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BRASIL

Manter as academias fechadas é questão de saúde pública

Lucas Fagundes, Porto Alegre, RS
Fernando Frazão/Agência Brasil

Academia de ginástica fechada no Rio de Janeiro

O Brasil é um país complexo pelo seu tamanho, diversidade e pela sua formação histórica e em meio a maior pandemia dos últimos 100 anos e que já infectou quase 10 milhões de pessoas no mundo todo nos vemos em meio a opiniões confusas e diversas. Enquanto o Presidente e sua equipe defendem que temos uma “gripezinha”, há na sociedade brasileira uma campanha contra a desinformação e que visa combater essa realidade lunática que vive Bolsonaro. 

Necessariamente esse não é um texto contra Bolsonaro, por mais que eu saiba que ele não tenha feito nada para combater a Covid-19 e isso é um projeto, vou basear a resposta ao título nas linhas abaixo, com base em informação e ciência. 

Como estudante de Educação Física e apaixonado por esportes me senti na responsabilidade de expor aos meus futuros colegas e aos atuais Professores e Profissionais de Educação Física a minha opinião sobre a reabertura das academias e semelhantes. Brevemente, em algumas respostas, procurarei desfazer essa inversa lógica de que as academias são serviço essencial.

Para começarmos essa discussão é bom que façamos um panorama geral da nossa emergência de saúde pública. O Brasil e os EUA foram os dois países que menos conseguiram controlar o contágio do vírus e de acordo com a Universidade John Hopkins hoje somam juntos quase 50% dos casos no mundo, além de quase 1/5 de todas as mortes. Obviamente, isso não é acaso. 

O Brasil não fez um lockdown nacionalizado (ainda) e nem espero que faça. Alguns estados do Brasil foram obrigados a fazer, como foi o caso do Pará. Curioso é que justamente os Governadores que diziam serem antagônicos ao Presidente na gestão da crise, mesmo com a necessidade urgente de restrição de pessoas, não adotaram o lockdown. 

Isso nos coloca em desvantagem no combate ao vírus por vários fatores e digo isso baseado na materialidade da eficiência do lockdown em vários países do mundo como China, Alemanha, França, Espanha e Itália. Entretanto, somente o lockdown não é a solução e por isso precisamos de responsabilidade social. 

Na França, por exemplo, além do Lockdown o governo abonou o pagamento das contas de água, gás, luz e aluguel durante 45 dias. Mesmo assim, com suspensão de transporte público, de serviços não essenciais e as medidas citadas acima, o país conviveu com um colapso no sistema de saúde, mas numa escala muito menor. 

Depois da eficiência no combate ao vírus, os países que já superaram a primeira onda voltam aos poucos à normalidade e com cautela já que o vírus permanece e pode gerar novos surtos e ondas de contágio como aconteceu em Portugal, na própria França e na China. Ou seja, lockdown não se trata de hipocrisia ou “exagero” como diz nosso Presidente, mas sim de uma medida necessária, urgente e eficaz. 

Hoje, no Brasil, estamos discutindo a reabertura de setores da economia por uma pressão invisível dos empresários e milionários. Do ponto de vista econômico, não há dúvidas de que o Brasil vive um colapso que não vem de hoje e é resultado de diferentes políticas de austeridade fiscal. Do ponto de vista sanitário é um caos, é assinar a morte de centenas de milhares de brasileiros, é chancelar o primeiro lugar de país mais ineficiente no combate a Covid-19. E digo o por que:

1 – Por que reabrir agora é precipitado?

Precisamos partir de alguma referência e a que escolhi foi a OMS (Organização Mundial da Saúde) e seus critérios para flexibilizar a quarentena. São seis critérios rígidos exigidos para que a flexibilização possa ser colocada em prática: 1) sistema de saúde capaz de tratar, isolar e testar todos que têm contato com o vírus; 2) Garantir ambientes de trabalho mais seguros contra a transmissão; 3) Conseguir lidar com casos importados; 4) Controlar os riscos de surtos em locais sensíveis como hospitais, postos de saúde, academias e etc.; 5) Medir a consciência da população em prevenir o contágio e conter o vírus; 6) Taxa de contágio precisa estar em queda.

Qual desses critérios o Brasil atende?

2 – Por que as academias não são serviços essenciais? 

Consideramos serviços essenciais os indispensáveis à vida e a melhora na qualidade de vida. A primeira certeza que temos é que os ambientes de academia geram uma pressão estética sobre os alunos e vão na contramão da qualidade de vida. A segunda certeza é que os alunos não necessitam do ambiente com os equipamentos para se exercitarem, inclusive segundo o CDC(Centers for Disease Control) os ambientes ao ar livre são os que menos temos chances de infecção. A terceira certeza é que as duas anteriores atestam que se não cumprimos os critérios da OMS, e sabemos que academias não são indispensáveis à vida, iremos aumentar e muito as chances de que os espaços de treinamento sejam novos surtos locais de contágio.

3 – Por que reabrir as academias é mais contraditório ainda?

Não há argumento lógico que defenda a reabertura das academias nesse cenário. Em entrevista pra o noticiário Vox, a Dra. Saskia Popescu que é epidemiologista e especialista em infecções e biodefesa disse: “podem ser lugares difíceis para se manter distanciamento social, e a frequência de contato com superfícies e equipamentos compartilhados faz com que elas sejam especialmente desafiadoras para os esforços de prevenção da infecção”.

Um estudo publicado na German Journal Sports Medicine mostrou que os riscos de infecções virais e respiratórias já era um perigo nas academias observado desde 2018. Outro estudo publicado na Clinical Journal Sports Medicine mostrou que 63% dos objetos inanimados de uma academia estavam contaminados com a Covid-19. 

 

Chegamos a um ponto na crise brasileira em que defender o óbvio nos torna exótico, estranho e diferente. Vivemos um período duro, de negação à ciência, à informação, a educação e a cultura. Mesmo assim, resistiremos. Esse texto serve para que saibamos diferenciar nossas urgências e nossas tarefas secundárias. 

Não nos cabem mais ações para naturalizar o vírus, o contágio, a letalidade e tudo mais. Nunca foi sobre números econômicos, mas sim sobre números de vidas. Passamos dos 55 mil mortos, com crescimento no número de contágios e mortes e o colapso de saúde atingindo vários estados. Não podemos achar que nossa saída é reabrir academias, shoppings e bares. 

Testes em massa, lockdown e políticas públicas governamentais de combate ao vírus são o que vai salvar nosso país de um trauma duro. Hoje naturalizamos as 55 mil vidas perdidas, mas no fim desse tsunami de notícias doídas de engolir sentiremos a falta de cada um e cada uma. Que não sejamos nós os responsáveis desse genocídio!

 

Referências:

https://www.vox.com/2020/5/8/21249880/coronavirus-testing-covid-reopening-economy-lockdowns-social-distancing

https://www.vox.com/2020/4/29/21238880/gyms-reopening-georgia-coronavirus-risk

https://www.germanjournalsportsmedicine.com/archiv/archive-2020/issue-5/sport-exercise-and-covid-19-the-disease-caused-by-the-sars-cov-2-coronavirus/

https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/prevent-getting-sick/how-covid-spreads.html

https://www.revistabula.com/31619-estudiosos-indicam-que-depois-de-hospitais-shoppings-e-academias-sao-os-piores-locais-de-contagio/

https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/mundo/lockdown-so-funciona-se-acompanhado-de-acoes-mais-drasticas-1.2248628

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/06/24/duas-escolas-primarias-fecham-em-paris-apos-registrarem-casos-de-coronavirus.htm

https://oglobo.globo.com/mundo/portugal-retoma-medidas-de-confinamento-em-lisboa-que-enfrenta-novo-surto-de-infeccoes-por-coronavirus-24498876

http://portalprojeta.com.br/2020/06/09/oms-lista-criterios-para-flexibilizacao-da-quarentena/