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MOVIMENTO

As vitórias estudantis contra o ensino remoto na Unicamp e os próximos passos da luta

A implementação do ensino remoto na Unicamp

Geovana Marchezoni e Milena Cicone, de Campinas, SP

Desde o dia seguinte à declaração de pandemia pela COVID-19, feita pelo diretor geral da OMS em 12 de março, a Unicamp mantém suas atividades presenciais suspensas e, a partir de então, as atividades acadêmicas têm se sustentado de forma remota.

O processo de decisão sobre a continuidade do semestre foi feito majoritariamente através das GRs (resoluções do Gabinete do Reitor), e os espaços institucionais destinados às discussões foram poucos, insuficientemente amplos, e com tempo muito escasso. É importante destacar ainda que, mesmo nos momentos em que as GRs passaram por discussão e votação no Conselho Universitário (CONSU) e na Comissão Central de Graduação (CCG), a reitoria de Marcelo Knobel se colocou intransigente frente às propostas da representação discente.

Ainda assim, conseguimos avanços importantes. O conjunto das GRs da reitoria estabelece: (1) o aumento em 1 ano o prazo da integralização, (2) a possibilidade do estudante escolher quais notas entrarão no cálculo do CR e (3) a liberação do trancamento do semestre aos ingressantes. Além disso, permite a adoção de conceitos S (suficiente) ou I (insuficiente) na avaliação das disciplinas. Depois de muita luta da representação discente e de alguns docentes na CCG, conquistamos também a possibilidade de avaliação por conceito F (falta informação), que evita a reprovação dos estudantes ao deixar a avaliação em aberto, a ser concluída após o fim do semestre. Essas são medidas importantes que minimizam os danos da política desastrosa adotada pela universidade, mas, ao mesmo tempo, estabelece a continuidade do semestre letivo e coloca a permanência dos estudantes bolsistas em risco: se não conseguem acompanhar o semestre, se veem diante da escolha entre reprovar ou trancar e perder suas bolsas, já que são obrigados a manter vínculo com a universidade.

Falta de democracia nas instâncias da universidade e os problemas do ensino remoto

As contradições evidentes da política proposta pela reitoria é consequência da forma como o ensino remoto foi implementado na Unicamp, refletindo a profunda falta de democracia nos espaços institucionais da universidade, que, com a suspensão das atividades presenciais, se tornam ainda mais importantes. Nesse momento, os estudantes não podem  ocupar os campi com luta e resistência ou colocar suas reivindicações em cartazes pela universidade, de modo que a representação discente passa a cumprir um papel ainda mais essencial como ponte entre as reivindicações dos estudantes e a reitoria/direções dos institutos.

A falta de espaços amplos para o debate sobre o prosseguimento do semestre letivo de forma remota, onde as propostas dos estudantes pudessem ser realmente consideradas e discutidas, culminou em um semestre confuso para a maioria da universidade. Somado à isso, há profundos obstáculos à realização de um semestre dentro da normalidade, com o aprofundamento da crise econômica que leva milhões ao desemprego, complicações de saúde mental como ansiedade e exaustão, o trabalho triplicado de professoras, funcionárias e estudantes que são mães e que agora precisam trabalhar em casa, cuidar de seus filhos e auxiliá-los nos estudos, enquanto dão conta dos próprios cursos.

Além disso, os estudantes indígenas, negros e negras, são os mais prejudicados, com acesso à saúde de qualidade e direito à quarentena negados pelo Estado, que os matam dentro de suas casas, invadem suas comunidades e assassinam suas lideranças. Infelizmente, os problemas que os estudantes da Unicamp enfrentam vão muito além do acesso à equipamentos e internet para estudo, e não podem ser supridos pelo empréstimos de computadores, tablets e chips pela reitoria.

É possível avançar: os avanços conquistados pelos estudantes

 Apesar das GRs da reitoria, que regulam o ensino remoto na universidade, os institutos e faculdades tiverem liberdade para pensar e decidir as especificidades da continuidade do semestre em seus próprios cursos. Assim, as Congregações se tornaram um palco muito importante de disputa sobre o futuro dos estudantes. Infelizmente, com a representação discente em minoria absoluta nesses espaços, pouco se avançou sobre medidas inclusivas e solidárias que não prejudicasse os estudantes em um momento já muito difícil. Mas não podemos perder de vista que é sim possível uma outra forma de seguir o semestre. Trazemos aqui dois exemplos de Congregações que, com a participação dos estudantes, apontaram um outro caminho: a da Faculdade de Educação (FE) e a do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Depois de diversas movimentação dos estudantes desses institutos, apoiados em seus Centros Acadêmicos e representantes discentes, com assembleias, formulários e cartas, foi possível conquistar avanços importantes. As congregações do IFCH e da FE decidiram por orientar seus professores a não reprovarem nenhum estudante, adotando nas avaliações apenas o conceito S (aprovado) ou F (falta informação – não é considerada reprovação), na qual a nota seria recuperada posteriormente.

No caso do IFCH, em uma sessão de congregação com 150 pessoas, foi aprovado também a criação de um Grupo de Trabalho paritário (mesmo número de estudantes, funcionários e professores), com representação do Núcleo de Consciência Negra da Unicamp e da Pós-Graduação, que acompanhasse e formulasse propostas acerca do ensino remoto remoto no instituto.

Na FE, a discussão do segundo semestre avançou de forma importante e foi deliberado que não serão oferecidas disciplinas obrigatórias no segundo semestre, apenas aquelas necessárias para a formação dos estudantes de último ano. Acreditamos que essas medidas nos dão uma base importante para pensar outra forma de seguir o semestre, que leve em conta as dificuldades impostas pelo momento e busque não aprofundar as desigualdades já existentes na universidade.

Os próximos passos da luta contra o ensino remoto

Essas foram vitórias importantes e, mesmo que tenham limites, apontam que é possível romper com a lógica de normalidade que a reitoria de Knobel impõe. Não podemos perder de vista que todas as medidas apontadas pelas GRs (sobre a integralização, o CR, a adoção de conceitos, entre outros) são válidas apenas para o primeiro semestre. Ao que tudo indica, em alguns meses, essas discussões voltarão às instâncias da universidade, para que se decida sobre o funcionamento do segundo semestre. Enquanto estudantes, fizemos a experiência com o primeiro semestre online e vimos o quanto ele afeta a qualidade de ensino, reproduz as desigualdades sociais e aprofunda os problemas de saúde mental. Quando as discussões sobre o próximo chegarem, devemos estar preparados para, juntos, colocar nossas demandas e necessidades. 

Entre elas, defendemos que nenhum estudante seja reprovado pela dificuldade de acompanhar um semestre online diante de um período de tantas incertezas, preocupações e dificuldades. Reivindicamos a aprovação de todos estudantes por conceito S, para que nenhum CR seja afetado, e a manutenção da possibilidade de trancamento do segundo semestre por parte dos ingressantes. Em um momento de excepcionalidade, os bolsistas devem poder manter suas bolsas, ainda que tenham que trancar seu semestre por quaisquer dificuldade que os impeçam de seguir. Temos dito isso nos últimos meses, mas não podemos deixar de dizer novamente: não vivemos em um período de normalidade. Por isso, o semestre deve ser reduzido, sem a oferta de disciplinas obrigatórias, apenas aquelas voltadas aos formandos dos cursos. 

Sabemos que a estrutura da universidade não quer se abrir às reivindicações dos estudantes. Pelo contrário, a reitoria de Knobel se mantém através do discurso que, independentemente dos inúmeros problemas que a pandemia nos traz, devemos seguir produzindo. Mas, para nós, em momento que o país chega a mais de 1 milhão de infectados e 50 mil mortos, não podemos seguir na normalidade. Nenhum estudante pode ficar para trás e, por isso, nossa aposta é a luta coletiva e solidária. É de extrema importância que todos estudantes participem nos espaços de discussões acerca das atividades remotas, desde as reuniões e assembleias online dos centros acadêmicos, até os espaços institucionais de comissões de graduação e congregações. Que se auto organizem através dos grupos de redes sociais, se mobilizem e planejem suas intervenções, para que suas demandas sejam ouvidas e acolhidas. Nenhum estudante fica para trás.

 

Geovana Marchezoni é coordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Humanas e Representante Discente da Comissão de Graduação de Ciências Sociais

Milena Cicone é coordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Humanas, Representante Discente da Comissão Central de Graduação da Unicamp e parte da Coordenação Nacional do Afronte