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OPRESSÕES

#BrequeDosApps como uma luta antirracista

Malu Nogueira*, de São Paulo, SP

Protesto em São Luis (MA)

Quem são os entregadores de aplicativo? 

Uma pesquisa de perfil dos entregadores de aplicativo que utilizam bicicleta como forma locomoção na cidade de São Paulo, feita pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, mostra quem são eles: majoritariamente jovens homens negros. Mais precisamente 71% deles são negros, com idades entre 18 e 22 anos e moradores da periferia da cidade. Não fica difícil compreender que esse perfil não diz só sobre São Paulo, mas sobre o Brasil. 

“Raça é a maneira como a classe é vivida” – Angela Davis 

O cotidiano dessa jovem parcela da classe trabalhadora é das jornadas exaustivas de trabalho que não raramente excedem 10 horas diárias e por meio do sistema de pontuação e bloqueios indevidos, adotados por empresas como a Rappi, os entregadores são obrigados a trabalhar todos os finais de semana para alcançar pouco mais do que um salário mínimo. 

A vida quase invisível dos entregadores é a de tantos trabalhadores essenciais, como os da limpeza, e têm mais em comum eles do que as relações precárias de trabalho. 

Há também no caráter desses ofícios o trabalho de cuidado direcionado às vidas que devem valer mais que a dos entregadores, de acordo com a lógica do capital. Estes últimos, majoritariamente negros e da periferia, servem principalmente as demandas dos bairros mais centrais e nobres. 

De acordo com último levantamento do IBGE (2019) 64% dos desempregados e 47,3% dos informais são negros.Tais dados, não por coincidência, se combinam com a conclusão da pesquisa feita sobre os entregadores de aplicativo em São Paulo, que aponta como motivação de ingresso nesse trabalho para 59% o desemprego. O atual contexto de brutal crise econômica apenas escancara uma relação estrutural da opressão racial como organizadora e potencializadora da exploração no capitalismo. 

Por parte das empresas o discurso de que os entregadores são “empreendedores”, “gestores do próprio tempo”, “colaboradores da empresa” tem sua materialidade no oposto, que são as condições objetivas do setor. Trata-se da ultraflexibilização ou uberização responsável pela completa ausência de direitos em caso de roubos, acidentes ou contaminação pela COVID-19, falta de acesso à EPIs e bloqueios indevidos combinada com a redução das taxas de entrega mesmo com o aumento de 30% no número de pedidos, só na América Latina, desde o início da pandemia. 

Como lição das experiências dos entregadores podemos afirmar que o aprofundamento da flexibilização e uberização das relações trabalhistas é um pilar do grande capital entre as apostas de saídas para crise. Assim, se faz também o ensaio geral de rebaixamento ainda mais brutal das condições de vida de toda a classe a partir do avanço de uma expropriação racializada.

O #BrequeDosApps e a luta antirracista

A atual crise social, econômica, política e sanitária mata mais entre negros e negras no Brasil por nenhuma outra razão senão o concreto abismo de desigualdades sociais. Além do isolamento ser um direito negado a uma parcela significativa da população, são negros e negras maioria dos usuários de hospitais públicos superlotados e dos alvos da violência policial, que só esse ano fez ao menos 7 vítimas fatais entre crianças negras no Rio de Janeiro. 

Combinado com a ascensão das lutas antirracistas no mundo todo a partir dos Estados Unidos, por aqui a organização de setores do movimento negro em unidade com outros movimentos sociais, como das torcidas organizadas, foram os responsáveis pelo eixo #VidasNegrasImportam tomar lugar de destaque entre os manifestantes que tomaram ruas de grandes cidades por democracia semanas atrás. 

O ultraneoliberalismo expresso pelas grandes corporações é amigo inseparável das políticas de austeridade adotadas à nível federal. Vale lembrar que no mês de maio foi o próprio Bolsonaro o responsável por vetar o auxílio emergencial aos entregadores de aplicativo e outros setores precarizados.

Como nos disse Silvio Almeida na histórica participação no programa Roda-Vida da TV Cultura: “Ser antirracista é incompatível com a defesa de políticas de austeridade.” A luta contra o ultraneoliberalismo é a luta contra os inimigos da vida da classe trabalhadora e, assim, é ao mesmo tempo uma luta antirracista. 

Trata-se literalmente da luta para que a vida de um contingente de trabalhadores, de maioria negra, importem! Breque dos Apps é luta pela vida antes dos grandes lucros. De um jeito ou de outro são os debaixo dizendo: nem a fome, nem a precarização! Nem o COVID, nem os tiros! Vidas negras importam! 

#BrequedosApps #ApoioBrequeDosApps #VidasNegrasImportam


*Malu Nogueira – Estudante de Comunicação Social da USP, militante do Afronte, da Resistência Feminista e do movimento negro em São Paulo.

 

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