Revolução em um mundo em aquecimento
Lições da Revolução Russa para a Revolução Síria*
Por Andreas Malm**
Não é preciso muita imaginação para associar mudança climática com revolução. Se a ordem planetária sobre a qual todas as sociedades são construídas começa desmoronar, como elas podem permanecer estáveis? Vários cenários de cataclismas, alguns mais assustadores, outros menos, foram hipotetizados a partir de temperaturas elevadas e crescentes. Em seu romance The Drowned World (O Mundo Submerso), de 1962, frequentemente considerado como o primeiro trabalho profético de ficção climática, J.G. Ballard pressupôs o derretimento de calotas de gelo, uma Londres submersa em pântanos tropicais e populações fugindo do calor insuportável em direção a redutos polares. A direção da ONU que procurava administrar os fluxos migratórios supunha que “dentro dos novos perímetros descritos pelo Círculo Ártico e Antártico, a vida continuaria como antes, com as mesmas relações sociais e domésticas, em geral as mesmas ambições e satisfações” – mas essa suposição “era obviamente falaciosa”. Um mundo inundado não seria em nada, parecido com o mundo conhecido até agora.
Em anos mais recentes, o establishment militar americano dominou esse subgênero da projeção climática. Eventos climáticos extremos – o Senado entendeu, com a edição de 2013 de uma “avaliação mundial de ameaças” compilada pela comunidade de inteligência dos EUA -, que tais mudanças climáticas colocarão os mercados de alimentos sob sérias dificuldades, “provocando tumultos, desobediência civil e vandalismo”. Se as forças armadas atuam como bombeiros para reprimir surtos de rebelião, sua carga de trabalho aumentará em um mundo em aquecimento. Prosseguindo com seu interesse consistente e sincero pela questão, em um forte contraste com o negacionismo da direita americana, o Pentágono enviou um relatório ao Congresso em julho de 2015 detalhando como todos os comandos estão agora integrando a mudança climática em seu planejamento. O “multiplicador de ameaças” já está em ação, desestabilizando governos frágeis, colocando as populações contra governantes incapazes de atender às suas necessidades: e isso só vai piorar. A maior parte acontecerá em litorais superlotados. Em Out of the Mountains: The Coming Age of the Urban Guerilla, (Fora das Montanhas: a era vindoura da guerrilha urbana), David Kilcullen, talvez o mandarim mais astuto da ala militar do império, prevê um futuro próximo de megacidades no Sul Global, completamente lotadas de massas inquietas, principalmente em terras costeiras abaixo do nível do mar; as mudanças climáticas não apenas cortarão seus suprimentos de comida e água, mas também ameaçarão afogar diretamente essas massas. Como tais massas não lançariam mão de quaisquer armas que tenham e começariam a se manifestar? Misturando lições da segunda intifada, das guerras santas (jihads) da Ásia Central, da Primavera Árabe e do movimento Occupy, Kilcullen prevê um século de contra-insurgência permanente em favelas deslizando para o mar.
Até agora, os inimigos declarados da revolução têm dominado esse frenesi de especulação. Poucas informações vieram do outro lado: dos partidários da ideia de que a ordem atual precisa ser derrubada ou a situação vai tomar um curso muito ruim. Mas se o ambiente estratégico da contra-insurgência está mudando, o mesmo acontece – por definição – com os revolucionários, que então têm uma razão igualmente convincente para analisar o que lhes está reservado. O desequilíbrio na quantidade de preparação é gritante. Aqueles que juram lealdade à tradição revolucionária – em cuja mente coletiva a experiência de 1917 provavelmente sempre é relevante – devem ousar usar sua imaginação de maneira tão produtiva quanto qualquer escritor de relatórios de inteligência ou obras de ficção. Pode-se começar distinguindo entre quatro configurações possíveis de revolução e ondas de calor.
Revolução Como Sintoma
Como o aumento da temperatura pode se transformar em turbulência social? Em uma série de artigos que causaram alvoroço na comunidade de pesquisadores, Solomon M. Hsiang e seus colegas coletaram cerca de cinquenta conjuntos de dados cobrindo 10.000 anos de história mundial, alimentaram os números em seus modelos de computador e descobriram um elo direto do calor para várias formas de confronto. Em todas as escalas e em todas as culturas, o clima anormalmente quente induz tempos de hostilidades, brutalidade policial, arremessadores de beisebol atingindo rebatedores, tumultos urbanos e, no final do espectro, a “remoção forçada de governantes”. De alguma forma, o calor excepcional incita um comportamento mais controverso nos indivíduos, e o efeito é três vezes maior para o “conflito entre grupos”, a caixa na qual o fantasma da revolução aparece. Reivindicando robusta prova quantitativa de causalidade, Hsiang et al. seguem em frente para concluir que, se o passado é algo a ser superado, um século XXI mais quente verá todo tipo de conflito — “o futuro não reserva mais nada além de confronto”, eles poderiam ter citado as linhas de abertura da faixa “Apocalypse 91” do grupo de Rap, o Public Enemy.
Naturalmente, os críticos têm mirado a simplicidade ilusória desta tese. Ao colocar todas as outras variáveis entre colchetes – um pré-requisito para isolar o fator clima – Hsiang e seus colegas efetivamente inventam um mecanismo monocausal unilinear: mau tempo – conflito. Essa crítica poderia ter dado um passo adiante. Se existe alguma ligação entre a mudança climática e o tipo de agitação que pode fazer surgir uma revolução já plenamente estabelecida, ela não pode, provavelmente, ser imediata. Por mais turbulento e arrebatado que seja ninguém jamais entrará em greve ou atacará uma delegacia de polícia apenas por se sentir agitado. Tem que haver um dano pré-existente para ser resolvido, algum tipo de raiva fervente levada a um ponto de ebulição, pois, caso contrário, a agressão seria completamente aleatória e, portanto, incapaz de alimentar uma ação coletiva de qualquer significado (excluindo buzinar de forma agressiva). A metodologia estatística de Hsiang et al., na qual tudo, menos o clima, é relegado à categoria morta de ceteris paribus (tudo o mais permanecendo igual), deve ser invertida: se o objetivo é entender como o aquecimento global pode desencadear discórdia, não deve ser postulado como agindo por conta própria.
Essa crítica, no entanto, também se volta contra alguns dos críticos da tese. Colocando toda a ênfase nas variáveis omitidas por Hsiang et al., uma equipe de pesquisadores argumenta que “provavelmente é mais crítico entender ‘a natureza do estado’ do que o ‘estado da natureza’. Dado que o clima nunca opera isoladamente – essa é a lógica do argumento – não pode realmente ser tão importante. Mas isso é incorrer em erro simétrico, uma distorção da realidade. O fato de que as violentas repercussões do aquecimento global devam ter percorrido caminhos sociais não torna o processo menos poderoso. Sem mediação, a causação exclusiva não pode ser posta como critério para a eficácia das mudanças climáticas em suscitar algo como uma revolução, pois isso pressupõe um planeta vazio, a inexistência de sociedades humanas na Terra. Como existem sociedades – em cuja ausência não teríamos tido a combustão de combustíveis fósseis em primeiro lugar, nem políticas controversas nas ruas ou praças – qualquer faísca climática sempre entrará em combustão por meio das relações entre as pessoas, caminhando para uma explosão. Mesmo as sociedades em ruínas sob quatro graus a mais de aquecimento serão atingidas por desigualdades de poder. O estado crítico da natureza é mediado – de maneira alguma negado – pela natureza do estado. Ou, em suma, é uma questão de articulação. Isso é o que precisa ser entendido e posto em prática.
Esse debate acadêmico agora tem um campo de testes onde as apostas contam em milhões de vidas humanas: a Síria. Nos anos que antecederam a eclosão da revolução de 2011, esse país cambaleou sob uma seca histórica. Sustentando a agricultura da bacia do Mediterrâneo desde tempos imemoriais, um regime relativamente estável de chuvas provindo do mar entre novembro e abril deu lugar abruptamente, na década de 1970, a uma tendência de precipitações cada vez mais inconstantes e períodos de secas persistentes. O local mais afetado foi o Levante, particularmente a área conhecida como Crescente Fértil, e particularmente a parte localizada na Síria. 1998 marcou outra mudança com relação à seca semi-permanente na Síria, cuja gravidade, os anéis concêntricos das árvores revelam, não tem equivalente nos últimos 900 anos. Não apenas as chuvas de inverno falharam, mas as temperaturas mais altas também aceleraram a evaporação no verão, esgotando as águas subterrâneas e os córregos e ressecando o solo. Não há nenhuma explicação natural para a tendência. Só pode ser atribuída às emissões de gases de efeito estufa.
A seca na Síria atingiu seu pico mais alto de intensidade até agora nos anos de 2006 a 2010, quando o céu permaneceu azul por mais tempo do que qualquer um poderia se lembrar. O celeiro das províncias do nordeste do país desabou. Culturas de trigo e cevada diminuíram em mais de 50%; em fevereiro de 2010, quase todos os rebanhos animais haviam sido extintos. Em outubro daquele ano, a calamidade chegou às páginas do New York Times, cujo repórter descreveu como centenas de aldeias sendo abandonadas na medida em que as terras agrícolas se transformavam em um deserto árido e os animais morriam. Tempestades de areia tornaram-se muito mais comuns, e vastas cidades formadas por tendas de agricultores despossuídos e suas famílias surgiram em torno das grandes cidades da Síria. As estimativas variam entre um e dois milhões de agricultores e pastores (de rebanhos de animais) deslocados. Fugindo das terras estéreis, eles se estabeleceram nos arredores de Damasco, Aleppo, Homs, Hama, juntando-se às fileiras de proletários que tentavam ganhar a vida com obras de construção, dirigindo táxis ou qualquer outro trabalho, quase sempre indisponível. Mas eles não estavam sozinhos quanto ao insuportável calor. Devido à seca, os mercados do país exibiram um dos vetores centrais de influência climática sobre os meios de subsistência populares: duplicando, triplicando, aumentando incontrolavelmente os preços dos alimentos.
O que o regime de Bashar al-Assad fez quando o povo sofria? O início do pico da seca coincidiu quase exatamente com um esforço concertado para renovar as bases da classe dominante síria. Após anos de esclerose, Assad e seus cúmplices mais próximos resolveram promover uma nova camarilha de empresários privados, incentivá-los a se apossar de grandes áreas da economia e encarregá-los de lançar uma bonança de acumulação. Enquanto as plantações secavam, o mercado imobiliário passava por booms fabulosos, abriam-se zonas de livre comércio, choveram investimentos do Golfo e do Irã, butiques de luxo e cafés sofisticados surgiam nos centros de Damasco e Aleppo, uma primeira fábrica de carros foi construída, apresentaram-se planos para reconstruir todo o centro de Homs em um modelo copiado de Dubai, com campos de golfe e torres residenciais. Um indivíduo, Rami Makhlouf, proprietário da operadora de telefonia móvel SyriaTel e rei dos capitalistas, supostamente estendeu seus tentáculos em 60% da economia. No campo, o regime aplicou à região desertificada uma nova lei que permitia que os proprietários de terras expulsassem seus arrendatários. Subsídios a combustíveis e alimentos foram cortados. As terras agrícolas do estado acabaram por enriquecer os bolsos de empreendedores privados, a água acabou sendo usada nas sedentas plantações de algodão e em outros projetos inúteis do agronegócio. Em Burning Country: Syrians in Revolution and War (País em Chamas: Sírios em Revolução e Guerra), Robin Yassin-Kassab e Leila al-Shami capturaram a cena após quatro anos de seca extrema: “a escassez de água atormentou as cidades também – durante os meses quentes do verão, as torneiras às vezes jorravam apenas uma vez por semana nas áreas mais pobres, enquanto os gramados dos ricos permaneciam exuberantes e verdes”.
E então a Síria explodiu. Começando em Dera’a – uma cidade no posto avançado do sul do centro agrícola, quase tão fortemente impactado pela seca quanto o nordeste – a revolução síria se destacou na Primavera Árabe por ter sua base fora dos principais centros urbanos. As pessoas que primeiro ousaram marchar, cantando contra Assad e quebrando as vitrines da SyriaTel, viviam em regiões rurais ou em bairros nas periferias das cidades, onde um grande número de migrantes havia se instalado. Quando as manifestações se transformaram em guerra civil em 2012, os rebeldes armados que chegavam às cidades, vindos de suas aldeias libertadas, encontraram o apoio mais ávido precisamente naqueles bairros, em um padrão geográfico que persiste desde então (como em Ghouta Oriental ou Aleppo norte e leste). Olhando para trás, em um ano de revolução em Jadaliyya, Suzanne Saleeby resumiu os efeitos prolongados da seca: “Nos últimos meses, as cidades sírias serviram como conjunturas onde as queixas de migrantes rurais deslocados e residentes urbanos desfavorecidos marginalizados se encontram e questionam a própria natureza e a distribuição de energia“. Combinada com uma série de outras faíscas, a mudança climática, ao que parece, havia acendido o estopim.
Mas para alguns ativistas e estudiosos, esse pensamento é detestável. Francesca De Châtel argumentou contra o ato de atribuir qualquer papel na crise síria ao clima. Para argumentar, ela teve que, primeiramente deixar de lado todos os sinais de que a seca pré-revolução foi sem precedentes e antropogênica. Em vez disso, ela afirma, foi apenas um episódio de rotina em um país acostumado ao clima seco, sem vínculos comprovados com o aumento da temperatura. O aquecimento global não representa nenhuma ameaça séria para os recursos hídricos da Síria – qualquer escassez é obra do próprio regime. Culpar a combustão de combustíveis fósseis é entrar em sintonia com a propaganda de Assad. O papel da mudança climática nessa cadeia de eventos não é apenas irrelevante, é também uma distração inútil, ‘emprestando credibilidade aos esforços do regime para’ culpar os fatores externos por suas próprias falhas’. Resta ainda ser investigado como os revolucionários em campo percebem a situação, mas não é inconcebível que muitos deles concordariam. Estamos combatendo Assad e Makhlouf, não a ExxonMobil ou o carvão chinês!
E, no entanto, o argumento de De Châtel é falho em vários aspectos. Em primeiro lugar, tem como premissa um tipo de negação climática local que não resiste à esmagadora evidência científica. Em segundo lugar, se seguíssemos o princípio de que o aquecimento global não deveria ser responsabilizado pelas misérias às quais os exploradores e opressores locais também fizeram contribuições, então, que o fogo planetário – e, mais precisamente, as pessoas que o acenderam, o mantiveram, e derramam combustível nele diariamente – seriam isentas de culpa com muito sucesso. Em terceiro lugar, e mais importante, as marcas da mudança climática no destino da Síria de forma alguma limpam o passado de Assad. Se o país tivesse sido uma democracia perfeita, na qual as famílias compartilhassem os recursos igualmente e garantisse a distribuição de água e alimentos àqueles que sofreram perdas, a seca ainda poderia ter causado estresse e até fome generalizada, mas não poderia possivelmente ter contribuído para uma revolução. Isso só poderia acontecer porque o impacto climático foi articulado através da formação social que Assad presidia – ou, mais simplesmente, a seca só poderia levar as pessoas à rebelião porque alguns gramados continuavam perversamente exuberantes e verdes. A mudança climática não remove nenhuma das iniquidades do regime: ela se constitui como uma força desestabilizadora em relação às iniquidades do regime.
O Levante já viu uma lógica semelhante acontecer antes. Em Climate of Rebellion in the Early Modern Ottoman Empire (Clima de Rebelião no Início do Império Otomano Moderno), Sam White conta a história de como esse império quase desmoronou no início do século XVII, quando uma série de secas extraordinariamente severas prejudicou o que hoje é o leste da Turquia e da Síria. As secas foram o resultado não do aquecimento global, mas do resfriamento global causado pela queda natural da radiação solar conhecida como Pequena Era do Gelo. Invernos secos e gelados mataram as colheitas e o gado dos camponeses da Anatólia e do Levante – e como o sultão reagiu? Cobrando impostos mais pesados sobre esses camponeses, forçando-os a entregar maiores quantidades de grãos, ovelhas e outras provisões à capital imperial e seus exércitos. No momento em que a fome se espalhava pelas planícies, o poder central se movia para extorquir cada vez mais os camponeses, e foi essa maldição adicional, enfatiza White, que levou os camponeses famintos a se revoltarem. A partir da virada do século, eles atacaram coletores de impostos, invadiram lojas e montaram unidades militares, fundindo-se nos grandes exércitos da rebelião Celali, cujos territórios em um ponto se estendiam de Ankara a Aleppo. O sultão acabou derrotando os Celalis, mas um ciclo de seca – impostos mais altos – rebelião – déficits maiores no aprovisionamento – impostos ainda mais altos continuaram a ocorrer através do Império no século XVII. Em 1648, o sultão e seu detestado grão-vizir foram mortos em uma rara revolta no coração de Istambul, cujos problemas crônicos de suprimento de alimentos, saúde pública e baixos salários foram exacerbados pelo influxo maciço de refugiados da desolada região rural: “quando o povo viu que os favoritos do sultão ainda tinham água enquanto as mesquitas e as fontes secavam, eles se levantaram e forçaram a saída do grão-vizir.”
Podemos assim, propor uma primeira hipótese para uma teoria marxista do confronto social induzido pelo clima. “A forma econômica específica” escreve Marx no terceiro volume de O Capital, “na qual o trabalho excedente não remunerado é subtraído dos produtores diretos determina a relação de dominação e servidão.” Agora, se os produtores diretos experimentam um choque climático que reduz sua capacidade de se reproduzir e, se a apropriação indevida continuar a operar ou até se acelerar, enviando cada vez mais recursos para o topo, é provável que os primeiros citados acima se rebelem. Se eles não podem ordenar que as nuvens se abram, pelo menos podem parar o dispositivo que tira o pouco que lhes resta. Essas são as relações de dominação e servidão através das quais o impacto da mudança climática é fundamentalmente articulado. No caso do Império Otomano, tais relações aconteciam ao longo do eixo dos impostos cobrados dos camponeses e levados para a capital imperial, e o choque era de caráter inteiramente natural. O que podemos esperar em um mundo capitalista se aquecendo rapidamente por causa da queima de combustíveis fósseis? Agora, o dispositivo central parece ser a extração da mais-valia do trabalho produtivo. O choque também é sentido aqui na parte inferior da sociedade?
Há indicações de que um novo ponto de discórdia entre as classes está sendo formado. No relatório “Climate Change and Labour: Impacts of Heat in the Workplace” – (Mudança Climática e Trabalho: Impactos do Calor no Local de Trabalho), várias federações sindicais e agências da ONU chamam a atenção para o que pode ser a experiência mais universal e mais amplamente ignorada do aquecimento global: o ambiente de trabalho está ficando cada vez mais quente. O trabalho físico aquece o corpo. Se ocorrer sob o sol ou dentro de instalações sem sistemas avançados de ar condicionado, temperaturas excessivamente altas farão com que o suor flua mais profusamente e as potências corporais cedam, até que o trabalhador sofra exaustão pelo calor ou pior. Isso não será uma provação ou sofrimento para o desenvolvedor médio de software ou para o consultor financeiro. Mas para as pessoas que colhem vegetais e verduras, constroem arranha-céus, pavimentam estradas, dirigem ônibus, costuram roupas em fábricas mal ventiladas ou consertam carros em oficinas de favelas, já é uma provação e sofrimento; e a maior parte dos dias úteis excepcionalmente quentes são agora de natureza antropogênica. Com cada pequeno aumento nas temperaturas médias na Terra, as condições térmicas em milhões de locais de trabalho em todo o mundo mudam ainda mais, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais, onde a maioria da população trabalhadora – cerca de quatro bilhões de pessoas – vive. Para cada grau, uma parcela maior da produção será perdida, estimada em mais de um terço da produção total após o aumento de quatro graus: nesse calor, os trabalhadores simplesmente não conseguem manter o mesmo ritmo. Ou eles podem? Aqui está uma fonte de inúmeros confrontos, já que os trabalhadores terão que desacelerar e fazer longas pausas, enquanto os capitalistas e seus representantes — como indica todo o seu passado — exigirão que a produção seja mantida (e de preferência acelerada). Em um mundo capitalista mais quente, o dispositivo só pode extrair a mesma quantidade de mais-valia extorquindo a última gota de suor dos trabalhadores, mas do outro lado de algum ponto de inflexão determinado localmente, isso pode não ser sustentável.
Uma revolução dos trabalhadores para ter o direito de repousar na sombra? Provavelmente não. Se o conflito entre as vítimas da seca e o insaciável sultão do Império Otomano foi suficientemente direto e simples, os equivalentes no século XXI parecem ser bem mais complexos. A extração da mais-valia ainda pode ser o dispositivo central, mas os impactos mais explosivos da mudança climática dificilmente serão transmitidos em qualquer linha reta ao longo de seu eixo. Se existe uma lógica abrangente do modo de produção capitalista através do qual as temperaturas crescentes serão articuladas, provavelmente é a do desenvolvimento desigual e combinado. O capital se expande atraindo outras relações para sua órbita; à medida que continua a acumular-se, as pessoas presas nessas relações externas, mas internalizadas – pensem nos pastores de rebanhos do nordeste da Síria – desfrutarão de poucos ou nenhum dos benefícios e podem nem chegar perto do limiar do trabalho assalariado. Alguns acumulam recursos, enquanto outros, fora do dispositivo, mas dentro da órbita, lutam para ter a chance de produzi-los. Se uma catástrofe se aproxima de uma sociedade assim – profundamente dividida e profundamente integrada -, é provável que ela comece a se desfazer ao longo de algumas das fissuras. A revolução síria pode realmente ser um modelo a esse respeito.
Aliás, desenvolvimento desigual e combinado, além da catástrofe, também foi a equação que desencadeou a revolução russa. A catástrofe em questão foi, é claro, a Primeira Guerra Mundial, que causou o colapso de todo o sistema de abastecimento de alimentos da Rússia czarista. Para piorar a situação, as fortes inundações na primavera de 1917 destruíram estradas e linhas ferroviárias e bloquearam novas aquisições. Em 8 de março – a história é bem conhecida, mas agora lança uma nova luz sobre o futuro – as trabalhadoras de Petrogrado entraram em greve e marcharam pelas ruas, exigindo pão de uma Duma incapaz de entregá-lo. Em seguida, elas pediram a queda do czar. A crise teve um novo impulso em agosto de 1917, quando os preços dos grãos dobraram repentinamente e Petrogrado enfrentou o desafio de sobreviver sem farinha. “Fome, fome genuína”, um funcionário do governo descreveu a situação, “atingiu uma série de cidades e províncias — fome vividamente expressa por uma absoluta insuficiência de alimentos já levando à morte.” Foi nesse momento que Lenin escreveu o que é sem dúvida o seu texto-chave de 1917, The Impending Catastrophe and How to Combat It, (A Catástrofe Iminente e Como Combatê-la), no qual ele diz que uma segunda revolução é a única maneira de evitar a fome total em todo o país. Em sua agitação interna e externa, este foi seu argumento principal para dar o golpe de outubro:
“Não há como escapar da fome, e não poderá mesmo haver uma escapatória exceto através de uma revolta dos camponeses contra os proprietários de terras no campo e através de uma vitória dos trabalhadores sobre os capitalistas nas cidades. […] ‘Qualquer atraso na insurreição é fatal’ — esta é a nossa resposta àqueles que têm a triste ‘coragem’ de olhar para a crescente ruína econômica, para a fome que se aproxima e ainda dissuadir os trabalhadores da revolta.”
O Pentágono refere-se à mudança climática como um “multiplicador de ameaças”. Lenin falou da catástrofe de seu tempo como um ‘poderoso acelerador’, trazendo à tona todas as contradições, engendrando crises mundiais de intensidade sem paralelo, “levando nações” à beira da desgraça. Sua aposta foi, obviamente, aproveitar a oportunidade única aberta por esse meio. Isso não diminuiu sua hostilidade à guerra – não havia inimigos mais implacáveis que os bolcheviques — mas ele viu em todas as misérias causadas pela guerra as razões mais convincentes para tomar o poder, e nada funcionou tão eficazmente para reunir os trabalhadores ao seu lado. É provável que a mudança climática seja o acelerador do século XXI, acelerando as contradições do capitalismo tardio — sobretudo o crescente abismo entre os exuberantes gramados sempre verdes dos ricos e a precariedade da existência sem propriedade — e precipitando e facilitando ainda mais uma catástrofe local após outra. O que os revolucionários devem fazer quando atingem seu território? Aproveitar a oportunidade de depor todos e quaisquer exploradores e opressores ao alcance desses revolucionários. Mas não é preciso dizer que não há garantia de um resultado feliz.
Contrarrevolução e caos como sintomas
A escassez aguda de comida e água está prestes a se tornar um dos efeitos mais tangíveis do aquecimento global. No período que antecedeu as revoluções da Tunísia e do Egito, o aumento dos preços dos alimentos, em parte causado pelo clima extremo, intensificou as tensões latentes, e o Oriente Médio — até então o caldeirão revolucionário do século — podia esperar ainda mais tensões. Nenhuma região é tão propensa à escassez de água, e nenhuma tão vulnerável a ‘choques de oferta de alimentos a consumidores digitais, os tele conectados’, ou quebras de safra em celeiros distantes que provocam a elevação dos preços das importações das quais a população depende.
Na Rússia revolucionária, o choque de oferta originalmente resultou dos bloqueios e das exigências da Primeira Guerra Mundial e em seguida foi multiplicado por todo o vasto território; para os bolcheviques, era tanto uma maldição quanto uma bênção. Em seu notável estudo, Bread and Authority in Russia, (Pão e Autoridade na Rússia) 1914-1921, Lars T. Lih mostra como a escassez de alimentos não apenas os levou ao poder, mas os levou a desenvolver as tendências autoritárias que mais tarde os devorariam.
Além disso, essas tendências estavam em pleno andamento já antes de outubro. O próprio estado czarista deu os primeiros passos em direção a uma ‘ditadura de abastecimento alimentar’, na qual o estado aplica coerção para forçar a entrega de alimentos aos cidadãos famintos. “A questão do suprimento de comida engoliu todas as outras questões”, observou um funcionário do governo no outono de 1916, e “à medida que a anarquia econômica se espalhava, mais profunda era o processo de penetração do princípio do Estado em todos os aspectos da vida econômica do país“. O Governo Provisório continuou no mesmo caminho — todas as correntes políticas, exceto os anarquistas, concordaram com a necessidade de um rigoroso controle centralizado para produzir grãos — mas se mostrou totalmente desigual na tarefa. Os bolcheviques acabaram sendo o único partido disciplinado e contundente o suficiente para reconstituir o centro e reinar nas forças centrífugas. Mas, para ter sucesso em seus esforços, eles tiveram que se livrar de quaisquer dúvidas ideológicas sobre o Estado e fazer o máximo uso dos andaimes restantes da burocracia czarista. O problema era que eles haviam prometido “todo o poder aos Sovietes”. De acordo com uma lógica que Lih reconstrói com detalhes dolorosos, os Soviets genuinamente autônomos (e comunas e comitês de fábricas) tinham na mais alta consideração, os interesses de seus próprios círculos eleitorais: no campo, eles retinham grãos das cidades; nas cidades, enviaram voluntários para o interior para coletar o que pudesse ser encontrado e distribuí-lo aos seus membros. O experimento de democracia direta que os bolcheviques haviam incentivado tão ardorosamente apenas aprofundou o caos no sistema alimentar — a praga que tinham prometido erradicar. Presos a essa contradição, eles optaram por subjugar os sovietes ao partido, atirando em suspeitos de serem açambarcadores, colocando agentes em serviço nas aldeias para vigiar os camponeses, dando início a todo o controle burocrático.
Mas a escolha — esse é o ponto principal de Lih — foi imposta aos bolcheviques pela situação. Exacerbada pela primeira guerra civil e depois pela seca, a escassez parecia não permitir outro curso geral de ação além da ditadura do suprimento de alimentos, à qual a grande maioria dos russos acabou se resignando, preferindo alguma estabilidade e comida na mesa à interminável privação e incerteza dos anos revolucionários. Aqui as sementes da contrarrevolução stalinista foram semeadas. Paradoxalmente, na análise de Lih, elas surgiram de um feito notável: precisamente porque eram tão cruéis e consistentes na centralização do sistema alimentar, os Bolcheviques realmente evitaram o colapso total. Em uma formulação agora repleta de significado, Lih resume sua visão do jovem estado: “Noé constrói apressadamente uma pequena arca contra um desastre iminente”.
Agora, se muitos outros desastres são iminentes, e se desencadearem revoluções, também desencadearão contrarrevoluções na forma de bestas rudes e burocracias infladas (alegando ser) indispensáveis para conter as dificuldades? É muito cedo para dizer, é claro. Uma dica para esse cenário, no entanto, pode ser abstraída do golpe militar que pôs fim à revolução egípcia. Nos últimos dias do regime de Morsi, o “estado paralelo” orquestrou a escassez maciça de combustível e alimentos e provocou deliberadamente apagões, minando o apoio ao presidente eleito democraticamente e instigando milhões a sair às ruas contra ele. Após o golpe de 3 de julho de 2013, essas deficiências milagrosamente desapareceram da noite para o dia; a junta de Sisi recebeu todo o crédito e ganhou corações e mentes em todo o país. Obviamente, esse episódio não tem nenhum vínculo com os impactos das mudanças climáticas, mas aponta para uma lógica política que pode reaparecer quando tais impactos se aprofundarem: um líder forte se apresenta como o único que pode garantir um mínimo de estabilidade nos suprimentos e monopoliza o poder. Isso não precisaria necessariamente esperar uma revolução se materializar; a revolução poderia ser estimulada pela escassez como tal.
O maior perigo à espreita aqui pode ser rotulado como fascismo ecológico. Até agora, existem poucos adeptos, mas eles existem: no The Climate Challenge (Desafio Climático) e no The Failure of Democracy (Fracasso da Democracia), os estudiosos australianos David Shearman e Joseph Wayne Smith rejeitam a afirmação marxista de que o capitalismo é a fonte do aquecimento global e atribuem toda a culpa à democracia. Agora é a hora de perceber que ‘a liberdade não é o valor mais fundamental, é apenas um valor entre outros. A sobrevivência nos parece ser um valor muito mais importante’. Como a mudança climática coloca em questão a sobrevivência da espécie humana, ela precisa redescobrir sua verdadeira natureza: hierarquia rígida. “O cérebro humano está conectado ao autoritarismo, ao domínio e à submissão” (basta olhar para os macacos). Mais precisamente, Shearman e Smith defendem uma fusão de feudalismo e o estado de partido único — mas sem qualquer economia planificada — liderada por “uma liderança altruísta, capaz e autoritária, versada em ciências e habilidades pessoais”, apoiada por uma classe de “reis filósofos ou eco-elites” treinadas desde a infância — ‘como em Esparta’ — para dirigir o mundo através do calor. (Também aprendemos que cérebros femininos são voltados para crianças, que “canções de rap cantadas por pessoas negras” expressando “desejos de matar pessoas brancas” devem ser proibidas e que o Islã está demograficamente torpedeando o mundo ocidental). Tal loucura ainda não encontrou muita plateia. Mas quando a sobrevivência realmente começa a pesar na balança, não se pode excluir o cenário em que ela ganhe atração; de fato, as mudanças climáticas já trouxeram à tona algumas ideias lunáticas de dissidentes antes desprezados (notadamente a geo-engenharia).
Se o fascismo ecológico pode ser uma tendência ideológica explícita para um futuro muito quente, outra possibilidade é a violência niilista, oportunista e até racista: no desertificado Império Otomano, registra Sam White, os Celalis não professavam nenhuma convicção política ou religiosa específica. Eles simplesmente saqueavam a paisagem arruinada. Uma fortaleza particular deles foi a cidade de Raqqa: epicentro da recente seca, capital do falso califado de Daesh. White relata que as secas alimentaram as chamas dos reavivamentos fundamentalistas entre as várias seitas do Império. Nas intermináveis filas para apanhar o pão na Rússia revolucionária, rumores de judeus estocando grãos e especulando com esses estoques se espalharam como fogo; o caminho da padaria fechada para o pogrom (massacre) foi curto. Em 1917, Lenin mediu o “clima de desespero entre as grandes massas” e profetizou que “os famintos esmagarão tudo, destruirão tudo, mesmo que anarquicamente” se os bolcheviques não forem capazes de liderá-los em uma batalha decisiva. As Centúrias Negras1 antissemitas esperavam que os russos se movessem em direção a eles, e Lenin viu tendências objetivas trabalhando em favor deles. “Podemos imaginar uma sociedade capitalista às vésperas do colapso, na qual as massas oprimidas não estão desesperadas? Existe alguma dúvida de que o desespero das massas, grande parte das quais ainda não estão conscientizadas a respeito, se expressará no aumento do consumo de todos os tipos de veneno?”
Celalis, Daesh, Black Hundreds (Centúrias Negras): Christian Parenti ofereceu um prognóstico semelhante em seu Tropic of Chaos: Climate Change and the New Geography of Violence (Trópico do Caos: Mudança Climática e a Nova Geografia da Violência). “Sociedades danificadas, tal como pessoas feridas, frequentemente respondem a novas crises de maneiras irracionais, míopes e autodestrutivas” e as sociedades deste mundo — particularmente aquelas devastadas pelo colonialismo, contra-insurgência da Guerra Fria, guerras contra o terror, reestruturação neoliberal – não estão menos que danificadas. Podemos antecipar um “deslizamento em direção à entropia e ao caos”, “brigas intercomunitárias, criminalidade”, a destruição do estado moderno – que pode, é claro, girar para o lado oposto e ressuscitar alguma Esparta verde marrom. E a respeito daqueles que conseguem se isolar do calor com ar condicionado? Como a proteção mais provável de seus interesses materiais, Parenti prevê uma ‘política do barco salva-vidas armado’ ou ‘fascismo climático’, pelo qual as classes dominantes continuam seu curso atual e impiedosamente mantêm suas vítimas afastadas com muros, drones e centros de detenção. Recentemente, um estudioso do genocídio deu um passo adiante e alertou que os fluxos esperados de refugiados climáticos em direção ao Norte reviverão o “impulso genocida”, um cenário que possivelmente ganhará alguma plausibilidade pela circunstância de que um dos maiores fluxos provavelmente será composto por pessoas de países de maioria muçulmana, rumando para um continente europeu completamente infectado pela islamofobia. Essa poderia ser outra forma de articulação. Como tal, porém, seria o resultado de relações moldadas na luta. Os revolucionários em um mundo mais quente teriam que ser tanto vigilantes quanto militantes antifascistas. Podemos estar vivendo já no início da era dos extremos.
Revolução para o Tratamento dos Sintomas
Até agora, temos duas configurações, portanto, embora possa ser difícil traçar a linha entre elas: revolução e/ou contrarrevolução/caos, como sintomas das mudanças climáticas. Pode-se pegar uma carona da meteorologia para conceituar essa sintomatologia. Os cientistas climáticos costumam falar de como o aumento da temperatura “carrega os dados” em favor de eventos climáticos extremos: uma super tempestade pode ter acontecido no século XVIII, mas todo o dióxido de carbono acumulado na atmosfera desde então encheu os sistemas climáticos com materiais, tais como superfícies do mar mais quentes e mais altas, que funcionam como um peso extra no número seis, tornando muito mais provável um furacão mortal. O tipo de eventos sociais extremos sobre os quais especulamos aqui também pode evidentemente acontecer sem as mudanças climáticas antropogênicas, mas esse descomunal mega peso dentro de todos os sistemas planetários agora parece levar as coisas a essas direções. Se tudo isso parecer surrealmente extremo, consulte a ciência climática de ponta. A destruição dos fundamentos materiais sobre os quais a existência humana se baseia, realmente será fatal se o aquecimento global continuar, ela nos diz, e informa mensalmente sobre o quanto mais rápido o processo se desenvolve do que o previsto inicialmente.
Em janeiro de 2016, a temperatura média na Terra foi 1,15°C maior que no período 1951-1980. Foi um salto recorde batido instantaneamente em fevereiro, quando atingiu 1,35°C. Naquele momento, o planeta estava no limiar de um aquecimento de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, identificado pelos líderes mundiais que se reuniram em Paris para a COP21, em dezembro de 2015, como limite máximo que não deveria ser ultrapassado (embora ainda seja de 2°C mais quente o marcador mais comum para passar do nível “já perigoso” para um nível “extremamente perigoso” nas mudanças climáticas. Quando esse limite pode ser alcançado? Novos resultados sugerem que isso poderia acontecer mais cedo do que o esperado: nas nuvens, por exemplo, os cristais de gelo refletem mais luz solar de volta ao espaço do que as gotículas líquidas, mas os modelos climáticos subestimaram amplamente a participação das gotículas líquidas, deixando de considerar um considerável efeito de aquecimento extra já em preparação. Outros têm revisado a estimativa de quanto as temperaturas aumentariam se todas as reservas comprovadas de combustíveis fósseis fossem queimadas. Usando números conservadores, excluindo quaisquer descobertas futuras e depósitos disponibilizados pelas novas tecnologias, Katarzyna Takorska e seus colegas colocam o efeito em aproximadamente 8°C — atingindo 17°C no Ártico — em vez dos 5°C anteriormente considerados. Convertidos em condições reais de vida na Terra, esses oito graus médios, é claro, significariam o fim da vida na Terra. Isso não acontecerá amanhã, mas já marca a direção geral da história do capitalismo tardio. Qualquer pessoa que deseje contestar a previsão de que os deslocamentos que se seguirão levarão a uma era de extremos políticos precisaria criar um argumento para o estoicismo surpreendente da espécie humana ou para seu total desprendimento do que acontece dentro dos ecossistemas. Seja como for, esse caso certamente não seria materialista.
Mas existe a possibilidade de amortecer alguns impactos. Consideremos o caso da Síria. A maior parte da agricultura naquele país ainda depende da irrigação por inundações — os camponeses abrem canais e direcionam a água aos seus campos — o que pode ter sido um método adequado nos tempos antigos, mas não nesta época seca. Mudar para a irrigação por gotejamento é imperativo, para economizar ou fazer o melhor uso possível de cada valiosa gota de água. Um estado sintonizado com as necessidades dos agricultores pobres e disposto a fornecer-lhes as forças produtivas básicas poderia fazer isso acontecer, mas o regime de Assad instituiu políticas de água que esgota os recursos hídricos. No Egito, o nível do mar Mediterrâneo em constante elevação empurra a água salgada cada vez mais profundamente no solo argiloso do Delta do Nilo. Para evitar que suas colheitas sejam perdidas, os agricultores tentam “elevar” os campos aplicando enormes quantidades de areia e fertilizantes, mas apenas os agricultores mais ricos podem pagar por essas medidas de adaptação. Ao longo da costa, as tempestades estão crescendo em frequência e força, mas os quebra-mares e outros sistemas de proteção são construídos principalmente em frente às cidades turísticas, enquanto as comunidades de pescadores e agricultores ficam desprotegidas. A revolução egípcia representou uma oportunidade para tapar esses buracos na proteção ambiental e avançar para uma adaptação popular e abrangente em relação às mudanças climáticas. Seria um eufemismo dizer que ela foi perdida.
Aqui, então, podem-se discernir os contornos de uma terceira configuração hipotética: revolução para tratar os sintomas do aquecimento global. Os casos sírios e egípcios não são casos isolados ou estranhos. Pesquisas descobriram que os processos diários de acumulação de capital — cercamentos de terras2, mercantilização, planejamento para o setor imobiliário, centralização de recursos — distorcem fortemente a maioria dos projetos de adaptação em todo o mundo, deixando precisamente as pessoas mais vulneráveis sem proteção. Mas “em tempos revolucionários, os limites do que é possível se expandem mil vezes”, lembrando Lenin. Se as relações sociais bloqueiam o caminho para uma adaptação efetiva a favor dos pobres, elas devem ser revisadas. Aqui está mais um motivo para aproveitar todas as oportunidades abertas pelas catástrofes. Diferentemente das duas configurações anteriores, essa pressupõe revolucionários que conscientemente agem contra os impactos das mudanças climáticas no terreno sobre o qual podem exercer influência. Mas essa influência será limitada pela natureza.
Revolução contra as causas
A adaptação a três, quatro, para não falar de oito graus, é um esforço inútil. Não importa o quão avançado os sprinklers que os agricultores sírios instalem, a irrigação requer água. Nenhum quebra-mar pode salvar o Delta do Nilo da infiltração subterrânea do mar. Ninguém pode realizar nenhum tipo de trabalho físico quando as temperaturas se estabilizam acima de certo nível, e assim por diante. Mas as reservas comprovadas de combustíveis fósseis podem ser mantidas no solo. As emissões podem ser reduzidas a zero. “Todo mundo diz isso. Todo mundo admite isso. Todo mundo decidiu que é assim. No entanto, nada está sendo feito”, e essa é a justificativa para o tipo de revolução mais exigente, aquela que, com plena consciência das raízes do problema, realiza um ataque em larga escala ao capital fóssil, assim como os bolcheviques se colocaram a tarefa de pôr “um fim imediato à guerra” insistindo que “está claro para todos que, para terminar esta guerra, que está intimamente ligada ao atual sistema capitalista, o próprio capital deve ser combatido“. Este é o momento de ler novamente o Lenin de 1917 e recuperar o núcleo do projeto bolchevique:
“Podemos fazer, talvez, a mais impressionante comparação entre os métodos burocráticos reacionários de combate a uma catástrofe, limitados a reformas mínimas, e os métodos democrático-revolucionários, que, para justificar seu nome, devem visar diretamente uma ruptura violenta com o antigo e obsoleto sistema e com a conquista do progresso mais rápido possível … ”
Velocidade aqui é a dimensão crítica. Enquanto isso, a burguesia nascente, ‘como sempre, é guiada pela regra: “Après nous le deluge” (“Depois de nós, o dilúvio“) 3. Políticas que salvariam milhões ou mesmo bilhões de vidas poderiam ser implementadas, se apenas os interesses obstrutivos fossem removidos. “As formas de combater a catástrofe e a fome estão disponíveis, as medidas necessárias para combatê-las são bastante claras, simples, perfeitamente viáveis e totalmente ao alcance das forças do povo”. Poderíamos começar atualizando o Manifesto Comunista e listando dez medidas:
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Aplique uma moratória completa em todas as novas instalações para extração de carvão, petróleo ou gás natural.
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Feche todas as usinas que funcionam com esses combustíveis.
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Produza 100% da eletricidade a partir de fontes não fósseis, principalmente eólica e solar.
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Interrompa a expansão das viagens aéreas, marítimas e rodoviárias; converta viagens rodoviárias e marítimas em viagens movidas por eletricidade e vento; racione as viagens aéreas restantes para garantir uma repartição equitativa até que possam ser completamente substituídas por outros meios de transporte.
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Expanda os sistemas de transporte de massa em todas as escalas, do metrô aos trens intercontinentais de alta velocidade.
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Limite o transporte marítimo e o transporte aéreo de alimentos e promova sistematicamente o abastecimento local.
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Acabe com a queima de florestas tropicais e inicie programas massivos de reflorestamento.
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Remodele edifícios antigos com isolamento e exija que todos os novos gerem sua própria energia com zero carbono.
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Desmantele a indústria da carne e mude a fonte de proteína para fontes vegetais.
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Destine vasto investimento público no desenvolvimento e difusão das tecnologias de energia renováveis mais eficientes e sustentáveis, bem como nas tecnologias para remoção de dióxido de carbono.
Isso seria um começo — nada mais — ainda que provavelmente pudesse equivaler a uma revolução, não apenas nas forças de produção, mas também nas relações sociais em que estão tão profundamente enredadas. A profundidade da ligação do fenômeno das emissões de CO2 com a sociedade de classes foi recentemente destacadas por dois marcantes relatórios. Um décimo da espécie humana é responsável por metade de todas as emissões atuais advindas do consumo, metade das espécies não humanas são responsáveis por um décimo. Os 1% mais ricos têm uma pegada de carbono cerca de 175 vezes maior que a dos 10% mais pobres; as emissões dos 1% americanos mais ricos, luxemburgueses e árabes sauditas são duas mil vezes maiores que as dos hondurenhos, moçambicanos ou ruandeses mais pobres. As ações do CO2 acumulado desde 1820 estão igualmente distorcidas. Algum ódio de classe ecológico está certamente garantido, e nem sequer mencionamos o núcleo interno duro do capital fóssil, os Rex Tillersons (magnatas do petróleo e gás) deste mundo, os bilionários que nadam em dinheiro extraindo combustíveis fósseis da terra e vendendo o combustível para os incêndios. Não se enganem: esta revolução teria seu quinhão de inimigos.
Quem deve executá-la? Quem são os metalúrgicos de Petrogrado e os marinheiros de Kronstadt da revolução climática? Olhem para o país que lidera uma pesquisa das populações mais preocupadas com o aquecimento global: Burkina Faso, atualmente devastada pelo declínio das chuvas e tempestades de areia, liderando a lista de países africanos que sofrem com dias de trabalho excessivamente quentes. Uma agricultora de Burkina Faso pode invadir os Palácios de Inverno da capital fóssil? Ela pode ao menos avistá-los no percurso de toda a sua vida? Ou a sede da ExxonMobil localizada no Texas e as torres cintilantes de Dubai estão tão distantes e completamente fora de seu alcance? O que dizer da capacidade dela e de seus colegas para uma ação revolucionária eficaz? Provavelmente seria mais fácil obter apoio em massa para o programa acima em Burkina Faso do que implementar tal programa diretamente in loco, ou seja, a partir de Burkina Faso.
Precisamente as divisões abismais dentro da espécie — desmentindo o discurso do “Antropoceno”, da humanidade em geral sendo tão responsável por “todos nós” quanto o inimigo — pode ser o maior obstáculo para atacar as causas da catástrofe: as vítimas da sistemática violência conhecida como combustão de combustíveis fósseis podem simplesmente estar muito longe dos criminosos, de forma a poder derrubá-los. “Revoluções como sintomas” visam exploradores e opressores nas imediações e, portanto, não é difícil imaginar quando algumas vidas se tornam insuportáveis, mas “revoluções contra as causas” devem viajar pelo mundo, se lançadas pelas classes mais interessadas. As revoltas parecem então continuar alvejando os Makhloufs que estão mais próximos, em vez de alvejar os Tillersons que estão mais distantes. Em outras palavras, a formação espontânea de consciência sindical em um mundo em aquecimento — um pré-requisito básico para qualquer impulso do tipo Outubro — parece uma perspectiva muito incerta. É o contrário, por exemplo, com a exploração de petróleo — quando uma empresa invade a terra ancestral de um povo para perfurar em busca do combustível, o antagonismo está claramente exposto e a resistência vem naturalmente — mas o aquecimento global, como tal, pode abater milhões a partir do interior de um castelo nunca visto e, infelizmente, difícil de atacar.
Este parece ser o dilema estratégico fundamental para a luta contra as alterações climáticas. A visão mais promissora para romper com isso foi formulada (embora não em tais termos) por Naomi Klein em This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate (Isso Muda Tudo: Capitalismo versus Clima). Contornando o problema da distância, ela argumenta que, como o capitalismo atual está absurdamente saturado de energia fóssil, todos os envolvidos de alguma forma em algum movimento social que inclua o tema – energia fóssil – estão objetivamente lutando contra o aquecimento global, quer eles se importem ou não ou sofram suas consequências. Os brasileiros que protestam contra o aumento das tarifas e exigem transporte público gratuito, quase todos levantam a bandeira da quinta medida na lista acima, qual seja “Expandam os sistemas de transporte de massa em todas as escalas, do metrô aos trens intercontinentais de alta velocidade”, enquanto o povo Ogoni que expulsa a Shell está ocupado trabalhando na primeira medida, qual seja: “Apliquem uma moratória completa em todas as novas instalações para extração de carvão, petróleo ou gás natural”. Da mesma forma, os trabalhadores europeus da indústria automotiva que lutam por seus postos de trabalho, de acordo com o tipo de consciência sindical que sempre possuíram, têm interesse em converter suas fábricas na produção de tecnologias necessárias para a transição dos combustíveis fósseis — turbinas eólicas, ônibus — ao invés de ver seus postos de trabalho desaparecer e seguirem para algum destino de baixa remuneração. Todas as lutas são lutas contra o capital fóssil: os sujeitos precisam apenas ser conscientizados disso. Nas palavras de Klein, “a crise ambiental — se concebida de maneira suficientemente ampla — não supera nem distrai nossas causas políticas e econômicas mais prementes: sobrecarrega cada uma delas com urgência existencial“. Essa fórmula tem o apelo adicional de fazer a mais ampla aliança possível e concebível. Claramente, nada menos que isso será necessário nessa luta.
Resta saber se esta é uma solução que pode substituir a ausência das forças de ataque que forem imediatamente vitimizadas. Até agora, em um mundo em aquecimento, a posição análoga aos palestinos que lutam contra a ocupação sionista ou aos operários que atacam as exigências de acelerações no desempenho de suas tarefas, está vaga — não em si mesma (aqueles que foram expulsos e aqueles que estavam encharcados de suor estão lá, eles existem), mas para si mesma (eles não estão ativamente combatendo seus inimigos) — e até agora, essa ausência de combate tem ocultado a eclosão de distúrbios climáticos explícitos em uma escala proporcional ao problema. O que realmente temos é um movimento climático incipiente. Em qualquer aliança que atraia todo o espectro de movimentos sociais para derrubar o capital fóssil, este combate terá que ser o pivô, o ponto principal. Tal aliança tem alguns argumentos convincentes para apresentar, seguindo o slogan “não há empregos em um planeta morto”: qualquer outra coisa pela qual vocês estão clamando pressupõe um clima razoavelmente estável, e mesmo que as areias do deserto não invadam suas portas neste momento específico, verifiquem se algum impacto está a caminho. Se o trabalhador alemão encolhe os ombros para a condição do agricultor em Burkina Faso, ou de maneira otimista se conforta com o pensamento, oh! Na Alemanha as coisas não são tão ruins assim, o movimento climático pode dizer: ‘De te fabula narratur’ (“A história é sobre você.”). Esse movimento coleta e cristaliza as ideias de que a Síria não pode sobreviver ao desaparecimento do Crescente Fértil, ou o Egito não pode sobreviver a uma subida de três metros no nível do mar, ou Burkina Faso não pode sobreviver ao aumento de quatro graus na temperatura; articula os interesses de suas massas mais vulneráveis, mesmo que apenas em nome delas. Sim, existe aqui, por razões estruturais ainda a ser superadas, um componente do que os marxistas clássicos chamariam de substitutivismo e voluntarismo.
Este movimento marcou uma série de vitórias notáveis nos últimos tempos. O arquivamento do oleoduto Keystone XL, a retirada da Shell do Ártico, a campanha de desinvestimento em espiral, os cancelamentos de projetos de carvão de Oregon a Orissa foram adicionados em rápida sucessão à biografia do movimento. O movimento aumentou ainda mais seu perfil com a campanha ‘Break Free’ 4 (Liberte-se de) em maio de 2016, a maior onda coordenada de ação direta contra a extração de combustíveis fósseis até agora, estendendo-se das Filipinas ao País de Gales, da Nova Zelândia ao Equador. A peça central da campanha foi o acampamento conhecido como Ende Gelände, erguido a poucos passos de Schwarze Pumpe, “a bomba negra”, uma usina na região alemã de Lusatia, movida a carvão de linhita — o mais sujo de todos os combustíveis fósseis — extraído de uma mega mina adjacente, e um dos maiores pontos de origem de emissões de CO2 na Europa. Os vários quadrantes do amplo acampamento foram nomeados em homenagem a nações insulares distantes: Kiribati, Tuvalu, Maldivas. Na sexta-feira, 13 de maio de 2016, a ofensiva multifacetada contra Schwarze Pumpe foi iniciada quando cerca de mil ativistas — o acampamento atrairia quase quatro mil — desceram para a mina, apreenderam as gigantescas escavadeiras e acamparam no fim de semana. Na manhã de sábado, havia ainda mais ativistas ocupando as linhas ferroviárias que levam o carvão à “bomba negra”. Uma breve incursão no complexo da própria usina provocou a reação da polícia que atacou indiscriminadamente com spray de pimenta, cassetetes e detenções, mas os bloqueios foram mantidos até a manhã do domingo, quando os proprietários declararam que os ativistas climáticos os obrigaram a suspender toda a produção de eletricidade. Isso nunca havia acontecido na Europa Central.
O pano de fundo da ação é instrutivo. Nas eleições parlamentares na Suécia em 2014, Gustav Fridolin, líder do Partido Verde, guardava um pedaço de carvão no bolso. Onde quer que fosse, em todos os discursos e debates na televisão, ele acenava com aquele pedaço de carvão e prometia, com severa determinação em sua voz, tirar as mãos do estado sueco do combustível fóssil. Nas profundezas do leste da Alemanha, essas mãos há muito mancham a autoimagem da Suécia como uma terra föregångsland ou “país pioneiro” na política climática, uma vez que a empresa estatal Vattenfall é dona e opera Schwarze Pumpe e quatro outros complexos de linhita do mesmo tamanho vulcânico. No momento da eleição, o estado sueco produzia emissões de CO2 desses ativos que eram iguais a todas as emissões de seu próprio território mais um terço. Agora, declarou Fridolin, era o momento de liquidá-los e colocar uma tampa sobre o carvão no chão. Se os Verdes entrassem no governo, a promessa mais importante de sua campanha eleitoral seria garantir que Vattenfall fechasse suas minas e fábricas alemãs. Dois anos depois, elas não estavam mais em mãos suecas. Elas haviam sido vendidas a um consórcio de capitalistas da República Tcheca – incluindo seu homem mais rico – almejando mais recursos para o renascimento da linhita que percorre atualmente este local do continente. Os Verdes, em outras palavras, resolveram jogar algumas das maiores riquezas de linhita diretamente na boca do capital fóssil. Essa decisão contribuiu para a pior crise da história do partido — provavelmente o mais influente do gênero no mundo — e, portanto, uma das piores da história do ambientalismo parlamentar reformista. Para limitar a degradação, Fridolin, em nome do governo sueco, denunciou a ação de Ende Gelände como “ilegal”.
Em qualquer realidade científica, Ende Gelände é o tipo de ação que deve ser repetida e ampliada mil vezes. Dentro dos países capitalistas avançados e das zonas mais desenvolvidas do resto do mundo, não há falta de metas adequadas: basta procurar a usina a carvão mais próxima, gasoduto, SUV, aeroporto em expansão, shopping center em expansão e muitos outros. É nesse terreno que um movimento climático revolucionário deve fazer invasões em uma grande e acelerada onda. Obviamente, ainda está muito longe de tal tamanho e capacidade. Talvez algum evento climático extremo de proporções verdadeiramente traumáticas possa catalisar um salto. Mesmo assim, como a história de Vattenfall deixa claro, a ação direta por si só não resolveria nada: é preciso que haja decisões e decretos do estado — ou, em outras palavras, o estado deve ser arrancado de todos os Tillerson e Fridolins deste mundo para que qualquer programa de transição como o esboçado acima seja realizado. Na ressaca ideológica pós-1989 que ainda afeta os meios ativistas que compõem o movimento climático no Norte, no entanto, persiste uma fetichização da ação direta horizontal como uma tática autossuficiente e uma relutância em considerar a lição de Lenin: “A questão-chave de toda revolução é, sem dúvida, a questão do poder do Estado”. Raramente, se é que alguma vez foi mais importante, seguir essa lição é agora mais que fundamental.
O movimento climático pode crescer em várias ordens de magnitude, reunir forças progressistas ao seu redor e desenvolver alguma estratégia viável para projetar seus objetivos no estado — tudo dentro de um período de tempo relevante neste mundo em rápido aquecimento? É uma tarefa difícil, para dizer o mínimo. Mas, nas palavras de Daniel Bensaïd, talvez o mais brilhante teórico da estratégia revolucionária no final do século XX, “qualquer dúvida se refere à possibilidade de sucesso, não sobre a necessidade de tentar“.
*Publicado originalmente em: https://cominsitu.wordpress.com/2019/09/30/revolutionary-strategy-in-a-warming-world-malm-2016/
** Andreas Malm é Professor de Ecologia Humana na Universidade de Lund, Suécia. Ele é o autor de Fossil Capital: The Rise of Steam Power (Capital Fóssil: A Ascensão do Poder do Vapor) e Roots of Global Warming (Raízes do Aquecimento Global), e The Progress of This Storm: Nature and Society in a Warming World – (Progresso desta Tempestade: Natureza e Sociedade em um Mundo em Aquecimento).
Notas da Tradutora:
1 As Centúrias Negras ou Tchernosotentsi foram um movimento político e paramilitar que apoiou o regime czarista contra as revoluções que tentaram derrubá-lo. Destacaram-se pelo seu ultranacionalismo e a sua xenofobia, que incluíam o antissemitismo, e a incitação à prática do pogrom contra os ucranianos, além de serem defensores ferrenhos do Czarismo e do Monarquismo. https://pt.wikipedia.org/wiki/Centenas_Negras
Eram formadas por proprietários de terra, industriais, burgueses, clérigos, comerciantes, artesãos, e demais trabalhadores, recebiam patrocínios da monarquia reinante na Rússia (Romanov), alem de doações da Igreja Católica Ortodoxa Russa. publicações e artigos em jornais ajudavam com a propagação dos ideais das Centúrias Negras. Ocorriam atos de propaganda em igrejas, com a promoção de serviços sociais aos moradores locais. https://almanaquedosconflitos.wordpress.com/2015/08/12/centenas-negras-a-milicia-ortodoxa-do-czarismo/
2 Cercamentos (Enclosures) são o processo de exclusão dos trabalhadores de seu meio de sustento, as terras produtivas, na transição do feudalismo para o capitalismo, mediante sua transformação em propriedade privada. http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/cercamentos/index.html
Com a Lei de Cercamentos, a burguesia nascente no século XVIII, pôde se desenvolver na zona rural, transformando os camponeses em operários e criando as bases para a Revolução Agrícola. https://brasilescola.uol.com.br/historiag/cercamentos-revolucao-industrial-inglesa.htm
A política dos cercamentos de terras foi fruto do contexto comercial do século XVIII, na Inglaterra. Consistia na transformação das terras comuns aos senhores e servos, provenientes da antiga relação feudo–vassalos, em pastos para as ovelhas. Os servos transformam–se em uma nova classe, o proletariado.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_dos_Cercamentos_de_Terras
3 “Après nous le deluge” (“Depois de nós o dilúvio“) – A expressão après moi, le déluge significa depois de mim, o dilúvio. Essa frase é usada para descrever pessoas que se comportam como se não se importassem com o futuro de outras, visto que o “dilúvio” só acontecerá depois de suas mortes. Dizem que foi o Rei Luís XV quem cunhou a expressão ao perceber que a monarquia estava preste a ruir. Quinze anos depois de sua morte, veio a Revolução Francesa que decapitou o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta na guilhotina. https://www.inglesnosupermercado.com.br/o-que-significa-apres-moi-le-deluge/
As palavras “Depois de nós, o dilúvio” são atribuídas a Madame de Pompadour (nascida Jeanne-Antoinette Poisson), que queria melhorar o estado de espírito de Luís XV, seu amante, após a batalha de Rossbach, convidando-o a não pensar sobre as consequências dramáticas desta derrota. Foi de fato um provérbio comum na época (“Depois de mim o dilúvio”).
Luís XV retornava frequentemente a essa máxima egoísta, “Après moi, le déluge” (Depois de mim, o dilúvio), especialmente falando de seu filho primogênito, o futuro Luís XVI. https://dicocitations.lemonde.fr/citation_celebre_ajout/1.php
4 Break Free (Liberte-se) de combustíveis fósseis é uma campanha global que tem como alvo os projetos de combustíveis fósseis mais perigosos do mundo, a fim de manter o carvão, o petróleo e o gás no solo. Você pode ver mais informações em Breakfree2016.org – http://climatetracker.org/break-free-journalism-campaign-launch/
O Break Free 2016 reuniu uma rede de organizações que exigem uma transição justa de combustíveis fósseis para uma Economia que use energia 100% renovável. Whiting, Indiana – lar da maior refinaria de petróleo da BP no mundo – foi a cidade escolhida como o local do Break Free Midwest, realizado em 15 de maio de 2016.https://350madison.org/global-days-of-action/break-free-may-15-2016/
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