O manifesto “Estamos Juntos” traz demarcações liberais já na primeira frase, mas não fala abertamente em impeachment nem em “Fora Bolsonaro”. Em paralelo a isso, editorial de “O Globo” do mesmo dia (31/05) afirma que “os democratas precisam conversar” para construir “uma via política que não deve excluir Bolsonaro”. Afinal, o que quer a direita liberal? Quer uma frente pela saída de Bolsonaro ou quer usar uma parte do campo progressista como linha-auxiliar, para que a direita liberal se fortaleça como a dirigente da oposição, de modo a tentar controlar “arroubos” do Presidente, enquanto estabiliza a agenda de Guedes e se diferencia como via supostamente mais “civilizada” para 2022?
Querem frente ampla pra derrubar Bolsonaro? Aqui está o texto para o manifesto: “Fora Bolsonaro. Impeachment já”. Quatro palavras, sem mais. Serão capazes de assumi-las ou seguirão na enrolação? A esquerda deve, no mínimo, tensionar para que assumam isso com clareza. É a condição zero de qualquer unidade na ação neste momento. O tempo para as entrelinhas já passou. As ameaças golpistas se multiplicam, e quem quer se somar ao movimento pelo impeachment deve ser explícito.
A frente pelas “Diretas já”, lá nos anos 1980, unificou-se em torno a essas duas palavrinhas objetivas e práticas, demanda imediata, e não a truísmos do tipo “Estamos juntos”. Como bem disse o Samuel Braun, quanto mais enxuto e objetivo o discurso, mais vai funcionar para unir gente diferente. É assim que se pode aglomerar amplos setores contra Bolsonaro, não com ladainhas vagas e campanhas cujo objetivo real parece ser o de nacionalizar núcleos de uma movimentação liberal nebulosa (ou tão transparente quanto aparenta ser).
E por fim: assinando ou não manifesto A ou B, a esquerda não pode abrir mão do discurso de classe, no confronto ao governo. O governo Bolsonaro-Guedes beneficia 1% da população, contra 99%. A tragédia socioeconômica em curso, como fruto de suas políticas, é tão grave quanto a sanitária. Não podemos deixar Bolsonaro fingir que quem defende a economia popular é ele, que a rigor atenta violentamente contra ela. A esquerda não pode se deixar ver como quem só se preocupa em defender isolamento e ataca “excessos” do Presidente, como boa parte da direita liberal. Defender renda, emprego, liberdades concretas – isto é, não apenas um vago discurso de defesa de instituições, mas nomear as liberdades das mulheres, indígenas, juventude negra da periferia, LGBTs, militantes sociais, alvos do bolsonarismo. Certamente, algumas lideranças de esquerda estão empenhadas nisso, não estou inventando a roda. Temos, no entanto, como se sabe, um amplo caminho a percorrer para apresentar outro projeto, enraizado na realidade, a partir de baixo e à altura da crise civilizatória que vivemos.
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