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BRASIL

Adeus, minha querida amiga Fatima Fernandes

Genilda Souza, do Rio de Janeiro, RJ

Conheci Fatima Fernandes nos anos 1990, quando me mudei para São Paulo. Estava na sede nacional do PSTU e atendi um telefonema. Era Fatima. Precisava de alguém que fosse a Ribeirão Preto ajudar a resolver um problema. Queria que eu fosse até a cidade, já que eu atuava na equipe de organização nacional. Respondi que não poderia, pois na data da reunião marcada por ela teria uma reunião de núcleo.

Fátima foi categórica: “Não pagamos você pra ficar em reunião de núcleo. Venha pra Ribeirão.” E desligou o telefone. Confesso que me irritei. Quem é essa pessoa? Nem me conhece e fala assim comigo, questionando minha dedicação, meu discernimento? Pensei melhor, fiz as malas e fui pra Ribeirão. Ela estava certa. Dirigentes têm que saber distinguir prioridades. Ela estaria certa em outros tantos momentos da minha vida militante e pessoal. Deste dia em diante podia discordar de Fatima, e na verdade discordamos. Mas nunca deixei de ouvir o que ela dizia. Acertei mais quando escutei e fiz o que ela me dizia.

Fatima foi uma militante revolucionária. Foi uma mulher revolucionária. Era a mãe amorosa de Moara e Yara, nossas queridas camaradas, que precisam saber que podem contar com nossa organização pra seguir suas vidas, e comigo, que de agora em diante me candidato ao posto de “mãe postiça” pra tudo que vocês duas precisarem.

Quem conheceu Fatima apenas em uma reunião, e não tivesse o privilégio de conviver com ela, levaria uma impressão errada: “que mulher dura!” Sim, Fatima era muitas vezes dura, mas sempre na hora certa e na medida certa. Mas era principalmente amiga, companheira solidária, divertida, inteligente e dedicada. E por isso conseguiu atravessar gerações sendo respeitada e querida por todos e todas.

Soube que os lutadores de Ribeirão Preto estão em luto pela morte de Fatima. As diversas organizações de nossa classe estão prestando suas homenagens. Muito justo. Os grandes militantes revolucionários transbordam as barreiras de suas organizações e das diferenças que nos separam. É um orgulho saber que Fatima tinha esse significado para os que lutam como sempre terá para nós, seus camaradas da Resistência.

Há alguns anos Fatima adoeceu. Me somei ao grupo que queria que ela diminuísse a militância, cuidasse mais de si. Afinal, já tinha feito tanto e merecia descansar e parar, se assim desejasse. Nas primeiras conversas ouviu, agradeceu e disse que estava bem. Que não me preocupasse. Sempre que a encontrava eu falava a mesma coisa. Só queria que ela ficasse mais tempo entre nós e nos ajudasse mais um pouco. Na última vez que tentei convence-la a parar perdeu a paciência comigo: você quer que eu morra antes do tempo? Quer me tirar o pouco de vida que me resta? Imediatamente reconheci a Fatima daquela primeira conversa por telefone. Ela estava certa de novo. Militantes revolucionários não vivem bem sem sua atividade militante. Parei de importuna-la com minha insistência. Se queria ajudar tinha que fazer com que ela pudesse exercer sua atividade de luta revolucionária o melhor possível. Era dessa forma que ela estaria feliz. E assim foi por mais alguns anos.

Nesta semana senti vontade de conversar com Fatima. Queria conselhos pra resolver problemas. Não liguei. Alguma coisa secundaria deve ter me feito esquecer. Hoje você se foi. Este texto é minha despedida de nossa vida juntas como militantes e amigas. Sinto uma imensa dor por sua morte. Uma dor agravada porque não poderei me despedir de você. Uma dor acompanhada de raiva, porque neste momento milhares de famílias e amigos são impedidos de se despedir e homenagear seus entes queridos. A Resistência, através de nossos camaradas de Ribeirão Preto, não poderá prestar a você nossas homenagens e dizer obrigado. Teremos que adiar pra mais tarde quando tudo isso passar.

Hoje, de punhos erguidos grito bem alto: Fatima Fernandes Presente, hoje e sempre!

Adeus, minha querida amiga.