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BRASIL

Inquietações e um convite ao debate

Por Marcelo Sitcovsky, da Paraíba
Angélica Gouveia / UFPB
Durante os primeiros 60 dias de isolamento social dediquei-me a escrever alguns textos sobre a pandemia e as universidades, assim como sobre a defesa do funcionalismo público, explorando questões relacionadas ao orçamento federal.
Passado o primeiro momento, na UFPB a maioria de nós, senão toda comunidade universitária, iniciou o debate e a elaboração de propostas acerca do que fazer enquanto durar o isolamento social. As semanas foram animadas por discussões sobre a adoção de metodologias e recursos vinculados às experiências da educação à distância.
A crise econômica, sanitária e social manteve sua tendência de crescimento e se alastrou por todo território nacional, atingindo as periferias dos principais centros urbanos, assim como se espraiou pelas pequenas e médias cidades. O país dramaticamente teve os números de contaminados e vítimas fatais rapidamente ampliados.
As estatísticas e o georreferenciamento destes dados são fundamentais para o planejamento das ações de combate ao Covid-19, mas é sempre importante lembrar que os números se referem a vidas e famílias que estão sofrendo muito com a angustia dos que adoecem e ficam isolados em hospitais e é ainda mais dolorido para aqueles que perdem parentes e amigos.
A realidade das famílias, inclusive as nossas próprias, estão sendo fortemente impactadas, com alterações sobretudo da dinâmica intrafamiliar. Os espaços privados de nossas residências se transformando em salas de aula, especialmente àqueles que têm filhos em idade escolar, mas também em razão da adoção de atividades docentes remotas relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão.
Recebi e na sequência divulguei um excelente texto do prof. Roberto Leher, ex-reitor da UFRJ e experiente pesquisador sobre educação – sua principal credencial. O aludido artigo expõe uma análise muito rica sobre o atual momento que estamos enfrentando, ressaltando questões centrais sobre os desafios que envolvem as universidades, os interesses de grandes corporações relacionadas ao EAD e tecnologias da informação, assim como lança questões relativas a necessidade de debater e planejar o pós-pandemia.
Na UFPB avalio que estamos num meio termo daquilo que Roberto Leher problematiza, refiro-me ao calendário suplementar aprovado nas instâncias democráticas da universidade. Isso significa que temos de tudo um pouco, propostas de cursos e demais atividades que pretendem colocar toda a capacidade acumulada ao longo de anos a serviço da análise e de ações de combate a pandemia do coronavírus. Mas há entre nós os(as) que decidiram pelo caminho do ensino remoto – invariavelmente uma forma ainda mais precária de EAD – e estão oferecendo disciplinas como se nada estivesse acontecendo. Isso certamente é reflexo entre outras coisas da pluralidade que é própria das universidades, mas, também, obviamente é resultado das escolhas daqueles que têm o poder de deslanchar processos.
Desde o início minha posição é de que as Universidades têm feito muito durante a pandemia e que deveríamos colocar toda nossa energia à serviço de debates sobre os efeitos econômicos, políticos, sociais, culturais, da pandemia. Todas as áreas de conhecimento foram, estão ou serão atingidas, direta ou indiretamente, pela pandemia do Covid-19. Portanto, isso significa que há muito o que se estudar, pesquisar e ensinar, dimensões intrinsicamente relacionadas ao ambiente das universidades públicas do país.
Após a semana de divulgação e matrículas do calendário suplementar, pode-se constatar as dificuldades vivenciadas por toda a comunidade universitária (discentes, docentes e técnico-administrativos). A despeito da dedicação dos responsáveis, os sistemas demonstraram falhas e estrangulamentos, evidenciando que os alertas feitos ao longo dos debates preparatórios estavam lastreados em questões objetivas.
Neste momento, já é sabido que a quantidade de atividades oferecidas não foram suficientes para atender a demanda. Da mesma forma os dados divulgados indicam que estamos muito longe de alcançar todos(as) discentes da UFPB. O fato é que as atividades irão iniciar na próxima semana.
Ultrapassado esse momento, na esteira das questões problematizadas no artigo do Leher, considero da máxima importância que a UFPB se debruce no debate sobre às condições, exigências e padrões estruturais mínimos, que demandam planejamento e recursos, para adoção das medidas para o pós-pandemia – estando este mais próximo ou distante. Enfim, estas são apenas algumas inquietações provocadas ainda sob o impacto do processo interno referente ao calendário suplementar e a leitura do instigante artigo supramencionado.
Marcelo Sitcovsky é Professor do Departamento de Serviço Social da UFPB