Pular para o conteúdo
BRASIL

A pandemia e os impactos sob as desigualdades regionais no Brasil

Por David Cavalcante, de Recife, PE
Alex Ribeiro / Ag.Pará

Ação Itinerante do governo do Pará do combate à Covid-19

Uma epidemia é definida por um aumento, muitas vezes repentino, no número de casos de uma doença do que é normalmente esperado para a população de uma determinada área geográfica. Um surto é a terminologia utilizada quando os casos da doença estão contidos em uma área específica mais limitada. Uma pandemia refere-se a uma epidemia que se espalhou por vários países ou continentes, afetando a saúde de um número muito maior de pessoas.

Desde o reconhecimento da Pandemia causada pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2) pela Organização Mundial de Saúde-OMS, em 11 de março, que o Brasil ingressou nos maiores patamares entre os países onde rapidamente se alastrou a contaminação com o letal vírus. Do ponto de vista infectológico é sabido que o processo de contaminação não escolhe idade, classe social ou região, no entanto, quando a epidemia se encontra com problemáticas sociais estruturalmente e historicamente mais graves como é o caso das Regiões Nordeste e Norte do país, vemos que as consequências são muito mais arrasadoras, visto que estão sendo associados aos baixos indicadores sociais e a uma maior precariedade de cobertura e funcionamento do Sistema Único de Saúde-SUS destas regiões.

Antes da Pandemia do Covid19, segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua-IBGE (PNAD, 2019), o rendimento domiciliar per capita mensal do Brasil, divulgado antes da crise sanitária, em fevereiro de 2020, alcançou a média de apenas R$ 1.439,00 , no entanto, de todos os Estados da Federação, todos os 9 Estados do Nordeste e 7 Estados do Norte, mais Minas Gerais, indicaram rendas menores do que a média nacional, com destaque para Maranhão (R$ 636,00), Alagoas (R$ 731,00), Pará (R$ 807,00), Piauí (R$ 827,00) e Amazonas (R$ 842,00) com os piores indicadores de renda per capita da nação.

Em 2018, o Nordeste registrou ainda que 14,7% dos seus domicílios possui fornecimento regular de água em apenas 1 a 3 vezes por semana, isso nas grandes regiões, pois quando se adentra para os municípios do interior a precariedade aumenta. Em relação à existência de redes de esgotos ou mesmo fossas ligadas à rede de esgoto, a Região Nordeste registrou 44,6% dos domicílios e o Norte apenas 21,8% , sendo que média nacional foi de 66,3% dos domicílios com tal serviço e a região Sudeste ultrapassa os 80%.

O déficit habitacional nas Regiões Norte e Nordeste também são os maiores. Pelos informes da Câmara Brasileira da Indústria da Construção-CBIC, no Norte do país, o percentual chega a 10% do total do país, em relação aos 8,41% da população da região e o Nordeste chega a 27% em relação aos 31% da população nacional, além de uma maior precariedade das habitações existentes nos bairros mais populares e periféricos.

Essa drástica realidade social revelada apenas por alguns dos piores indicadores evidentemente, numa concepção de saúde mais abrangente que seja vista como acesso a meios de qualidade de vida e reprodução da própria existência enquanto seres humanos, vem exacerbando os efeitos da pandemia no país, pois encontrou um terreno social mais vulnerável para impactar ainda mais a população trabalhadora e precarizada.

A pandemia revelou grandes discrepâncias no sistema de saúde nas regiões mais pobres do país

O Brasil não é um bom exemplo de oferta ampliada de serviços de saúde, nem público nem privado. Segundo a OMS, a média global de existência de leitos de internação hospitalar (incluindo UTIs) é de 3,2 leitos para cada mil habitantes contra 1,95 leitos existentes no país. Na Itália, por exemplo, há 60% mais leitos do que o Brasil proporcionalmente ao número de habitantes e mesmo assim o sistema de saúde daquele país entrou em colapso, ou seja, não conseguiu atender todos os pacientes o que gerou mais mortes. Pior ainda, o número de leitos no território nacional diminuiu 12,6% em dez anos, caindo de 2,23 (2010) para 1,95 por cada mil habitantes (2019).

Segundo o Relatório dos Hospitais do Brasil (2019), houve ainda entre 2010 e 2019, uma redução do número total de hospitais no Brasil, diminuindo de 6.907 para 6.702 hospitais em todo o território. Apesar do aumento de hospitais públicos (+355 hospitais ou +17,1%), houve a redução de hospitais privados (-560 hospitais ou -11,6%), que impactou negativamente a disponibilidade geral de acesso à saúde, mesmo para quem tem planos de saúde privados mais acessíveis.

Os indicadores na área da saúde também são graves em termos regionais para o Norte e Nordeste. No país, em dados de 2020, segundo o Conselho Federal de Medicina-CFM, existem 493.281 médicos em atividade e, segundo o Conselho Federal de Enfermagem-COFEN, existem no Brasil, 2.298.710 profissionais de enfermagem, incluindo aí as(os) enfermeiras, auxiliares, técnicas e obstetrizes.

No entanto, quando observamos a distribuição dos médicos e enfermeiros por região, considerando a relação proporcional com o número de habitantes, a tragédia é bem maior. Isso sem considerar os demais profissionais da área de saúde tão necessários para o SUS e o SUAS.

Em levantamento anterior sobre a Demografia Médica no Brasil, o CFM já havia identificado uma grande disparidade na proporção entre habitantes e quantidade de médicos em atividade por Estado da Federação e por Região. Em 2017, a média nacional era de 1 médico inscrito para cada 470 habitantes, sendo que no Nordeste essa relação sobe para 749 habitantes por médico e no Norte, 953 habitantes por profissional, naquele ano.
Igualmente, segundo uma pesquisa da Fiocruz (Confen/2015), a categoria dos profissionais de enfermagem no país é composta por um quadro de 80% de técnicos e auxiliares e 20% de enfermeiros, sendo que mais da metade dos enfermeiros (53,9%), técnicos e auxiliares de enfermagem (56,1%) se concentra na região Sudeste. O Nordeste que representa 28,4% dos brasileiros segundo o IBGE, apresenta a menor concentração de profissionais, com apenas cerca de 17,2% dos profissionais de enfermagem.

Em se tratando, por exemplo, dos dados da contaminação por Covid19 (subnotificados) e óbitos resultantes, há uma grave afetação das regiões Norte e Nordeste, vejamos:

Em termos quantitativos de óbitos e casos de contaminados, a Região Sudeste é a mais afetada devido às mais altas taxas de concentração populacional em Rio e São Paulo, mas as Regiões Norte e Nordeste são as que revelam maiores incidências de contaminação, considerado a relação por 100 mil habitantes, indicando menores taxas de isolamento social e tendências ao crescimento da letalidade.

O quadro se agrava ainda mais quando se adentra nas cidades distantes das capitais e mesmo nas cidades médias, pois a distribuição de médicos e demais profissionais de saúde por habitante piora bastante e justamente a partir do mês de maio a contaminação por COVID19 começou a se espalhar mais ainda nas cidades do interior do país e nas grandes periferias urbanas.

A resposta à pandemia no país foi totalmente debilitada e enfraquecida, primeiro devido à ausência de um combate centralizado nacional produto do negacionismo do governo federal neofascista que reforçou o negacionismo numa grande parcela da população que já desconfia da própria ciência, segundo, às repostas parciais da maioria dos próprios governadores e prefeitos em relação às medidas de isolamento social resultante de capitulações às pressões empresariais, incluindo aí os governadores de oposição da Região Nordeste que neste mês de junho, contrariando todas as recomendações dos infectologistas, anunciaram programações de relaxamento do isolamento social.

Neste caminho, não está descartado que o Brasil que, nesta data, já conta com mais de meio milhão de infectados (subnotificados) e mais de 31 mil mortos caminhe para uma segunda onda da pandemia, multiplicando ainda mais a quantidades de infectados e de mortos.