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BRASIL

Brasil passa de 35.000 mortes e segue com crescimento descontrolado

Gilberto Calil

O quadro reúne os dados dos 15 países com maior número de mortes registradas. Tomamos como referência principal o ritmo de crescimento do número de mortos, tendo em vista que o patamar de subnotificação dos casos no Brasil inviabiliza qualquer comparação da evolução do número total de casos. Entendemos que o cálculo do ritmo de crescimento é mais revelador do a simples comparação dos números absolutos ou dos índices de mortes por milhão de habitantes, tendo em vista que a expansão do Covid-19 se iniciou em momentos diferentes e a pandemia encontra-se em estágios totalmente distintos.

O ritmo de crescimento mundial do número de mortes vinha diminuindo de forma consistente desde meados de abril. Sempre calculado para os 14 dias anteriores, há 40 dias o crescimento era 76%, há 20 dias era 18%, e agora está em 17%. Tal redução foi efeito das medidas de contenção e políticas de isolamento social adotadas de forma rigorosa em muitos países Nos últimos dias, no entanto, a tendência à redução vem sendo anulada pelo elevado crescimento das mortes no Brasil, México, Índia, Rússia e Peru.

Nos últimos sete dias, o Brasil teve 7.007 mortes, o que representa 2312% das 30.359 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.8% da população mundial), ultrapassando pela primeira vez a média acima de mil mortes diárias ao longo de toda semana e também passando os Estados Unidos (6.614 mortes no período). Juntos, ambos os países tiveram praticamente a metade das mortes registradas em todo o mundo. No dia de ontem, o Brasil muito teve mais mortes (1.008) que todos os 48 países da Europa (858).

Além disso, o resultado da pesquisa nacional Epicovid-19BR, divulgado no dia 25 de maio, indica que tínhamos então 7 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais, o que então abarcaria 1.4% da população. Caso a relação se mantenha, hoje estaríamos em 2.1%. Considerando a intenção declarada de Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho”, haveria espaço para que o número e contaminados crescesse ainda mais 33 vezes, com o que se chegaria mantendo a mesma relação, a 1.170.000 mortes, sem considerar o acréscimo decorrente do colapso do sistema de saúde nem a atual subnoficação de óbitos não testados. Além de estarmos entre os quatro países com maior ritmo de expansão das mortes (sendo o que tem maior número absoluto), temos também o maior ritmo de expansão do número de casos, que teve um crescimento de 95% em 14 dias, piorando dia a dia, tendo chegado a ultrapassar 30.000 mortes em um dia. Isto indica uma forte tendência de que o número de óbitos seguirá crescendo nas próximas semanas. Há 60 dias, 0,6% dos mortos eram do Brasil, há 30 dias chegava a 3% e hoje este índice já chega a 8,8% das mortes mundiais. Temos 165 mortes por milhão de habitantes, mais de três vezes superior à média mundial (51.1).

O Brasil mantém um ritmo de crescimento das mortes (66%) mais de quatro vezes superior à média mundial em 14 dias (17%). México (102%), Índia (78%) e Rússia (70%) também têm índices altíssimos e atravessam situação grave. embora ainda não estejam no mesmo patamar de desenvolvimento da pandemia (mesmo somados, não atingem o número de mortes que tem o Brasil). No caso do México, com o agravante de que o ritmo de crescimento das mortes continua subindo. Todos os demais países que estão entre os quinze com mais mortes tiveram diminuição do crescimento de mortes, estando o Canadá (23%) os Estados Unidos (14%) em uma situação intermediária e ainda com expressivo número de mortes diárias. O Reino Unido vem tendo uma diminuição menos expressiva que a maioria dos países da Europa Continental, em virtude de sua abertura prematura. Os demais países europeus registram um crescimento das mortes entre 2% e 4%, e índices de crescimento de novos casos ainda mais baixos (inferiores à 0,2% ao dia). As exceções são a Rússia, que é o terceiro em número de casos no mundo, e a Suécia, atualmente em profunda crise decorrente do fracasso da estratégia que seguiu, tendo um dos maiores índices de morte por milhão do mundo e estando muito longe de conseguir estabilizar a situação (289 mortes nos últimos 7 dias e 25.6% de crescimento dos casos em 14 dias), e ao mesmo tempo já sendo evidente que, com em torno de 5% da população “imunizada”, teria que multiplicar muito mais as mortes para chegar na almejada “imunidade de rebanho”.

A China deixa de constar no quadro dos quinze países com mais mortes, sendo ultrapassada pelo Peru. O país registra apenas uma morte nos últimos 30 dias e 56 novos casos nos últimos 14 dias.

Brasil, México e Índia são disparadamente os três países com menor número de testes. O número de testes por milhão de habitantes que Brasil (4.463), México (2.522) e Índia (3.181) é absolutamente inexpressivo e várias vezes inferior aos demais países com números análogos de mortes e casos (ainda que a Índia já tenha já passado de 4,5 milhões de testes). É um patamar de testagem que torna absolutamente inviável qualquer planejamento de reabertura. Na relação entre testes realizados e resultados positivos, o Brasil tem os piores números do mundo, com míseros 1.5 testes realizados por resultado positivo.

O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil contraria a tendência internacional de melhora da situação e indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já tendo passado de 32.000 mortes oficializadas, o país deveria ter já há muito tempo um ritmo de crescimento diário de novos casos bem abaixo de 1% para ao menos ter a expectativa de começar a reduzir o ritmo de crescimento das mortes em duas a três semanas. No entanto, o ritmo de crescimento de casos vem aumentando dia a dia. Tornam-se cada dia mais urgentes políticas efetivas de isolamento social e inclusive de lockdown em várias regiões, o que é justamente o contrário do que vem sendo feito. Medidas deste tipo foram adotadas por todos demais os países muito antes de chegarem no trágico patamar em que estamos no momento. Nosso isolamento social continua sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de baixa testagem e subnotificação generalizada, que se expressa também no enorme crescimento de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave não testadas para Covid, especialmente alto em alguns estados que registram número relativamente mais baixo de mortes por Covid, como Minas Gerais e Paraná.

No Brasil, o número de mortes está duplicando a cada 17,5 dias e o número de casos a cada 14,5 dias, enquanto no mundo o tempo de duplicação das mortes é de 42 dias e o dos casos é de 34,5 dias. Além de sermos o país com mais mortes diárias, também já somos o país com mais novos casos diários (ultrapassando os EUA, que realizam dezenas de vezes mais testes), o quarto país com o maior ritmo de crescimento de mortes (depois do México, Índia e Rússia, mas sob uma base numérica 3.5 maior) e o país com maior ritmo de novos casos diários. Certamente também somos o país com mais pacientes em estado grave, mas este dado não é atualizado há um mês.

Outros países, situados especialmente na América Latina, e também na África, Ásia e Oriente Médio, embora com números de casos e de mortes que ainda são menos expressivos, vêm tendo crescimento bastante superior à média mundial. Dentre estes, tiveram crescimento do número de casos superior a 100% nos últimos 14 dias: Etiópia (4.17x), Haiti (3.73), República Centro Africana (3.03x), Guatemala (2,45x), Bolívia (2.36x), Omã (2.22x), África do Sul (2,16x),Afeganistão (2.06x), Bangladesh (2x), Armênia (2x).

De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que praticamente não tem tido novos casos, como Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia, Vietnã, Nova Zelândia, Eslovênia, Suíça, Áustria, Croácia, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Bósnia, Costa Rica, Cuba, Uruguai e Paraguai, todos eles com expressiva redução do número de casos ativos. Dentre 213 países considerados, 21 não tem registrado nenhum caso ativo e outros 22 tem menos de 5 casos.

É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de novos casos, para em consequência reduzir o número de mortes, pois a manutenção dos índices atuais projeta um cenário que é pior a cada dia e só vai piorar se o processo de reabertura tiver continuidade na situação atual. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 66% a cada 14 dias), o número de mortes no Brasil atingiria 58.178 em 17/6, 96.575 em 1º/7 e 160.315 em 11/7. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais precarizados. Um pequeno aumento ou uma pequena diminuição no percentual produz um grande efeito em cascata nos números em dois ou três ciclos, o que reforça a urgência do reforço das medidas protetivas.