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OPRESSÕES

Corpos negros que caem: quem não cuidou de Miguel?

Zuleide Fernandes de Queiroz*, do Cariri (Ce)
Reprodução /TV Globo

Mirtes Renata Souza, mãe de Miguel

Dados do Brasil – mais de 30.000 mortos e dos Estados Unidos, mais de 100.000 mortos, estão escancarados nas redes sociais. Estes números têm raça e etnia, apontando que os negros são os que mais morrem durante a pandemia do COVID 19. Todos os dias acordamos com as notícias que escancaram, cada vez mais, as desigualdades sociais no Brasil e a sua relação com a negritude. Se vivíamos no disfarçado discurso de ‘democracia racial, a pandemia vem dizer que não, pois na hora do direito a respiração, são negros, trabalhadores e pobres que não têm direito a um respirador, a um leito.

Vamos lembrar: quem primeiro morreu de COVID 19 no Brasil – uma empregada doméstica, no Rio de Janeiro; quem perdeu seu filho para uma ação da polícia, em período de isolamento? Uma família negra no Rio de Janeiro, e seu filho estava em casa.

Esta semana, estamos dentro de vulcão que grita justiça por Georg Floyd, onde? Nos Estados Unidos. Quem ele era? Um homem negro. Atitude? Suspeito.

No dia 2 de junho, mais um corpo negro cai. Sim, cai do 9º andar. Da sua casa? Não, da casa da patroa da sua mãe que é empregada doméstica. Onde esta mãe estava? Tinha levado o cachorrinho da patroa para passear….. E com quem ficou esta criança? No apartamento da patroa, que não cuidou devidamente de uma criança, conforme assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Estes acontecimentos se juntam para que possamos, de uma vez por toda, falar de “racismo estrutural”. Segundo Silvio de Almeida, quando falamos de raça […] seu sentido está inevitavelmente atrelado às circunstâncias históricas em que é utilizado. Por trás da raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de um conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a história da constituição política e econômica das sociedades. (ALMEIDA, 2018. p. 19).

O conceito nos leva a pensar como acontecimentos históricos, falo aqui da escravidão no mundo e em especial no Brasil, podem marcar definitivamente o povo negro. Palavra cunhada pelos brancos, a estes não bastou apenas classifica-los como “outros sujeitos”, ou “cidadãos de segunda categoria”. Como isso acontece? Quando a estes é negado o direito às mínimas políticas públicas.

O caso do Menino Miguel, que morre ao cair do 9º andar, do apartamento da patroa da sua mãe, na cidade de Recife, dia 2 de junho, mostra as condições em que estão submetidos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros: assalariados, informais, diaristas e desempregados, em sua maioria negros e mulheres.

Sem condições de trabalho e salários dignos, muitas mães são obrigadas a deixar os filhos em qualquer situação, dentre estas, não poder fazer o isolamento necessário, pois precisam comer e não receberam, o auxilio emergencial. A mãe de Miguel representa outras centenas de mães nesta mesma condição, ou pior. Não bastando o risco de contaminação para si, as mães submetem seus filhos aos riscos porque não têm onde deixar. Afinal o espaço do lar e as aulas remotas não são para todas as crianças e jovens no Brasil.

Estas histórias eram cenas anunciadas quando assistimos o congelamento dos recursos da assistência e da educação, quando aconteceu as reformas trabalhistas e da previdência, quando o governo Bolsonaro veio propor um mísero R$ 200,00 para auxilio aos pobres. E, se não bastasse, ainda afirma que o “destino é a morte”. Só não tem coragem de continuar a frase e dizer ”o destino é a morte dos trabalhadores, pobres, da periferia e negros.

Por isso, não temos mais dúvida de que estamos diante de um governo que acusamos de aplicar a política da morte aos pobres – uma necroplítica.

Sabemos que cada corpo negro que cai, agora é motivo de levante popular, mas aliado ao nosso sentimento de luta por justiça precisamos apontar uma saída para o Brasil e, a principal é, Fora Bolsonaro, pois aliamos possibilidades de esperança e de vida contra uma política da morte.

Todo nosso apoio a mãe de Miguel e vamos participar da nossa campanha “A vida vale mais que os lucros”!

 

* Militante do PSOL e da Resistência Feminista