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MUNDO

Bernie Sanders deve abraçar a exigência para desinvestir na polícia

Maegan Day, articulista da Jacobin. Tradução: Marcio Musse

Desinvestir na polícia significa reduzir os orçamentos policiais locais inchados e desviar os recursos para programas sociais. Politicamente, está na reta de Bernie. Ele deveria abraçar essa bandeira.

Nesta semana, Bernie Sanders, agora fora da disputa pela candidatura à presidência do Partido Democrata, expressou algum ceticismo sobre a exigência de desinvestir na polícia em uma entrevista ao New Yorker. Essa demanda se tornou uma palavra de ordem pelos protestos contra a brutalidade racista da polícia surgidos na sequência dos assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor. Mas, embora Sanders tenha ecoado alguns dos principais conceitos que animam esta demanda – como redirecionar serviços de saúde mental e dependência a agências não policiais – ele não deu explicitamente sua aprovação.

Sanders não falou diretamente que não devemos desinvestir na polícia, embora ele tenha dito que os policiais deveriam ser bem pagos. Em vez disso, ele discordou da ideia de que os departamentos de polícia devessem ser abolidos, o que ele pareceu confundir com o desinvestimento. O entrevistador também se confundiu em sua pergunta, perguntando: “Muitas pessoas no movimento progressista agora estão pedindo por um des-financiamento ou abolição da polícia. E você -” ao que Sanders respondeu: “Se eu acho que não devemos ter departamentos de polícia na América? Não eu não acho. Não há cidade no mundo que não tenha departamentos de polícia”.

Uma das forças políticas de Sanders é sua capacidade de identificar demandas ambiciosas o suficiente para elevar as expectativas das pessoas comuns e transformar a maneira como elas pensam sobre a relação entre política e seu cotidiano, mas de forma que não pareçam impossíveis ou incapazes de ressonar. Sanders sempre caminhou com cuidado pela corda bamba de tentar expandir a imaginação das pessoas sem perder credibilidade ou confiança popular.

Essa orientação em relação às reformas é precisamente o motivo pelo qual ele deveria abraçar publicamente a bandeira de desinvestir na polícia.

Dois passos à frente

Os protestos em massa atualmente em andamento são os mais difundidos na história dos EUA. A maioria dos americanos os apóia, e sua popularidade continua a crescer. Claramente, a brutalidade policial racista é uma questão extremamente mobilizadora para o público americano.

E as pessoas não estão apenas furiosas: parece que também estão prontas para novas soluções aos problemas causados ​​pelo policiamento. As placas tectônicas estão se deslocando rapidamente. Membros da câmaras municipais estão adotando a idéia de cortes no orçamento da polícia e até, no caso de Minneapolis, “desmantelando” a polícia. Os sindicatos de professores de Chicago e Los Angeles, os dois sindicatos de professores mais militantes do país, estão falando sobre o desinvestimento na polícia e exigindo a dissolução do departamento de polícia escolar, respectivamente.

Como Bernie Sanders bem sabe, é politicamente estratégico estar dois passos à frente das pessoas, e não vinte. Mas, mesmo os que defendem a abolição da polícia e da prisão, geralmente admitem que a maioria das pessoas ainda não aderiu à abolição da polícia, mas cortar os orçamentos da polícia local não parece estar além dos limites.

Não há nada particularmente difícil de explicar sobre o conceito de gastar menos com a polícia e mais em programas sociais vitais que estão subfinanciados. O estado policial maciço e violento dos Estados Unidos vazou pelas lacunas deixadas pela ausência de uma assistência estatal ampla e dinâmica. Foi desenvolvido na tentativa de ocultar e gerenciar mal as consequências da desigualdade sem fazer nada para aliviá-la, tendo de fato a piorado ativamente.

Sanders é o principal proponente neste país para reverter a maré de austeridade e criar programas social-democratas para todos. Não seria nenhum esforço para ele aderir à campanha de cortar o financiamento da polícia e financiar a provisão coletiva de necessidades básicas.

Nas principais cidades do país, especialmente nas cidades com grandes populações negras, os departamentos de polícia consomem mais recursos do que qualquer outra coisa. Muitos departamentos de polícia recebem muito mais recursos do que outros serviços públicos combinados. Comparadas às despesas policiais, as principais cidades gastam quase nada em alternativas de segurança pública não policiais, como infraestrutura de resposta a crises de saúde mental e programas públicos em geral, como escolas públicas, moradia, saúde, parques, bibliotecas e arte e cultura.

Simplificando, desinvestir na polícia significa reverter essas prioridades. E revertê-las não é mais radical do que deixá-las como estão. É apenas mais racional e humano, como o próprio Sanders poderia dizer.

Além disso, reduzir o estado carcerário libertaria a classe trabalhadora para se colocar em outras esferas da sociedade. Veja, por exemplo, novas pesquisas que mostram que as taxas de encarceramento estão significativa e negativamente associadas às taxas de organização do local de trabalho. Incentivar a classe trabalhadora a se organizar e lutar por si mesma é a essência do projeto político de Sanders. Criar alternativas de segurança pública que não tenham efeito disciplinador na organização da classe trabalhadora e não intimide as pessoas da classe trabalhadora a se submeterem se encaixa na agenda de Sanders.

Se Sanders saísse e pedisse o desinvestimento da polícia, isso não representaria um desvio em sua política – mostraria que ele continua mantendo o dedo na ferida.

Uma proposta de senso comum

Tanto republicanos quanto democratas conservadores estão seguindo o caminho de tentar enquadrar a exigência de desinvestir na polícia como um referendo sobre a existência ou não da polícia, porque acham que o debate dessa forma estaria inclinado a seu favor. Mas, embora os defensores do fim da polícia possam achar estrategicamente útil enfrentá-los nesse terreno ideológico, não há razão para Sanders, que desempenha uma função política diferente, tratar a demanda da mesma maneira.

Sanders poderia apresentar como uma proposta de senso comum a criação de novos programas que promovam o bem-estar social, ao mesmo tempo financiar adequadamente os que já existem, transferindo responsabilidades e fundos de departamentos policiais inchados. Está diretamente em sua diretriz: ele argumenta sobre o orçamento militar o tempo todo.

A exigência de desinvestir na polícia pode abrir as portas para uma conversa mais ampla sobre a necessidade e a justiça do policiamento de qualquer tipo, e é por isso que os defensores do fim da polícia a levantam há décadas e continuam o fazendo. Mas, num sentido imediato, a demanda não exige a solução dos dilemas de uma hipotética sociedade futura. Na prática, significa transferir orçamentos dos departamentos de polícia para outros programas públicos que melhorarão vidas, estabilizarão comunidades, reduzirão a violência e criarão uma sensação geral de segurança e bem-estar que o policiamento não pode atender.

Milhões de pessoas confiam e ouvem Bernie Sanders. Ele seria um excelente porta-voz – não uma voz solitária, mas uma voz popular e bem posicionada – para a demanda de cortar gastos policiais e aumentar gastos sociais.

O dinheiro público está sendo canalizado para lugares errados, de maneiras que colocam as pessoas comuns em risco, ao invés de beneficiá-las. Em vez disso, deveríamos usar esses recursos para criar grandes programas sociais universais idealmente bem financiados em educação, saúde e moradia, e tributar os ricos para arrecadar mais dinheiro para esses programas durante sua execução.

Parece algo que Bernie Sanders tranquilamente poderia falar.