Os entregadores de aplicativo pararam hoje em Natal e em todo Brasil. Contra tudo e contra todos, contra a ameaça de bloqueio e a chantagem das empresas que ofereceram um incentivo de até R$ 30,00 por viagem hoje, dia da greve, eles pararam. Pararam porque não querem mais ser superexplorados por capitalistas sem rosto, pelo anonimato de um software, pelo obscuro programa que lhes tira o valor da remuneração justamente no momento em que esses profissionais mais têm que se arriscar. Pararam porque não lhes dão alternativas de parar, de ter intervalos remunerados durante as jornadas para que possam descansar. Pararam porque quando são obrigados a parar, porque se acidentam ou ficam doentes, também param de receber, sem nenhum direto de indenização. Pararam porque são julgados sem direito a defesa, porque após a reclamação de algum cliente insatisfeito, após uma avaliação ruim, são cancelados dos aplicativos. Mas esse cancelamento não é como no mundo das aparências das redes sociais. Esse cancelamento é real e implica em menos ou em nenhuma corrida e em nenhum meio de subsistência que pode durar horas, dias, meses ou ser permanente.
Aqui em Natal, dois dias antes, eu e alguns companheiros da Resistência/PSOL estivemos conversando com alguns deles. Olhavam-nos com certa desconfiança (afinal, não estaríamos a serviço do patrão?). Fomos a dois importantes pontos de concentração dos entregadores. Na frente do Midway, o portentoso shopping da Avenida Bernardo Vieira e no Mc’Donalds da Avenida Prudente de Moraes. Conversamos com alguns entregadores e eles já diziam que sabiam do movimento, mas que não sabiam se ia ocorrer alguma coisa aqui na cidade. Percebemos que eles estavam se articulando por grupos de whatsapp e que a revolta era latente.
Hoje, voltei ao Midway e encontrei com mais entregadores. Estavam concentrados em frente ao shopping. (ver vídeo) Estavam empolgados pela movimentação e pela repercussão do próprio movimento. Tive oportunidade de conversar com Mateus que me disse que as principais reivindicações dos entregadores são o aumento no pagamento por km rodado e o fim dos bloqueios indevidos por parte dos aplicativos. Ele também me falou da necessidade da categoria de se organizar, ou se filiando ao sindicato dos motoboys ou criando uma associação. (veja o vídeo)
Também conversei com G. que denunciou a repressão policial por causa da concentração dos trabalhadores na avenida Roberto Freire. Pelo que conta, policiais chegaram, colocaram todos contra a parede, tratando os entregadores como suspeitos de algum crime. Segundo ele, o responsável pela operação ainda disse que eles tinham o direito de não atender as chamadas por entrega, mas não o de se aglomerarem por conta da COVID-19.
O que impressiona, nesse caso, é o cinismo das autoridades policiais do governo de Fátima Bezerra (PT) que não fiscalizam as condições de trabalho dos entregadores por aplicativo, que ignoram os riscos que esses trabalhadores sofrem todos os dias, que cedem as pressões dos empresários e que já pensam em reabrir o comércio do estado, mesmo que as taxas de ocupação das UTIs estejam próximas de 100%. Mas quando uma categoria marcada pela exploração e pela invisibilidade resolve dar as caras, se organizando e fazendo valer o seu direito de se manifestar, a preocupação sanitária reaparece como desculpa esfarrapada para reprimir os trabalhadores. De que lado a governadora está, afinal?
Por fim, só podemos dizer que esses trabalhadores estão de parabéns, seja pela sua coragem, seja pela organização. Que não caem na falácia de que são empreendedores, pois são trabalhadores e demonstram que a luta de classes ainda movimenta a história e que pode derrotar até mesmo o capitalista invisível que se esconde atrás de uma Logomarca, pois é nas costas do trabalhador e do seu trabalho que é gerada a verdadeira riqueza, apropriada sorrateiramente pelo algoritmo criado exclusivamente para explorá-los. Não se deixam levar e não se deixarão vencer.
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