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MUNDO

O racismo saiu à rua, devemos voltar a confiná-lo

Manuel Afonso, de Lisboa, Portugal

O partido Chega, de direita, que no ano de 2019 foi formado e conseguiu eleger um deputado, o ex-PSD André Ventura, convocou para o passado dia 27 uma manifestação nas ruas de Lisboa sob o mote “Portugal não é Racista”. O verdadeiro carácter, racista e neo-fascista, desta manifestação dificilmente pode ser negado. Basta dizer que, junto com o Chega, ele foi organizado por organizações e figuras abertamente neo-nazis, como Mário Machado, que já foi condenado e preso por roubo, sequestro e discriminação racial, e que foi, na verdade, quem lançou nas redes sociais inicialmente o apelo à manifestação.

As saudações fachistas feitas por vários manifestantes, incluindo André Ventura, tão pouco deixam disfarçar a face fascista e racista desta iniciativa. O próprio mote da manifestação é tipico da expressão que o Racismo costuma tomar no nosso país: o da negação do racismo estrutural em Portugal. Logo no país que foi o que mais pessoas escravizadas transportou, que teve o colonialismo europeu em África que durou até mais tarde e que é apontado por diversos estudos internacionais como um dos que mais tem violência policial racista. Esta negação da luta e das exigências antirracistas da população racializada no nosso país é ela mesma uma evidente violência racista. O discurso final de Ventura, que apontou o dedo às “minorias” completou o quadro da manifestação racista.

Deputado português André Ventura faz saudação fascista em manifestação da direita em Lisboa no dia 27/06

De salientar a forma distinta como a imprensa noticiou a manifestação antirracista de 6 de Junho e como noticia agora esta manifestação. Na primeira, não só não passou a mensagem clara das reivindicações do movimento negro, como falou maioritarimente no não cumprimento do distanciamento social e na Covid-19. Por sua vez, na manifestação racista e neofascista de dia 27 de Junho, a cobertura jornalística foi de normalização do protesto, passando a mensagem do Chega, ficando desta vez praticamente ausente as referências ao distanciamento social e à Covid-19. Esta é também uma forma de racismo da comunicação social – a forma como noticia um acontecimento.

As várias centenas, talvez um milhar, de manifestantes que seguiram o apelo de Ventura foram trazidos de vários pontos do país em autocarros. Trata-se, na verdade, da maior manifestação da extrema-direita em várias décadas no país. Expressa uma ascensão global da extrema direita e do racismo, que surge pela mão do neo-fascismo, mas igualmente pelo discurso midiático ou pela repressão policial, que apresenta e culpa os bairros da periferia de Lisboa, onde vive sobretudo a população pobre e racializada, pela progressão do Covid-19. Assim, a esquerda, os movimentos sociais e todos e todas os que lutam pela liberdade e direitos democráticos, têm de ver esta mobilização com a maior apreensão. Por outro lado, a verdade é que Ventura e os seus amigos neo-nazis esperavam muito mais participantes. A manifestação, que surgiu como resposta à gigantesca mobilização anti-racista de 6 de junho, teve cerca de um décimo dos participantes desta última. Isso não deve levar ao relaxamento, mas sim incentivar a luta anti-racista e a unidade do movimento social contra o racismo, o neo-fascismo e a brutalidade policial. Pois fica demonstrado, ao contrário do que é dito, abertamente ou não, por muitos, que não é a luta contra o racismo e pela descolonização interna que dá força ao racismo. Pelo contrário, é a partir dela que podemos unir as forças que irão impedir o neo-fascismo de ganhar a hegemonia nas ruas.

É por isso essencial redobrar a luta, unindo os movimentos sociais, a classe trabalhadora e a esquerda na luta contra o fascismo, o racismo e pelos direitos sociais e democráticos. Exigir ao Governo, que gosta de aparecer como democrático e porgressista, mas mantém uma absurda neutralidade no debate sobre o racismo, medidas concretas de combate ao racismo institucional, é um primeiro passo. Pois é do racismo que atravessa o sistema educativo, judicial e as polícias portuguesas, que o neo-fascismo se alimenta.

Para minar a ascensão da extrema-direita, desmontar o racismo institucional é essencial. A luta contra a violência policial nos EUA e a forma como colocou o governo Trump na defensiva é disso exemplo. Por isso, a unidade anti-fascista e a exigência ao Governo de medidas como a alteração da lei da nacionalidade, pela descolonização dos manuais escolares, pela legalização de todos os imigrantes ou pelo fim da impunidade dos casos de racismo e violência policial, devem andar de braço dado. Caso avancemos nesse sentido, podemos, unidos, remeter para o caixote do lixo da História Ventura e os seus restantes aliados fascistas.