos a necessidade de ampliar o número de disciplinas obrigatórias relacionadas à Libras, mas para isso precisamos capacitar mais professores.

Por todas essas questões, nós integrantes da comunidade surda da UFJF e apoiadores, enxergamos esse ato não só como um ataque direto à inclusão dos surdos da universidade, mas também à comunidade surda como um todo.

Nossa universidade é famosa por promover muitas campanhas, de diversos tipos e isso é muito bom, porém devemos lembrar a todos que a verdadeira inclusão não é feita com banners expostos pelos Campi, mas sim, aceitando as diferenças e promovendo mais acessibilidade.

Antes de ensinarmos qualquer coisa à cidade, devemos olhar para o quadro de professores e entender: Quais melhorias devem ser feitas? Quais caminhos para que tanto esses trinta professores da Letras, quanto outros professores dos demais cursos entendam a importância de se ter mais professores bilíngues?

Tendo em vista tudo isso exposto segue o abaixo-assinado criado por nós a fim de mostrar nossa resistência contra esse ato descabido: http://chng.it/BxMfRJqjtT

Pela não exclusão do curso de Licenciatura em Letras-Libras da UFJF

A verdadeira inclusão é feita respeitando TODOS os alunos da Universidade!

 Estudantes surdos e ouvintes de Letras-Libras da UFJF