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BRASIL

Antes “pró-vida”, Doria e prefeitos do litoral abandonam isolamento pela “economia”

Leandro Olimpio, de São Vicente, SP
Divulgação / Governo do Estado de SP

Entrevista coletiva

Frente ao descaso explícito de Jair Bolsonaro diante da Covid-19 desde o início da pandemia, cerca de 100 dias atrás, as medidas adotadas por prefeitos e governadores – mesmo que insuficientes e parciais – foram fundamentais para a atual tragédia não ser ainda maior. Mas agora, diante da pressão empresarial, aqueles que num passado recente prometeram garantir o isolamento social até que a curva de contágio fosse reduzida, hoje parecem considerar que o crescimento das mortes não é muito mais importante que a dita “economia”.

O relaxamento do isolamento social no estado por João Doria (PSDB), através do Plano São Paulo, é a máxima expressão de que o discurso pró-vida da direita “civilizada” não passa da página 2. Diante da pressão dos seus semelhantes (o grande empresariado paulista), Doria coloca em marcha um plano de reabertura mesmo com a epidemia em plena expansão. A partir dos últimos dados fornecidos pelo governo, no último dia 4, já superamos 34 mil mortes (oficiais), colocando o Brasil no vergonhoso e lamentável terceiro lugar no ranking de óbitos resultantes da doença no mundo. Nas últimas 24 horas foram 1.473 mortes, uma por minuto em função do novo coronavírus.

Por sua vez, descontentes com a classificação da Baixada Santista na faixa vermelha, a pior possível, os nove prefeitos da região exigiram a reclassificação para a faixa laranja, que permite a reabertura de algumas atividades. Diante da negativa do governo estadual, também resolveram guardar no armário a vestimenta “humanitária”. Indignados, na quarta-feira (3) anunciaram que irão ignorar Doria e flexibilizar o isolamento social a partir de segunda-feira (8). Ao longo de cinco minutos, a TV Tribuna, afiliada da Rede Globo na região, repercutiu na manhã desta sexta-feira (5) a decisão dos prefeitos. Se por um lado eles tiveram espaços de sobra para justificar a decisão, por outro nenhuma linha sobre o que as principais entidades médicas e cientificas pensam desta absurda reabertura. As máscaras caem, as mortes sobem.

O site Observatório Covid-19 BR, criado por pesquisadores para fornecer análises cientificas sobre a pandemia, divulgou relatório sobre o plano de reabertura em São Paulo, classificando como “temerário qualquer relaxamento de intervenções sem que a epidemia esteja em fase decrescente”. A nota aponta também que “as medidas de abrandamento do distanciamento social trazem o risco potencial de um aumento do número de casos, pois quanto maior o número de contatos, mais contágios são possíveis”. Por fim, ressalta que “o governo assume um risco não calculado de retomada de um processo epidêmico acelerado”, lembrando que “salta aos olhos que não foram apresentados estudos técnicos mais completos, que permitiriam uma avaliação independente do plano, o que daria suporte científico e técnico a respeito das medidas em vista de serem adotadas”. 

Ou seja, a decisão de João Doria e dos prefeitos da região resultará em mais mortes. E eles sabem disso. Por isso, embora não reproduzam os métodos medievais e as declarações fascistas de Bolsonaro, igualmente sacrificam vidas para defender o lucro. Lembramos também que mesmo quando defendiam a quarentena, foram incapazes de garantir a taxa necessária de isolamento social, que era estipulada em pelo menos 70% e sempre oscilou na casa dos 50%. Se não foram capazes de fiscalizar a quarentena antes, o que dizer agora diante do liberou geral? Medida fundamental no combate à Covid-19, o fornecimento de testes em massa também não foi colocado em prática e não há nenhuma expectativa de que agora o quadro mude.

Sabemos que a maior parte da população, abandonada pelo poder público, não tem condições de cumprir a necessária quarentena. O trabalhador informal precisa sair às ruas para se alimentar e o que tem registro em carteira não têm outra opção senão seguir batendo ponto para não ser demitido. Na Refinaria de Cubatão, para citarmos apenas um exemplo trágico da lógica do lucro a qualquer custo, essa obrigação de seguir a “normalidade” já custou a vida de três operários.

O falso dilema “salvar vidas x economia” serve justamente aos governos que, submissos aos interesses da elite econômica do país, se recusam a combater a Covid-19 e seus efeitos a partir de medidas que, enfrentando os privilégios e riqueza do 1%, atuem sobre a crise sanitária e econômica para proteger as massas trabalhadoras e setores mais vulneráveis.

Com a suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes credores e a taxação dos super-ricos e banqueiros, haveria recursos suficientes para um conjunto de ações que julgamos de extrema urgência: o direito à quarentena remunerada a todos trabalhadores de serviços não essenciais; verbas suficientes para compra de testes em massa e de todos equipamentos hospitalares e EPI’s necessários ao SUS; renda básica de 1 salário mínimo para todas as famílias em dificuldade econômica por tempo indeterminado; proibição de todas demissões e de redução de salários; financiamento para todos pequenos negócios em crise.

Enquanto países de todo o mundo, mesmo aqueles que adotaram tardiamente o isolamento social, começam a superar a Covid-19, diminuir o número de mortes e reabrir sua economia, no Brasil a política genocida de Bolsonaro, agora fortalecida por governadores e prefeitos irresponsáveis, coloca nosso país como epicentro da pandemia. Mais do que isso, evidencia a falência do capitalismo. Neste sistema perverso, fica evidente que a vida dos explorados e oprimidos só tem valor como instrumento necessário para o acumulo de riqueza do 1%. Sem isso, somos apenas um “fardo” para os grandes capitalistas e seus gestores.

Dois membros da equipe economia de Jair Bolsonaro, representantes diretos desta elite sem escrúpulos, deram declarações ilustrativas. Paulo Guedes, ministro da economia, foi taxativo na reunião ministerial de 22 de abril: “ajudando as grandes empresas, ganhamos. Ajudando o pequeno empresário, perdemos”. Solange Vieira, aliada do ministro, sem corar comentou que “é bom que as mortes se concentrem entre os idosos. Melhorará nosso desempenho econômico, reduzirá nosso déficit previdenciário.” O relato foi feito pelo médico Júlio Croda, do Ministério da Saúde, e confirmado por mais uma fonte da Reuters. Enfim, tudo se resume a números, cifras, lucro.

Por isso, os atos antifascistas e pela democracia que pipocam pelo país não são apenas legítimos, mas necessários para barrar a ofensiva fascista e pró-morte no país. Assim como é fundamental uma Frente de Esquerda, para fortalecer e ampliar a resistência popular. Com respeito às regras de distanciamento social, com uso de máscaras, tais manifestações fortalecem o que se apresenta como estratégico neste momento: pressionar os governos por medidas emergenciais que coloquem a vida acima do lucro, e fortalecer a luta pela queda de Jair Bolsonaro, massificando a luta pelo impeachment popular e cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Esta é a tarefa número um de todos os partidos, sindicatos, movimentos sociais e ativistas que lutam contra a barbárie capitalista.