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BRASIL

OPINIÃO: Porque eu vou ao ato amanhã

Scarlett Rocha, de Brasília, DF
Jorge Henrique

Eu queria ficar em casa amanhã, mas infelizmente não posso.

Resolvi escrever esse texto em face da polêmica que cresceu na esquerda sobre ir ao atos amanhã ou não, a partir da publicação do texto do Luiz Eduardo Soares e do vídeo do Emicida.

Primeiro, que eu já iria em função do meu trabalho, de fotografar e registrar a história, mas se esse não fosse o meu trabalho, eu iria mesmo assim. E abaixo eu justifico os motivos debatendo ponto a ponto com os principais argumentos que surgiram sobre não ir:

1° Argumento – “Nossos protestos vão aumentar a contaminação e contribuir para as mortes de COVID-19”.

Sobre isso, os protestos estão sendo organizados para ter distanciamento social. Pelos menos essa é a dinâmica do protesto organizado pela Frente Povo Sem Medo em conjunto com outras organizações em SP, e também em Brasília. Mas ainda se não fosse organizado dessa forma, quero falar da realidade no DF: AQUI JÁ NÃO TEM MAIS ISOLAMENTO SOCIAL. Ontem saí para fotografar mais um ato (em frente à Fundação Palmares, organizado pelo movimento negro) e o que vi foi a volta à “normalidade”. Trânsito em horário de pico, estacionamentos lotados, shoppings cheios, as comerciais do plano piloto também cheias. Metrô e ônibus? Cheios, sujos e sem sanitização.

No dia de hoje, sábado, em um shopping como o Park Shopping, chegam a circular 12 mil pessoas. Quer aglomeração pior que essa? Com as pessoas respirando ar de ar-condicionado? O fato é que, com a reabertura do comércio levada a cabo por Ibaneis, as pessoas voltaram a circular normalmente, independente da nossa vontade de que se mantenha o isolamento social. Para que o isolamento social aconteça, é preciso um Estado forte atuando nesse sentido, para que o comércio fique fechado e as pessoas mais socialmente vulneráveis recebam um auxílio decente para se manterem. Só está em isolamento social quem ainda tem o privilégio de ficar em casa, com a possibilidade de fazer compras pela internet. No DF, a classe média que trabalha no serviço público federal e estadual, ainda pode ficar em casa fazendo seu home office, mas já tá saindo pra rua para outras coisas. Ontem o que vi foram os barzinhos já reabertos com gente bebendo na calçada. Já na periferia, a realidade já é difícil há algum tempo. Boa parte da população tá fazendo seu corre pra se manter, porque 600 reais não dá para pagar aluguel, luz, água, gás e comida. Boa parte da população não tem comida na mesa nem água limpa na pia, pois falta saneamento básico na maior parte dos lares brasileiros. Então não é um ato de rua, com distanciamento social, que vai fazer o contágio explodir, mas sim a irresponsabilidade do Governo Federal e do Governo Estadual.

[Para quem quer participar do ato, mas não quer ir a pé, também vai ter carreata no Eixo Monumental.]

2° Argumento – “Bolsonaro vai usar os atos da esquerda como pretexto para dar um golpe”

Bolsonaro não precisa de gente de esquerda na rua para dar um golpe. Ele já deu. E só os desavisados não perceberam e acham que ainda estamos sob normalidade democrática. Já são 3 mil militares ocupando cargos de livre nomeação no governo, fora 9 ministros militares. É uma composição de militares no executivo maior do que na época da ditadura. Mas e se ele usar atos de rua para fechar o Supremo e o Congresso? Vejam, para fechar essas instituições, Bolsonaro não precisa da esquerda na rua. Precisa apenas que esses órgãos levem adiante a cassação da chapa no TSE ou mesmo o processo de Impeachment.

3° – “Vai ter infiltrados nos atos, vai ter quebra quebra, e vão acusar a gente de terrorismo para instalarem o Estado de Sítio”.

Certamente os órgãos de inteligência e repressão que estão aparelhados por Bolsonaro e a familícia (PF, ABIN, PM, Exército, Força de Segurança Nacional) vão trabalhar para a desestabilização dos atos. Não há dúvidas que eles querem o caos. Mas esse trabalho aconteceria mesmo se os atos fossem após a pandemia, bastando apenas ser atos contra o governo. E se ficarmos reféns dessa lógica NUNCA poderemos convocar atos de rua.

A ÚNICA coisa que pode parar a escalada autoritária do regime é o povo na rua. SÓ. MAIS NADA. Sempre, na história, sem exceção, só povo na rua derrubou regimes autoritários.

A MAIOR ARMA DO FASCISMO É O MEDO QUE ELE PROVOCA EM NÓS. PRECISAMOS SUPERAR ESSE MEDO.

4° – “Melhor esperar o Congresso ou o STF fazerem alguma coisa e deixar o Maia, o Dória, o Witzel brigando com o Bolsonaro, do que a gente apanhar na rua. Os liberais que se lasquem”.

Só pensa assim quem confia plenamente nessas instituições (Congresso e STF). Elas só se sentirão à vontade para tomar decisões mais drásticas (Cassação da chapa ou Impeachment) se houver uma grande mobilização à favor, não só no Twitter ou no Facebook, mas nas ruas. Dória, Witzel, Crivella, Brunos Covas e outros governadores e prefeitos, estão confortáveis em suas mansões, de onde nunca dispensaram suas empregadas (a casa grande e senzala continuou a todo vapor na pandemia), trabalhando na reabertura, que já anunciaram que vão fazer.

Em suma, a hora de reagir é agora, depois pode ser tarde.

De todo modo, se você não pensa em ir, não tente desmobilizar quem vai 😉

Se você não vai, você pode protestar de outra forma: faça panelaço na hora do ato na sua cidade, grite Fora Bolsonaro para todos os vizinhos ouviram, coloquem pano preto na janela, façam textão contra Bolsonaro nas suas redes sociais e encham a paciência dos poucos bolsominions da sua família, defendendo quem for no ato.

Só não caiam na narrativa golpista do governo de desmobilização dos atos.

 

*O artigo representa a opinião da autora e não necessariamente do Esquerda Online.