INTRODUÇÃO
A covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, trouxe diversas problemáticas em vários setores da sociedade: saúde, economia, política e, em especial, na educação. Nesse sentido, logo quando os primeiros casos foram confirmados no Brasil, foram tomadas várias medidas preventivas seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para, assim, tentar evitar o avanço generalizado da crise sanitária pandêmica que está afetando todo o globo. Nesse marco, os governadores de cada região foram adaptando as medidas de segurança para toda a população, recomendando o fechamento de estabelecimentos comerciais, clubes, academias, escolas e universidades públicas e privadas, tendo o isolamento como a principal barreira para conter o contágio.
Diante desse quadro bastante delicado o governo Bolsonaro se destaca pela gestão desastrosa antes as medidas de combate em pandemia, destaque para os conflitos com os ministros da pasta, demissão de Luiz Henrique Mandetta; cargo assumido por Nelson Teich, que com 28 dias no cargo pede demissão, após discordância em relação às medidas tomadas pelo Presidente Jair Bolsonaro. Nessa perspectiva, enquanto são travadas discussões políticas, à luz das barbaridades praticadas pelo governo federal, as incertezas à volta da vida, bem como as mortes, só se elevam.
O Brasil já é o 2º lugar no ranking no mundo em número de infectados com um total de 743.047 casos confirmados e o 3º em mortos, alcançando a soma de 38.543 óbitos, até o momento em que escrevíamos este artigo. O Ceará segue em 3º posição entre os estados brasileiros em número de infectados com 70.394 casos e 4.406 óbitos registrados, considerando o mesmo período. Infelizmente, esses números só tendem a crescer. Informações da OMS indicam que o país ainda não atingiu o pico da pandemia. Mesmo com toda essa situação, levando em conta que o Ceará não chegou ao extremo da curva de contágio, o governador Camilo Santana (PT) já anunciou uma série de medidas que se traduz em distintas etapas de flexibilização do isolamento no estado, que aponta para o retorno das atividades acadêmicas em escolas e universidades até o final de julho.
Diante da situação de isolamento social, seguindo orientações de autoridades sanitárias, as escolas e universidades foram as primeiras a paralisarem as atividades. Nas instituições de ensino superior do Ceará não é diferente. Desde então, o assunto de continuidade ou não das atividades virou polemica no âmbito acadêmico, como é o caso da Universidade Regional do Cariri (URCA). No dia 04 de abril de 2020, tomando como base uma reunião do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE), a (URCA) publica uma resolução possibilitando a continuidade das atividades através do ensino remoto. Ainda que a resolução não obrigue docentes e discentes a aderir a tais atividades, com efeito, muitas questões vêm surgindo. Nessa linha, cabe destacar as discussões provocadas pelo sentimento de desigualdade, pois nem todos têm acesso aos meios tecnológicos e nem a um ambiente adequado para estudo, além do desgaste psicológico entre os estudantes.
AULAS REMOTAS ≠ ENSINO A DISTÂNCIA (EAD)
As aulas remotas cujo o nome foi adotado pelos órgãos do governo federal que tratam dos assuntos relacionados à educação são diferentes das aulas transmitidas à distância que já vinham sendo utilizadas, no Brasil, majoritariamente pelo setor privado: famoso EaD – que significa Educação a Distância. O ensino imediato introduzido no país por causa da pandemia, o ensino remoto, é diferente da modalidade EaD. O ensino remoto não possui uma metodologia nem um planejamento efetivo para o aprendizado dos discentes, são atividades elaboradas pelos professores, que são enviadas por e-mail e o modo de interação, às vezes, é por uma plataforma virtual e sem uma preparação e condições profissionais para tal. A modalidade EaD possui uma metodologia, um planejamento e uma preparação profissional para os discentes. Essa diferença mostra logo o impacto do aprendizado da Educação a Distância para o ensino remoto.
Com tudo isso, é preciso frisar que nenhuma dessas duas formas de ensino substitui o ensino presencial, este ensino impacta de forma excepcional o aprendizado dos discentes. Fornece uma qualidade de informações e conhecimentos por meio das interações e contatos entre os professores e os alunos do que qualquer plataforma e ensino a distância. O desenvolvimento do ser humano depende do outro. O ensino remoto e o EaD quebram e modificam essa forma de desenvolvimento e podem vir a causar adoecimento psíquico em alunos/as. Ainda mais: essa forma de ensino interessa aos grandes empresários das grandes empresas de tecnologias, e, não raro, esse sistema desqualifica o trabalho dos professores, troca-os por máquinas e lança-os na informalidade.
Nessa lógica, o sistema de aulas remotas aplicado, não só na Universidade Regional do Cariri, mas em todas as universidades do país, reduz a qualidade do ensino e, de certo modo, se contrapõe ao ensino presencial. O momento que vivenciamos necessita de discernimento e cautela para a tomada de decisões. Estamos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco. O objetivo é parar todo o ensino educacional presencial e tomar conhecimento das condições de desigualdades para não utilizar o ensino remoto. De todo modo, os universitários foram aprovados em vestibulares para o ensino presencial e não à distância, mesmo que, na graduação, incialmente, os limites máximos fixados pelo Ministério da Educação (MEC) compõem uma carga horária de 20% de aulas a distância e agora essa quantidade de horas ampliou podendo ser até 40%.
Portanto, não é justo aplicar as aulas remotas por plataformas sem as universidades públicas tomarem conhecimento das condições individuais de cada aluno. O momento é de solidariedade e não de nos preocuparmos com fins meritocráticos ou qualquer tipo de concorrência e competição.
Com essa modalidade de ensino remoto, as universidades públicas abrem brechas para a privatização da educação pública e para informalidade dos trabalhadores e trabalhadoras. Sendo que, durante a campanha, Jair Bolsonaro já tinha em mente a ideia de aderir ao sistema de ensino a distância. De fato, o plano desse governo tende ao sucateamento do ensino, o que implica na deterioração das universidades e escolas e, no curso do processo, a privatização e aniquilamento da educação pública no país. A aceitação do ensino remoto significa expor e ampliar a desigualdade, que já são flagrantes no país, mas, também, descortinar o horizonte de sua imposição como modelo preferencial de instrução.
QUE NENHUM ESTUDANTE FIQUE PARA TRÁS!
No dia 25 de maio, militantes do AFRONTE, que constroem diversas entidades, de Norte a Sul do Brasil, participaram de um encontro virtual que teve como alicerce do debate o ensino remoto durante a quarentena.
As desigualdades que existem entre os estudantes, como também o espaço físico e as condições econômicas, foram constantemente observadas e tratadas no encontro, assim como a diferentes condições entre os estudantes, associadas a questão da divisão da sociedade em classes. Por conseguinte, surgiram indagações como: quem se beneficiaria com o ensino remoto, os mais ricos ou os mais pobres? Quem teria acesso as tais atividades remotas? A resposta mais óbvia é: os que tiverem as melhores condições técnico-financeiras terão êxito.
A grande burguesia, como sempre, teria vantagem sobre a classe média, que por sua vez, se sobressairia aos que vivem em nível de vulnerabilidade. Os primeiros teriam acesso a uma internet de qualidade, computadores e um ambiente adequado para acompanhar o novo modelo de ensino. Já os últimos, em larga escala, mergulhariam na incerteza e veriam reforçada a sensação de estarem ficando para trás.
No caso particular da URCA, as atividades não são de caráter obrigatório, conforme se desprende da resolução 011/2020- CEPE. Mas, o que muitos não entendem é que não estamos vivenciando um momento de normalidade. A crise política, econômica e da pandemia, indiscutivelmente, afeta o estado emocional do corpo estudantil. Ao mesmo tempo se evidencia a desigualdade social dentro do modelo remoto, que, segundo já indicado, destrava portas para a privatização das universidades públicas, seja ela federal ou estadual.
A URCA atende uma gama de estudantes de várias cidades da região do Cariri cearense e de estados do Nordeste, a grande maioria composta por alunos de famílias da classe trabalhadora. São estudantes de baixa renda, muitos oriundos de famílias vítimas do desemprego ou que atuam no âmbito da informalidade, e, portanto, nem sempre possuem acesso aos benefícios tecnológicos como possuir computador, celulares, internet e condições adequadas de domicílio. Desde o início do isolamento social já vínhamos alertando a respeito da falta de estrutura (internet, computador, local apropriado) por parte importante dos estudantes, além da situação das mães estudantes que precisam cuidar dos filhos, já que as creches também se encontram com suas atividades paralisadas, entre outros fatores.
Nesse contexto, realizamos uma breve pesquisa via internet com os discentes da Universidade Regional do Cariri para entender um pouco mais sobre essa realidade. Obtivemos 227 respostas, cerca de 2% dos estudantes da Universidade, sendo que 63% dos estudantes sondados eram mulheres e 37% homens. Dentro dessa contagem, 20,7% eram negros; 24,7% brancos; 51,1% pardos e os demais amarelo e indígena. 68,7% vivem na zona urbana e 31,3% na zona rural.
Quando questionados ao acesso à internet 85% responderam que possuem acesso via WI-FI; 10,1% só através de dados móveis (Chip) e 4,9% não possuem internet. Já se referindo a qualidade do acesso 57,3 % informaram que não usufruíam de uma boa internet; 42,7% declararam que não dispunham de uma internet de qualidade. Por fim, 63,4% asseguraram que possuíam computador ou notebook em casa; 10,6% não possuíam e 26% responderam que tinha acesso somente pelo celular.
Não nos restringimos aos aspectos técnicos do problema. Por isso, no tocante às condições psicológicas para resolver as atividades remotas, notamos as dificuldades discentes, uma vez que 51,5% afirmaram que não estavam em condições de desempenhar essa tarefa, uma fração maior do que a de 48,9 que apontaram que estavam em condições de cumprir com as obrigações virtuais. Quanto ao ambiente ou espaço para realizar as atividades, 51,5% preveniram que não possuíam um ambiente adequado para estudar, ao passo que 48,9% notificaram que sim. Quando questionados se eram a favor ou contra do uso das atividades remotas, 36,1% responderam que eram a favor e 63,9% se pronunciaram contra.
Nota-se que o quadro de ansiedade entre os estudantes, o acesso limitado à internet, o espaço de estudo insatisfatório, explicam em larga escala, esse posicionamento. Não custa recordar que esses alunos, muitas vezes, compõem um conjunto de 5 ou mais pessoas morando em uma casa com cômodos pequenos e, comumente, dividindo um quarto com até 3 a 4 pessoas. Todo esse fator interfere diretamente na aprendizagem e na saúde desses alunos, e isso tudo deve ser levado em consideração.
A realidade evidencia que as desigualdades não desapareceram, mas, inversamente, no quadro da crise sanitária, elas se agravam bruscamente. Pensar em soluções sem levar todos esses fatores em conta, de fato, não é válido para os que lutam nas fileiras do movimento estudantil para que nenhum estudante fique para trás. As aulas presenciais nas escolas e universidades têm previsão de retorno no final de julho. A Universidade Regional do Cariri não possui infraestrutura adequada para o retorno das atividades de ensino de forma segura e que deverão obedecer às restrições e garantir a segurança de toda comunidade acadêmica.
Mais do que nunca, o debate coletivo, a participação de caráter democrático de todos que constroem a universidade – estudantes, professores e funcionários – é a melhor forma de se chegar a um acordo de como vamos retornar. Ou seja: a solução passa pelo debate com toda a comunidade universitária. Temos de chegar a uma solução que mantenha a vida, respeite as dificuldades de acesso dos alunos e que, acima de tudo garanta igualdade de condições a todos(as) e cada um(a).
Que nenhum estudante fique para trás!
*Militantes do Afronte Cariri/Estudantes da Universidade Regional do Cariri-URCA.
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