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Especiais

Marx e a ruptura no metabolismo universal da natureza

John Bellamy Foster

Este artigo é uma versão ampliada e ligeiramente alterada de um discurso de abertura com o mesmo título apresentado na Conferência Marxismo 2013 em Estocolmo, em 20 de outubro de 2013. Esse discurso foi construído com base nas ideias introduzidas na palestra do autor sobre Rosa Luxemburgo, “The Great Rift” (A Grande Fratura) apresentada à Fundação Rosa Luxemburgo (Rosa Luxemburg Stiftung) em Berlim, em 28 de maio do mesmo ano.

A redescoberta, na última década e meia, da teoria da ruptura metabólica de Marx passou a ser vista por muitos na esquerda como uma crítica poderosa da relação entre a natureza e a sociedade capitalista contemporânea. O resultado foi o desenvolvimento de uma visão ecológica mais unificada do mundo, transcendendo as divisões entre ciências naturais e sociais e permitindo perceber as maneiras concretas pelas quais as contradições da acumulação de capital estão gerando crises e catástrofes ecológicas.

No entanto, essa recuperação do argumento ecológico de Marx deu origem a mais perguntas e críticas. Como sua análise do metabolismo da natureza e da sociedade está relacionada à questão da “dialética da natureza”, tradicionalmente considerada uma falha na teoria marxista? A teoria da ruptura metabólica – como vários críticos de esquerda recentemente acusaram – viola a lógica dialética, sendo vítima de um dualismo cartesiano simplista? É realmente concebível, como alguns questionaram, que Marx, escrevendo no século XIX, poderia ter fornecido conceitos que são importantes para nós hoje, na compreensão da relação humana com os ecossistemas e toda a complexidade ecológica? Não é justo argumentar que suas reflexões a partir do século XIX sobre o metabolismo da natureza e da sociedade seriam “ultrapassadas” em nossa era tecnológica e científica mais desenvolvida?

Na discussão a seguir, tentarei responder de forma sucinta a cada uma dessas perguntas. No processo, também procurarei destacar o que considero ser a importância crucial do materialismo ecológico de Marx para nos ajudar a compreender a emergente Grande Fratura no sistema planetário e a necessidade resultante de uma transformação histórica no metabolismo existente entre a sociedade e a natureza.

A Dialética da Natureza

O status problemático da dialética da natureza na teoria marxista tem sua fonte clássica na famosa nota de rodapé de Georg Lukács em História e Consciência de Classe, na qual ele declara, em relação à dialética:

É de primeira importância perceber que o método aqui é limitado aos domínios da história e da sociedade. Os mal-entendidos que surgem do relato de dialética de Engels podem ser atribuídos, principalmente, ao fato de que Engels – seguindo a orientação equivocada de Hegel – estendeu o método para aplicar-se também à natureza. No entanto, os determinantes cruciais da dialética – a interação entre sujeito e objeto, a unidade da teoria com a prática, e as mudanças históricas na realidade subjacente às categorias como causa raiz das mudanças no pensamento etc. – estão ausentes de nosso estudo sobre a natureza.

Dentro do que veio a ser conhecido como “marxismo ocidental”, isso geralmente significava que a dialética se aplicava apenas à sociedade e à história humana, e não à natureza independente da história humana. Engels, nessa visão, estaria errado em sua A Dialética da Natureza, ao tentar aplicar diretamente a lógica dialética à natureza, assim como os muitos cientistas e teóricos marxistas que caminharam na mesma linha.

Seria difícil exagerar a importância dessa restrição para o marxismo ocidental, que o considerava um dos elementos-chave que separava Marx de Engels e o marxismo ocidental do marxismo da Segunda e Terceira Internacionais. Sinalizou um afastamento da preocupação direta com questões da natureza material e da ciência natural que caracterizaram grande parte do pensamento marxista até aquele momento. Como Lucio Colletti observou no Marxismo e Hegel, uma vasta literatura “sempre concordou” que as diferenças sobre o materialismo/realismo filosófico e a dialética da natureza constituíam as “principais características distintivas entre o ‘marxismo ocidental’ e o ‘materialismo dialético’”. De acordo com Russel Jacoby, os “marxistas ocidentais” quase por definição “confinaram o marxismo à realidade social e histórica”, distanciando-o de questões relacionadas à natureza externa e às ciências naturais.

O que tornou a restrição contra a dialética da natureza tão central à tradição marxista ocidental foi que o materialismo dialético – no sentido em que isso foi atribuído a Engels e adotado pela Segunda e Terceira Internacionais – foi visto como uma ênfase no papel do fator subjetivo (ou compreensão humana), reduzindo o Marxismo à mera conformidade com leis naturais objetivas, dando origem a uma espécie de materialismo mecânico ou mesmo um positivismo. Em nítido contraste com isso, muitos daqueles materialistas históricos que continuaram a argumentar, mesmo que de maneira qualificada, por uma dialética da natureza, consideravam a rejeição completa desta como uma ameaça à perda do materialismo por completo, e uma reversão aos esquemas idealistas de pensamento.

Ironicamente, não foi outro senão o próprio Lukács, que, em um grande deslocamento teórico, assumiu a posição mais forte contra o abandono generalizado da dialética da natureza, argumentando que isso atingiu o cerne não apenas da ontologia de Engels, mas também de Marx. Mesmo em História e Consciência de Classe, Lukács, seguindo Hegel, reconheceu a existência de uma limitada “dialética da natureza meramente objetiva”, consistindo em uma “dialética de movimento testemunhada por um observador eterno”. Em seu famoso prefácio de 1967 à nova edição desse seu trabalho, no qual ele se distanciou de algumas de suas posições anteriores, declarou que seu argumento original era falho em sua crítica exagerada à dialética da natureza, uma vez que, como ele colocou, a “categoria marxista básica, o trabalho, estava ausente como mediador da interação metabólica entre sociedade e natureza…. O que torna em si evidente que isso significa o desaparecimento da objetividade ontológica do trabalho”, que não pode ser separada de suas condições naturais. Como ele explicou em suas conhecidas Conversas naquele mesmo ano,“já que a vida humana se baseia em uma metabolismo com a natureza, é óbvio afirmar que certas verdades que adquirimos no processo de realizar esse metabolismo têm uma validade geral – por exemplo, as verdades de matemática, geometria, física e assim por diante.”

Para o Lukács pós- História e Consciência de Classe, a concepção de trabalho e produção de Marx sobre a relação metabólica entre seres humanos e natureza externa foi a chave para a compreensão dialética do mundo natural. Os seres humanos podiam compreender a natureza dialeticamente dentro de seus limites porque faziam parte dela organicamente, por meio de suas próprias relações metabólicas. Mesmo um crítico tão agudo da dialética da natureza como Alfred Schmidt reconheceu, em seu Concept of Nature in Marx, que foi apenas nos termos usados por Marx do “conceito de ‘metabolismo’“, no qual ele “introduziu um entendimento completamente novo da relação do homem com a natureza ”, que podemos “falar significativamente de uma ‘dialética da natureza’ ”.

A notável descoberta nos arquivos soviéticos do manuscrito de Lukács, Tailism and the Dialectic, cerca de setenta anos depois de ter sido escrita em meados da década de 1920 (apenas alguns anos após a redação da própria História e Consciência de Classe) deixa claro que essa mudança crítica no entendimento de Lukács, através do conceito de metabolismo social e ecológico de Marx, já havia sido plenamente alcançada naquela época. Lá, ele explica que “o intercâmbio metabólico com a natureza” era “socialmente mediado” através do trabalho e da produção. O processo de trabalho, como uma forma de metabolismo entre a humanidade e a natureza, possibilitou que os seres humanos percebessem – de maneiras limitadas pelo desenvolvimento histórico da produção – certas condições objetivas de existência. Uma “troca de matéria” metabólica entre natureza e sociedade, escreveu Lukács, “não pode ser alcançada – mesmo no nível mais primitivo – sem possuir certo grau de conhecimento objetivamente correto sobre os processos da natureza (que existem antes das pessoas e funcionam de forma independentemente destas).” Foi precisamente o desenvolvimento dessa “troca de matéria” metabólica por meio da produção que formou, na interpretação de Lukács sobre a dialética de Marx, “a base material da ciência moderna”.

A ênfase de Lukács na centralidade da noção de metabolismo social de Marx seria levada adiante por seu assistente e colega mais jovem, István Mészáros, na Teoria da Alienação em Marx. Para Mészáros, a “estrutura conceitual” da teoria da alienação de Marx envolvia a relação triádica da humanidade-produção-natureza, com a produção constituindo uma forma de mediação entre humanidade e natureza. Dessa maneira, os seres humanos poderiam ser concebidos como os seres “auto-mediadores” da natureza. Portanto, não deveria nos surpreender que Mészáros tenha fornecido a primeira crítica marxista abrangente da crise ecológica planetária emergente em sua palestra no Prêmio Deutscher de 1971 – publicada um ano antes do estudo Limites ao Crescimento do Clube de Roma. Em Para Além do Capital, ele viria a desenvolver isso ainda mais em termos de uma crítica em larga escala do metabolismo social alienado do capital, incluindo seus efeitos ecológicos, em sua discussão sobre “a ativação dos limites absolutos do capital” associada à “destruição das condições de reprodução metabólica social.”

Lukács e Mészáros viram, dessa forma, o argumento do metabolismo social de Marx como uma maneira de transcender as divisões dentro do marxismo que haviam fraturado a dialética e a ontologia social (e natural) de Marx. Isso permitiu uma abordagem baseada na práxis que integrou natureza e sociedade, história social e história natural, sem reduzir totalmente uma à outra. Em nossa etapa ecológica atual, esse entendimento complexo – complexo porque engloba dialeticamente as relações entre parte e todo, sujeito e objeto – se torna um elemento indispensável em qualquer transição social racional.

Marx e o metabolismo universal da natureza

Para entender isso de maneira mais completa, precisamos examinar as reais dimensões ecológicas do pensamento de Marx. O uso por Marx do conceito de metabolismo em seu trabalho não foi simplesmente (ou mesmo principalmente) uma tentativa de resolver uma questão filosófica, mas um esforço para fundamentar materialmente sua crítica à economia política em uma compreensão das relações natureza-homem emanadas da ciência natural de sua época. Foi central para sua análise tanto da produção de valor de uso quanto do processo de trabalho. Foi por fora dessa estrutura que Marx deveria desenvolver sua principal crítica ecológica, a da ruptura metabólica, ou, como ele disse, a “fenda irreparável no processo interdependente do metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria vida.”

Essa perspectiva crítica foi resultante das contradições históricas na agricultura industrial do século XIX e a consequente revolução na química agrícola – particularmente no entendimento das propriedades químicas do solo – durante o mesmo período. Na química agrícola, Justus von Liebig, na Alemanha, e James F.W. Johnston, na Grã-Bretanha, forneceram críticas poderosas à perda de nutrientes do solo no início e meados do século XIX devido à agricultura capitalista, destacando as críticas à alta produção agrícola britânica. Isso se estendeu ao roubo, na prática, do solo de alguns países por outros.

Nos Estados Unidos, figuras como o primeiro planejador ambiental George Waring, em sua análise da desolação da terra na agricultura, e o economista político Henry Carey, influenciado por Waring, enfatizaram que alimentos e fibras, contendo os componentes elementares do solo, estavam sendo transportados por longas distâncias em um movimento unidirecional do interior para as cidades, levando à perda dos nutrientes do solo, que tiveram de ser substituídos por fertilizantes naturais (e posteriormente sintéticos). Em seu grande trabalho de 1840, A Química Orgânica e sua Aplicação à Agricultura e Fisiologia (comumente conhecida como Química Agrícola), Liebig havia diagnosticado o problema como decorrente do esgotamento de nitrogênio, fósforo e potássio, com esses nutrientes essenciais do solo se deslocando para as cidades cada vez mais povoadas onde contribuíram para a poluição urbana. Em 1842, o químico agrícola britânico J.B. Lawes desenvolveu um meio para tornar os fosfatos solúveis e construiu uma fábrica para produzir seus superfosfatos no primeiro passo no desenvolvimento de fertilizantes sintéticos. Mas a maior parte dos países do século XIX era quase completamente dependente de fertilizantes naturais para restaurar o solo.

Foi nesse período de aprofundamento das dificuldades agrícolas, devido ao esgotamento dos nutrientes do solo, que a Grã-Bretanha abriu o caminho para a apropriação global de fertilizantes naturais, incluindo, como Liebig apontou, desenterrando e transportando os ossos dos campos de batalha napoleônicos e das catacumbas da Europa e, mais importante, a extração pelo trabalho forçado de guano (oriundo do excremento de aves marinhas) nas ilhas da costa do Peru, provocando uma corrida mundial de guano. Na introdução da edição de 1862 de Química Agrícola, Liebig escreveu uma crítica contundente à agricultura industrial capitalista em seu modelo britânico, observando que “se não conseguirmos conscientizar o agricultor sobre as condições sob as quais ele produz e dar a ele os meios necessários para o aumento de sua produtividade, haverá guerras, emigração, fome e epidemias que criarão, necessariamente, as condições de um novo equilíbrio que minará o bem-estar de todos e finalmente levará à ruína da agricultura.”

Marx estava profundamente preocupado com as tendências da crise ecológica associadas ao esgotamento do solo. Em 1866, um ano antes da publicação do primeiro volume de O Capital, ele escreveu a Engels que, ao desenvolver a crítica do aluguel do solo no volume três, “tive que vasculhar a nova química agrícola na Alemanha, em particular Liebig e Schönbein, que é mais importante para esse assunto do que todos os economistas reunidos.” Marx, que estudava o trabalho de Liebig desde a década de 1850, ficou impressionado com a introdução crítica à edição de 1862 da Química Agrícola deste último, integrando-a à sua própria crítica de economia política.

Desde os Grundrisse, em 1857-1858, Marx havia dado o conceito de metabolismo (Stoffwechsel) – primeiro desenvolvido na década de 1830 por cientistas envolvidos nas novas descobertas da biologia e fisiologia celular e depois aplicados à química (especialmente por Liebig) e à física – um lugar central em seu relato da interação entre natureza e sociedade através da produção. Ele definiu o processo de trabalho como a relação metabólica entre humanidade e natureza. Para os seres humanos, esse metabolismo necessariamente assume uma forma socialmente mediada, abrangendo as condições orgânicas comuns a toda a vida, mas também assumindo um caráter histórico-humano distinto através da produção.

Com base nessa estrutura, Marx enfatizou em O Capital que a interrupção do ciclo do solo na agricultura capitalista industrializada constituía nada menos que “uma fenda” na relação metabólica entre seres humanos e natureza. A “Produção capitalista”, ele escreveu, reúne a população em grandes centros e faz com que a população urbana alcance uma preponderância cada vez maior. Isso tem dois resultados. Por um lado, concentra a força motriz histórica da sociedade; por outro lado, perturba a interação metabólica entre o homem e a Terra, ou seja, impede o retorno ao solo de seus elementos constituintes consumidos pelo homem na forma de alimentos e roupas; portanto, dificulta a operação da eterna condição natural para a fertilidade duradoura do solo. Mas, destruindo as circunstâncias que cercam esse metabolismo … obriga sua restauração sistemática como uma lei reguladora da produção social e de uma forma adequada ao pleno desenvolvimento da raça humana. Todo progresso na agricultura capitalista é um progresso na arte, não apenas de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo; todo progresso no aumento da fertilidade do solo por um determinado tempo é um progresso no sentido de arruinar as fontes mais duradouras dessa fertilidade…. A produção capitalista, portanto, apenas desenvolve a técnica e o grau de combinação do processo social de produção, minando simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza – o solo e o trabalhador.

Seguindo Liebig, Marx destacou o caráter global dessa fenda no metabolismo entre natureza e sociedade, argumentando, por exemplo, que: “por um século e meio, a Inglaterra exporta indiretamente o solo da Irlanda, sem sequer permitir a seus cultivadores os meios para substituir os constituintes do solo exaurido.” Ele integrou sua análise com um apelo à sustentabilidade ecológica, isto é, preservação de “toda a gama de condições de vida permanentes exigidas pela cadeia de gerações humanas”. Em sua declaração mais abrangente sobre a natureza da produção sob o socialismo, ele declarou: “A liberdade, nesta esfera, só pode consistir nisso: o homem socializado, os produtores associados, governa o metabolismo humano com a natureza de maneira racional, colocando-o sob seu controle coletivo … realizando-o com o menor gasto de energia e em condições mais dignas e apropriadas à sua natureza humana.”

Durante a última década e meia, os pesquisadores ecológicos utilizaram a perspectiva teórica da análise de deriva metabólica de Marx para analisar as contradições capitalistas em desenvolvimento em uma ampla gama de áreas: limites planetários, metabolismo de carbono, esgotamento do solo, produção de fertilizantes, metabolismo oceânico, exploração de pescas, derrubada de florestas, manejo de incêndios florestais, ciclos hidrológicos, remoção de montanhas, manejo de gado, agro combustíveis, apropriação global de terras e contradição entre cidade e campo.

No entanto, vários críticos de esquerda recentemente levantaram objeções teóricas a essa visão. Uma dessas críticas sugere que a perspectiva da ruptura metabólica é vítima de um “binarismo cartesiano”, no qual a natureza e a sociedade são concebidas dualistamente como entidades separadas. Por isso, ela é vista como uma violação dos princípios fundamentais da análise dialética. Uma crítica relacionada acusa que o próprio conceito de uma ruptura no metabolismo entre natureza e sociedade é “não reflexivo”, na medida em que nega “a reciprocidade dialética do ambiente biofísico”. Ainda outros sugeriram que a realidade da fenda metabólica ela mesma gera uma “fissura epistêmica” ou uma visão dualista do mundo, que acaba infectando a própria teoria dos valores de Marx, fazendo com que ele subestime as relações ecológicas em sua análise.

Aqui é importante enfatizar que a teoria da fissura metabólica de Marx, como geralmente é exposta, é uma teoria da crise ecológica – do rompimento do que Marx via como a dependência eterna da sociedade humana das condições da existência orgânica. Isso representava, em sua opinião, uma contradição intransponível associada à produção capitalista de mercadorias, cujas implicações plenas, no entanto, só poderiam ser entendidas dentro da teoria mais ampla do metabolismo da natureza-sociedade.

Para explicar o domínio natural mais amplo no qual a sociedade humana havia emergido e dentro da qual ela necessariamente existia, Marx empregou o conceito de “metabolismo universal da natureza”. Produção mediada entre a existência humana e esse “metabolismo universal”. Ao mesmo tempo, a sociedade e a produção humanas permaneceram internas e dependentes desse metabolismo terrestre maior, que precedeu o surgimento da própria vida humana. Marx explicou isso como constituindo “a condição universal para a interação metabólica entre natureza e homem e, como tal, uma condição natural da vida humana”. A humanidade, através de sua produção, “retira” ou extrai seus valores de uso de material natural desse “metabolismo universal da natureza”, ao mesmo tempo em que “respira sua [nova] vida” para essas condições naturais “como elementos de uma nova formação [social]”, gerando assim um tipo de segunda natureza. No entanto, em uma economia capitalista de mercadorias, esse domínio de segunda natureza assume uma forma alienada, dominada pelo valor de troca e não pelo valor de uso, levando a uma fissura nesse metabolismo universal.

Creio que isso fornece o esboço básico para uma compreensão materialista-dialética da relação natureza-sociedade – que está notavelmente em concordância não apenas com a ciência mais desenvolvida (incluindo a emergente termodinâmica) da época de Marx, mas também com a atualidade. entendimento ecológico mais avançado. Não existe nada dualista ou não reflexivo nessa visão. Na dialética materialista de Marx, é verdade, nem a sociedade (o sujeito / consciência) nem a natureza (o objeto) são subsumidas inteiramente dentro do outro, evitando assim as armadilhas do idealismo absoluto e da ciência mecanicista. Os seres humanos transformam a natureza através de sua produção, mas eles não fazem o que querem; ao contrário, o fazem sob condições herdadas do passado (da história natural e social), permanecendo dependentes da dinâmica subjacente da vida e da existência material.

A principal razão, sem dúvida, de que um punhado de críticos de esquerda, lutando contra essa estrutura conceitual, caracterizou a teoria da ruptura metabólica como uma forma de dualismo cartesiano, deve-se a uma falha em perceber que, dentro de uma perspectiva materialista-dialética, é impossível analisar o mundo de uma maneira significativa, exceto pelo uso de abstração que isola temporariamente, para fins de análise, um “momento” (ou mediação) dentro de uma totalidade. Isso significa empregar concepções que, à primeira vista – quando separadas da dinâmica geral – pode parecer unilateral, mecânico, dualístico ou reducionista. Ao se referir, como Marx faz, à “interação metabólica entre natureza e homem”, nunca se deve supor que o “homem” (humanidade) realmente exista completamente independentemente ou fora da “natureza” – ou mesmo que a natureza hoje exista completamente independente da (ou não afetado pela) humanidade. O objetivo de tal exercício de abstração é meramente compreender a maior totalidade concreta através do escrutínio das mediações específicas que se pode racionalmente dizer que a constituem dentro de um contexto histórico em desenvolvimento. Nosso próprio conhecimento da natureza, na visão de Marx, é um produto do nosso metabolismo social e humano, ou seja, nossa relação produtiva com o mundo natural.

Longe de representar uma abordagem dualista ou não-reflexiva do mundo, a análise de Marx do “metabolismo da natureza e da sociedade” era eminentemente dialética, visando compreender a maior totalidade concreta. Eu concordo com a observação de David Harvey em sua Palestra do Prêmio Deutscher de 2011 de que a “universalidade” associada à concepção de Marx da “relação metabólica com a natureza” constituía um tipo de conjunto externo de condições ou limites em sua concepção da realidade dentro da qual todos os “diferentes ‘momentos’ ”de sua crítica à economia política estavam potencialmente ligados entre si. É verdade também, como Harvey diz, que Marx parece ter deixado de lado em sua crítica do capital essas questões maiores sobre fronteiras, deixando para depois as questões da economia mundial e o metabolismo universal da natureza. De fato, a visão ecológica mais ampla de Marx permaneceu em certos aspectos necessariamente indiferenciados e abstratos – incapaz de atingir o nível de totalidade concreta. Isso ocorre porque havia uma quantidade aparentemente interminável de literatura científica para analisar antes que fosse possível discutir as mediações históricas distintas associadas à dialética co-evolucionária natureza-sociedade.

Ainda assim, Marx não se esquivou da gigante amplitude dessa tarefa e nós o encontramos no final de sua vida anotando cuidadosamente como as mudanças nas isotermas (as zonas de temperatura da terra) associadas às mudanças climáticas em épocas geológicas anteriores levou a grandes extinções na história da Terra. É essa mudança nas isotermas que James Hansen, o principal climatologista dos EUA, vê como a principal ameaça que a flora e a fauna enfrentam atualmente como resultado do aquecimento global, com as isotermas se movendo em direção aos polos mais rapidamente que as espécies. Outro exemplo dessa enorme preocupação com a ciência natural é o interesse de Marx nas palestras de John Tyndall na Royal Institution, sobre os experimentos que ele estava realizando na inter-relação da radiação solar e de vários gases na determinação do clima da Terra. Era bem possível que Marx, que assistiu a algumas dessas palestras, estivesse realmente presente quando Tyndall forneceu o primeiro relato empírico do efeito estufa que governava o clima. Essa atenção às condições naturais da parte de Marx deixa claro que ele levou a sério as duas questões acerca do metabolismo universal da natureza e da interação sócio-metabólica mais específica da sociedade e da natureza na produção. O futuro da humanidade e da vida em geral dependia, como ele reconheceu claramente, da sustentabilidade desses relacionamentos em termos da “cadeia de gerações humanas”.

A ruptura no metabolismo da Terra

Tudo isso nos deixa com a terceira objeção à teoria da ruptura metabólica de Marx, na qual é vista como desatualizada, e não mais de uso direto na análise de nossa ecologia atual do mundo, dadas as condições e análises mais desenvolvidas de hoje. Assim, as críticas foram feitas de que a fenda metabólica é “ultrapassada como uma maneira de descrever rupturas nas vias e processos naturais”, a menos que seja desenvolvida para abordar ecossistemas e ciclos naturais dinâmicos e levar em conta o processo de trabalho.

Tal síntese dialética, no entanto, foi uma força da teoria da ruptura metabólica de Marx desde o início, que foi explicitamente baseada em uma compreensão do processo de trabalho como a troca metabólica entre seres humanos e natureza e, portanto, apontou para a importância da sociedade humana em relação aos ciclos biogeoquímicos e às trocas de matéria e energia em geral. O próprio conceito de ecossistema teve sua origem nessa abordagem de sistemas dialéticos, na qual o amigo de Marx E. Ray Lankester, o principal biólogo darwiniano da Inglaterra na geração seguinte a de Darwin e um admirador de O Capital de Marx, esteve por desempenhar um papel de liderança. Lankester introduziu pela primeira vez a palavra “oecologia” (que depois viraria ecologia) na língua inglesa em 1873, na tradução que ele supervisionou da História da Criação de Ernst Haeckel. Mais tarde, Lankester desenvolveu uma análise ecológica complexa, iniciada na década de 1880, sob seu próprio conceito de “bionomia“, um termo visto como sinônimo de ecologia. Foi o aluno de Lankester, Arthur Tansley, que, influenciado pelos estudos bionômicos de Lankester (e pela teoria inicial dos sistemas do matemático marxista britânico Hyman Levy), introduziu o conceito de ecossistema como uma explicação materialista das relações ecológicas em 1935.

No século XX, o conceito de metabolismo se tornaria a base da ecologia de sistemas, particularmente no trabalho de referência de Eugene e Howard Odum. Foi Howard Odum, como Frank Golley explica em História do Conceito de Ecossistema na Ecologia, que “foi pioneiro em um método de estudar a dinâmica do [ecossistema] medindo … a diferença de entrada e saída, em condições de estado estacionário”, para determinar “o metabolismo do sistema como um todo”. Com base no trabalho fundamental dos Odums, o metabolismo agora é usado para se referir a todos os níveis biológicos, começando com a célula única e terminando com o ecossistema (e além desse sistema terrestre). Em suas tentativas posteriores de incorporar a sociedade humana a essa ampla teoria dos sistemas ecológicos, Howard Odum se baseou fortemente no trabalho de Marx, particularmente no desenvolvimento de uma teoria do que ele chamou de troca ecologicamente “desigual”, enraizada no “capitalismo imperial”.

De fato, se voltássemos hoje à questão original de Marx do metabolismo social-humano e do problema do ciclo de nutrientes do solo, observando-o do ponto de vista da ciência ecológica, o argumento seguiria essa linha. Os organismos vivos, em suas interações normais entre si e o mundo inorgânico, estão constantemente ganhando nutrientes e energia ao consumir outros organismos ou, para plantas verdes, através da fotossíntese e captação de nutrientes do solo – que são repassados ​​a outros organismos em uma complexa “cadeia alimentar” na qual os nutrientes são eventualmente reciclados de volta para onde eles se originaram. No processo, a energia extraída é utilizada no funcionamento do organismo, embora, em última análise, uma porção seja deixada sob a forma de matéria orgânica difícil de decompor no solo. As plantas estão constantemente trocando produtos com o solo através de suas raízes – absorvendo nutrientes e liberando compostos ricos em energia que produzem uma zona microbiológica ativa perto das raízes. Os animais que se alimentam de plantas ou de outros animais geralmente usam apenas uma pequena fração dos nutrientes que ingerem e depositam o restante como fezes e urina nas proximidades. Quando eles morrem, os organismos do solo usam seus nutrientes e a energia contida em seus corpos. As interações dos organismos vivos com a matéria (mineral ou viva ou anteriormente viva) são tais que o ecossistema geralmente é apenas levemente afetado e os nutrientes voltam para perto de onde foram originalmente obtidos. Também em uma escala de tempo geológica, a intemperização dos nutrientes bloqueados no interior dos minerais os torna disponíveis para futuros organismos. Assim, os ecossistemas naturais normalmente não “degradam” devido ao esgotamento de nutrientes ou à perda de outros aspectos de ambientes saudáveis, como os solos produtivos.

À medida que as sociedades humanas se desenvolvem, especialmente com o crescimento e a expansão do capitalismo, as interações entre natureza e seres humanos se tornam muito maiores e mais intensas do que eram antes, afetando primeiro o ambiente local, depois o regional e, finalmente, o ambiente global. Como alimentos e rações para animais agora são rotineiramente transportados por longas distâncias, isso esgota o solo, como Liebig e Marx sustentaram no século XIX, necessitando de aplicações rotineiras de fertilizantes comerciais em fazendas. Ao mesmo tempo, essa separação física de onde as culturas são cultivadas e de onde os seres humanos ou animais de fazenda as consomem cria enormes problemas de disposição para o acúmulo de nutrientes nos esgotos da cidade e no esterco que se acumula em torno das concentrações de operações agrícolas industriais. E a questão das quebras no ciclo de nutrientes é apenas uma das muitas rupturas metabólicas que estão ocorrendo agora. É a mudança na natureza do metabolismo entre um animal em particular – o homem – e o restante do ecossistema (incluindo outras espécies) que está no centro dos problemas ecológicos que enfrentamos.

Apesar do fato de que nossa compreensão desses processos ecológicos se desenvolveu enormemente desde os dias de Marx e Engels, é claro que, ao identificar a ruptura metabólica provocada pela sociedade capitalista, eles capturaram a essência do problema ecológico contemporâneo. Como Engels coloca em um resumo do argumento de Marx nO Capital, a agricultura capitalista industrializada é caracterizada pelo “roubo do solo: o auge do modo de produção capitalista é o enfraquecimento das fontes de toda a riqueza: o solo e o trabalhador. Para Marx e Engels, isso refletia a contradição entre cidade e campo e a necessidade de evitar as piores distorções do metabolismo humano com a natureza associada ao desenvolvimento urbano. Como Engels escreveu em A Questão da Habitação:

A abolição da antítese entre cidade e campo não é mais nem menos utópica do que a abolição da antítese entre capitalistas e trabalhadores assalariados. Dia após dia, está se tornando cada vez mais uma demanda prática da produção industrial e agrícola. Ninguém exigiu isso com mais energia do que Liebig em seus escritos sobre a química da agricultura, em que sua primeira exigência sempre foi de que o homem devolvesse à terra o que recebe dela e em que ele prova que apenas a existência de as cidades, e em particular as grandes cidades, impedem isso. Quando se observa como somente aqui em Londres, uma quantidade maior de esterco do que é produzido em todo o reino da Saxônia é despejada todos os dias no mar, com um gasto colossal que é necessário para impedir que esse esterco envenene toda Londres, então a utopia de abolir a distinção entre cidade e campo recebe uma base notavelmente prática.

Embora os problemas do ciclo nutritivo e do tratamento de resíduos, bem como a relação entre país e campo, tenham mudado desde o século XIX, o problema fundamental da cisão nos ciclos naturais gerados pelo metabolismo humano-social permanece.

Hoje estamos fazendo enormes avanços em nossa compreensão crítica da ruptura ecológica. A abordagem metabólica de Marx para a conexão natureza-sociedade tem sido amplamente adotada no pensamento ambiental, embora raramente incorpore a crítica dialética completa da relação de capital que seu próprio trabalho representava. Uma tradição de pesquisa interdisciplinar sobre “metabolismo industrial”, abordando fluxos de materiais associados a áreas urbanas, se desenvolveu nas últimas duas décadas. Como observou Marina Fischer-Kowalski, fundadora do Instituto de Ecologia Social de Viena e principal representante da análise de fluxos de materiais hoje, no final dos anos 90, o metabolismo se tornou “uma estrela conceitual em ascensão” dentro do pensamento sócio-ecológico. “Nos fundamentos da teoria social do século XIX”, acrescentou ela, “foram Marx e Engels que aplicaram o termo ‘metabolismo’ à sociedade”.

A crise ecológica global é agora cada vez mais entendida na ciência social em termos da industrialização da relação humano-metabólica com a natureza à custa dos ecossistemas do mundo, minando as próprias bases sobre as quais a sociedade existe. O conceito de Marx de “metabolismo social” (também conhecido como “metabolismo sócio ecológico”) tem sido usado por economistas ecológicos críticos para mapear toda a história das interseções homem-natureza, juntamente com as condições de instabilidade ecológica no presente. “Isso levou à análise dos modos de produção como “regimes sócios metabólicos” sucessivos, bem como às demandas de uma “transição sócio metabólica”. Enquanto isso, uma ligação mais direta da teoria da ruptura metabólica de Marx à crítica do capitalismo a sociedade permitiu que pesquisadores em sociologia ambiental realizassem investigações empíricas históricas sobre toda uma gama de problemas ecológicos – estendendo-se a questões de comércio ecológico desigual ou imperialismo ecológico.

Muito desse trabalho, obviamente, tem suas raízes no reconhecimento de que o mundo está atravessando “fronteiras planetárias” cruciais definidas pela saída das condições da época do Holoceno que alimentaram o crescimento da civilização humana – uma abordagem crítica pioneira por Johan Röckstrom, do Instituto de Resiliência de Estocolmo e dos principais cientistas climáticos como Hansen. Aqui, a principal preocupação é o que poderia ser chamado de Grande Ruptura na relação humana com a natureza provocada pelo cruzamento das fronteiras do sistema terrestre associadas às mudanças climáticas, acidificação dos oceanos, destruição da camada de ozônio, perda da diversidade biológica (e extinção de espécies), a interrupção dos ciclos de nitrogênio e fósforo, perda de cobertura da terra, perda de fontes de água doce, carga de aerossol e poluição química.

No Dia da Terra de 2003, a NASA lançou suas primeiras medições quantitativas por satélite e mapas do “metabolismo da Terra”, com foco na extensão em que a vida vegetal na Terra estava processando carbono por meio da fotossíntese. Esses dados também estão sendo usados ​​para monitorar o crescimento de desertos, os efeitos das secas, a vulnerabilidade das florestas e outros desenvolvimentos das mudanças climáticas. A questão do metabolismo da Terra está obviamente diretamente relacionada à interação humana com o meio ambiente. A humanidade agora consome uma parcela substancial da produção primária líquida global terrestre através da fotossíntese e essa participação está crescendo em níveis insustentáveis. Enquanto isso, a interrupção do “metabolismo do carbono” através da produção humana está afetando radicalmente o metabolismo da Terra de maneiras que, se não forem alteradas, terão efeitos catastróficos na vida do planeta, incluindo a própria espécie humana. Como Hansen descreve as possíveis consequências da Grande Ruptura no metabolismo do carbono, em particular:

A imagem que surge para a Terra em algum momento no futuro distante se quiser desenterrar e queimar todo combustível fóssil, é assim consistente com … uma Antártica sem gelo e um planeta desolado sem habitantes humanos. Embora as temperaturas no Himalaia possam ter se tornado sedutoras, é duvidoso que muitos permitissem que poucos ricos se apropriassem desse território ou que os humanos sobreviveriam ao extermínio da maioria das outras espécies do planeta. Não é exagero sugerir, com base nas melhores evidências científicas disponíveis, que a queima de todos os combustíveis fósseis possa resultar no planeta não apenas sem gelo, mas também sem seres humanos.

Marx e a revolução socioecológica

É precisamente aqui, quando confrontamos a enorme dimensão da Grande Ruptura no metabolismo da Terra, que a abordagem de Marx ao metabolismo da natureza e da sociedade se torna mais indispensável. A análise de Marx enfatizou a ruptura pela produção capitalista das “condições naturais eternas”, constituindo o “roubo” da própria terra. Mas sua análise foi única, pois apontou além das forças de acumulação e tecnologia (isto é, a esteira da produção) à estrutura qualitativa e de valor de uso da economia de mercadorias: a questão das necessidades humanas e sua satisfação. O valor de uso material natural do trabalho humano em si, na teoria de Marx, residia em sua produtividade real em termos da satisfação genuína das necessidades humanas. No capitalismo, ele argumentou, esse potencial criativo era tão distorcido que a força de trabalho era vista como sendo “útil” (de uma perspectiva capitalista de valor de troca) apenas na medida em que gerava mais-valia para o capitalista.

Para ter certeza, Marx não seguiu todas as ramificações dessa distorção do valor de uso (e da própria utilidade do trabalho). Embora ele tenha levantado a questão da estrutura qualitativa e de valor de uso da economia mercantil, ele viria a deixá-la em grande parte não examinada em sua crítica à economia política. Isso foi assumido de forma geral no contexto do capitalismo de meados do século XIX que aqueles valores de uso foram produzidos – fora do domínio relativamente insignificante da produção de artigos de luxo – estavam em conformidade com as necessidades humanas genuínas. Sob o capitalismo monopolista, a partir do último quartel do século XIX, e com o surgimento mais recente da fase do capital financeiro monopolista globalizado, tudo isso mudou. O sistema demanda cada vez mais, apenas para continuar em condições de superacumulação crônica, produção de valores de uso negativos e o não atendimento das necessidades humanas. Isso implica na alienação absoluta do processo de trabalho, isto é, da relação metabólica entre os seres humanos e natureza, transformando-a predominantemente em uma forma de desperdício.

O primeiro a reconhecer isso em grande parte foi William Morris, que enfatizou o crescimento do capital monopolista e o desperdício associado à produção maciça de bens inúteis e ao “trabalho inútil” que isso implicava. Morris, que estudara cuidadosamente O Capital de Marx – e especialmente a análise do processo de trabalho e a lei geral da acumulação – enfatizavam mais do que qualquer outro pensador a conexão direta entre produção socialmente desperdiçada e trabalho socialmente desperdiçado, traçando as consequências disso em termos de vida humana, criatividade e meio ambiente. em si. Em sua palestra de 1894, “Makeshift“, Morris afirmou:

Notei outro dia que o Sr. Balfour estava dizendo que o socialismo era impossível porque, sob tal, deveríamos produzir muito menos do que agora. Agora digo que podemos produzir metade ou um quarto do que fazemos agora e, no entanto, ser muito mais ricos e, consequentemente, muito mais felizes do que somos agora: transformando todo o trabalho que exercemos, na produção de coisas úteis, coisas que todos queremos, e… recusando-se a trabalhar na produção de coisas inúteis, coisas que nenhum de nós, nem mesmo os tolos desejam….

Meus amigos, muitas pessoas estão empregadas na produção de meros incômodos, como arame farpado, armas de 100 toneladas, painéis e outdoors publicitários que desfiguram os campos verdes ao longo das ferrovias e assim por diante. Mas, além desses incômodos, quantos mais são empregados na fabricação de mercadorias de luxo para pessoas ricas que não têm qualquer utilidade, exceto para permitir que os ditos ricos ‘gastem seu dinheiro’ como se fala; e mais uma vez, quanto mais na produção de improvisações miseráveis ​​para as classes trabalhadoras, porque elas não podem pagar nada melhor?

Outros, incluindo Thorstein Veblen, no início do século XX, e Paul Baran e Paul Sweezy, na década de 1960, viriam a desenvolver ainda mais a crítica econômica do desperdício e a distorção dos valores de uso na economia capitalista, apontando para “o efeito de interpenetração,” no qual a busca pelo aumento no índice de vendas penetrou na própria produção, destruindo quaisquer reivindicações de racionalidade existentes nesta última. No entanto, Morris permaneceu insuperável em sua ênfase sobre os efeitos do processo de troca de mercadorias capitalista na natureza qualitativa do próprio processo de trabalho, convertendo o que já era uma força de trabalho explorada em uma que também estava envolvida em um trabalho inútil, não criativo e vazio – não servia mais para satisfazer as necessidades sociais, e apenas desperdiçava recursos e vidas.

É aqui que a teoria marxista, e em particular a crítica ao capital monopolista, sugere uma saída da interminável destrutividade criativa do capitalismo. É através da politização da estrutura de valor de uso da economia, e a relação desta com o processo de trabalho e com toda a estrutura qualitativa da economia, que a abordagem dialética de Marx ao metabolismo entre natureza e sociedade ganha força. Os gastos dos EUA em áreas como militar, marketing, segurança pública e privada, rodovias e artigos pessoais de luxo somam trilhões de dólares por ano, enquanto grande parte da humanidade carece de necessidades básicas e de uma vida decente, e a biosfera está sendo sistematicamente degradada. Isso traz inevitavelmente questões de necessidades comunitárias e custos ambientais, e acima de tudo a exigência de planejamento – se queremos criar uma sociedade com substantiva igualdade, sustentabilidade ecológica e liberdade de uma forma geral.

Nenhuma transformação da estrutura geral de valor de uso da produção é concebível sem a automobilização da humanidade dentro de um processo co-revolucionário, unificando nossas múltiplas lutas. As contradições ecológicas e econômicas combinadas do capital em nosso tempo, além de todo o legado imperialista, nos dizem que a batalha por essa transição surgirá primeiro no Sul do planeta – do qual já existem sinais hoje. No entanto, as condições subjacentes são tais que a reconstituição revolucionária da sociedade tem que ser verdadeiramente universal em seu escopo e suas aspirações, abrangendo todo o mundo e todos os seus povos, para que a humanidade consiga afastar o mundo da beira da catástrofe provocada pela implacável e criativa destrutividade do capitalismo. No final, é uma questão do metabolismo humano com a natureza, que também é uma questão de produção humana e da própria liberdade humana.

 

Publicado originalmente em 2013 em https://monthlyreview.org/2013/12/01/marx-rift-universal-metabolism-nature/amp/