Tibério Oliveira, de Mossoró, RN
Neste ano, comemora-se 42 anos de ativismo do movimento LGBTI+ no Brasil e 51 anos desde a Revolta de Stonewall, marco internacional da resistência dessa comunidade. Contudo, mesmo em meio ao cenário de visibilidade e de representatividade, essa população ainda identifica inúmeros desafios no cenário brasileiro.
A vitória de Jair Bolsonaro (sem partido) nas eleições presidenciais, em 2018 representou, do ponto de vista político, uma forte ameaça às políticas públicas e direitos sociais conquistas por esses sujeitos nos últimos anos. Entre as muitas estratégias políticas de Bolsonaro, a narrativa centrada na difusão do pensamento conservador e na disseminação de fortes propagandas contra a comunidade LGBTI+, tanto de um suposto “kit gay”, como da suposta “ideologia de gênero” nas escolas, funcionou para a retórica produzida em defesa de sua campanha, em um contexto extremamente polarizado.
Sabemos que as relações da comunidade LGBTI+ com o Estado brasileiro sempre foram complexas, conflituosas, um diálogo que perpassa por correlações de forças, e, nesse âmbito, podemos dizer que no novo milênio esses sujeitos coletivos conquistaram, através de muita luta, algumas políticas públicas e legislações em defesa da diversidade sexual e de gênero, assim como no combate à violência contra essas pessoas em âmbitos municipais e estaduais e, mais recentemente, nas interpretações da lei aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo a homolesbotransfobia como crime.
Nesse decurso, em 2004, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi desenvolvido um programa de combate à discriminação contra pessoas LGBTI+, denominado de “Brasil Sem Homofobia”. No âmbito das políticas governamentais, podemos dizer que essa constatou-se como a primeira política pública que tinha como finalidade a promoção da cidadania LGBTI+, no contexto nacional, visando o combate às múltiplas violências contra gays lésbicas bissexuais travestis e transexuais. Entretanto, desde aquele momento, já havia alguns problemas que secundarizaram essa ação, destacamos dois: o baixo orçamento e a ausência de uma legislação em âmbito federal de combate e criminalização da LGBTIfobia, a exemplo do PLC nº 122/2006, que seguiu engavetado no Congresso Nacional.
Nos campos das políticas LGBTI+ e dos direitos humanos dessa população, as conquistas começam em 2009, quando a população Trans – travestis e transexuais – conseguiu, por meio de muitas reinvindicações, a aprovação da Portaria nº 1.820/2009, que instituiu o direito ao uso do nome social nos serviços de saúde em todo o Brasil.
Em 2010, aqueceu-se um debate sobre a adoção por casais LGBTI+, reconhecida como adoção homoparental em 2015, pelo STF. Esse mesmo tribunal, , em 2011, reconheceu à união civil mediante a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277, concedendo os mesmos direitos e deveres de casais heterossexuais em relação à união estável por casais LGBTI+.
Em 2018, também no STF, seria aprovado o direito à retificação de gênero em documentos oficiais no Brasil, que concedia o direito de travestis e transexuais de corrigirem seus nomes no registro civil a partir de 18 anos de idade, sem a necessidade da cirurgia de redesignação sexual. Além disso, nesse mesmo ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciava um marco fundamental no reconhecimento dessas identidades com a retirada da transexualidade da lista de transtornos mentais (mesmo que a mantendo no mesmo cadastro de doenças, integrando o capítulo de “condições relacionadas à saúde sexual”, classificada como “incongruência de gênero”).
Em 2019, em mais um marco histórico, era aprovada no território brasileiro a criminalização da LGBTIfobia, comparada ao crime de racismo por meio da Lei nº 7716/89. Foram mais de 519 anos para o Estado brasileiro reconhecer a violência sofrida por essas pessoas, e uma legislação que não partiu do Executivo, mas do judiciário, pelo STF. Até junho de 2019, não existia nenhuma tipificação penal no Brasil contra quem praticasse crimes contra pessoas motivamos ódio e preconceito contra formas de orientação sexual ou identidade de gênero diversas da heteronormatividade e cisnormatidade. Por fim, em 2020, em decisão histórica, o STF derruba a restrição da resolução RDC n° 34/14 da ANVISA, que proibia a doação de sangue por pessoas LGBTI+ no Brasil.
Em um país marcado pela violência do racismo, do sexismo, e da LGBTIfobia estruturais, essas legislações representam um tensionamento fundamental diante do Estado e da sociedade brasileira, e que impactam no executivo. São correlações de forças necessárias por parte desses sujeitos, visto que, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é um dos países em que mais são assassinadas pessoas LGBTI+. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), houve, em 2020, um aumento de 48%, no primeiro quadrimestre, no número de travestis e transexuais assassinadas em relação ao mesmo período do ano passado.
Em tempos de COVID-19, temos que pensar a realidade social dessa população. Cotidianamente, travestis e transexuais são expulsas do mercado de trabalho. Segundo a ANTRA, 90% delas estão na prostituição e 5% no mercado de trabalho informal. Mas o exílio para população travesti e transexual não é apenas no trabalho, elas, em grande parte, são expulsas de casa e da escola. As violências são latentes e múltiplas contra seus corpos. E se intensificaram em tempos de pandemia da COVID-19, onde se avivam as violências intrafamiliares contra as pessoas LGBTI+. Para muitos, o isolamento social pode representar uma verdadeira tortura diante do preconceito e dos estigmas que vivem cotidianamente.
Mesmo diante de tudo isso, o desgoverno federal não adotou nem uma medida de atenção à população LGBTI+ frente à pandemia da COVID-19, mas não poderíamos esperar nada desse governo da morte, genocida, que se elegeu através da disseminação constante do ódio contra esse segmento. Muitas das ações para essa população em tempos de pandemia vieram da solidariedade de membros da sociedade civil organizada.
Nesse sentido, colocam-se como desafios à população LGBTI+ no cenário brasileiro, juntamente com outras organizações sociais, lutar contra as principais contrarreformas realizadas desde o governo de Michel Temer, após o ano de (2016-2018) até o atual governo de Bolsonaro. São desafios as investidas, por parte do governo federal, contra os direitos sociais e trabalhistas que atingem de forma acentuada a população LGBTI+, como a Emenda Constitucional nº 95, aprovada em 2016, e a Reforma Trabalhista no Brasil, aprovada no ano de 2017, que acarretaram mudanças profundas na Consolidação das Leis trabalhistas (CLT), materializada na Lei Nº 13.467 de 2017, assim como a Reforma da Previdência em 2019, no primeiro ano de atuação do presidente Jair Bolsonaro.
São tempos de muitos desafios. O avanço e o recrudescimento do neoconservadorismo representa a face mais vital da crise capitalista, precisamos urgentemente estar atentos a essas contrarreformas. Nenhum passo atrás a essa ofensiva racista, hetero-patriarcal e sexista do capital.
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