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MUNDO

“Uma ofensa a um é uma ofensa a todos”: um motorista de ônibus sobre a solidariedade com os manifestantes de Minneapolis

Hard Crackers

Motoristas de Nova York se solidarizam com manifestantes

Originalmente publicado em Hardcrackers.com*

Adam é motorista de ônibus em Minneapolis e membro do sindicato dos transportes ATU Local 10051 e do Socialist Alternative2 de Minneapolis. No meio dos protestos que ocorrem em Minneapolis, ele tomou a decisão de recusar o pedido dos policiais de usar seu ônibus para transportar pessoas presas para a delegacia. Como consequência dessa e de outras pressões, a ATU International divulgou recentemente uma declaração pedindo uma investigação independente sobre a morte de George Floyd e apóia o direito de seus membros de recusar o transporte de policiais e manifestantes presos. Nós conversamos com ele para discutir os protestos em andamento em Minneapolis e como os membros dos sindicatos podem apoiar a luta contra a brutalidade policial racista.

Você pode nos contar um pouco sobre o que faz e como chegou à decisão de não permitir que a polícia de Minneapolis usasse sua linha de ônibus para transportar manifestantes presos?

Então, eu sou motorista de ônibus da cidade. Tenho sido motorista nos últimos dois anos. Dirijo um ônibus que cobre as áreas metropolitanas nos arredores de Minneapolis e St Paul. Sou membro do sindicato Local 1005 e estou envolvido com organizações da esquerda há alguns anos, desde o tiroteio policial em Philando Castile. Não sei se você se lembra, mas ele foi baleado e morto pela polícia em Falcon Heights, um subúrbio entre Minneapolis e St Paul. Houve uma série de protestos após seu assassinato. Houve a ocupação da mansão do governador que não ficava longe de onde Castile foi assassinado. Participei dos protestos e marchas que ocuparam a Interestadual 94, que vai de Minneapolis a St Paul. Muitos de nós fomos presos lá naquela noite e fomos carregados em ônibus da cidade, e motoristas de ônibus metropolitanos nos levaram à prisão do condado.

Foi a minha experiência com esses protestos que me fez ver como o departamento de polícia usa os ônibus e os trabalhadores. Decidi aceitar esse trabalho porque tem bons benefícios e um sindicato forte. Mas agora eu me encontro em uma situação semelhante. O que eu faço? Quando os protestos de George Floyd eclodiram, eu estava lá no segundo dia. Os protestos começaram no local onde ele foi morto e todos marcharam para a delegacia. No terceiro dia, que foi nesta quarta-feira, a situação evoluiu para a ocupação da 3ª delegacia. Não pude participar naquele dia porque estava trabalhando. Mas quando eu estava dirigindo na minha rota, recebi uma mensagem no monitor oferecendo horas extras aos motoristas que desejavam dirigir um ônibus da polícia. Soube imediatamente que o departamento de polícia estava tentando usar-nos para se preparar para prisões em massa. No meu intervalo, digitei uma publicação rápida no Facebook – o que você acabou vendo. Dizia algo assim: “Ei, como membro do sindicato e como trabalhador, não posso, em sã consciência, participar disso”.

Mas eu não queria apenas escrever uma postagem no Facebook. Eu também queria convencer meus colegas de trabalho. Percebo que sou apenas um motorista de ônibus e não tenho autoridade real sobre 2500 trabalhadores. Mas eu queria mostrar aos meus colegas de trabalho que é muito fácil recusar, porque eles estão oferecendo isso como horas extras. Eles não podem nos obrigar a fazer isso. Contanto que eles ofereçam como horas extras, podemos recusá-lo.

Além da publicação no Facebook, também iniciei uma petição on-line para meus colegas de trabalho e outros membros do sindicato assinarem. Também criamos um grupo de membros do sindicato do Facebook para o #JusticeforGeorgeFloyd para apoiar os protestos.

Você tentou ter conversas individuais com seus colegas de trabalho sobre os protestos?

Tem sido difícil. Mesmo em circunstâncias normais, você não vê seus colegas de trabalho com frequência. Na maioria das vezes, você está sozinho em seu ônibus. A oportunidade de conversar com alguém é mais difícil agora por causa do COVID-19. Reduzimos o atendimento e há motoristas que estão em casa e não vão trabalhar porque foram expostos ou porque têm medo de levar a doença para casa e suas famílias. Então, tem sido um momento muito estressante.

Eu entrei no trabalho esta tarde e, basicamente, quando entrei, eles anunciaram que todo o sistema seria desligado. Eles disseram que há muitos tumultos acontecendo e que as pessoas não podem continuar correndo o risco de ir trabalhar. No entanto, fomos informados de que, deveríamos permanecer por aqui, se quiséssemos ser voluntários.

O que isso implica?

Bem, você pode se voluntariar para fazer uma de três coisas: dirigir ônibus de uma garagem para outra, transportar policiais e agora potencialmente a Guarda Nacional, ou levar manifestantes presos para a cadeia. Então, aproveitei a oportunidade para conversar com meus colegas de trabalho. Perguntei-lhes: “Você está disposto a fazer isso para um departamento de polícia que tem criminosos?”

Como eles responderam?

Muitos motoristas disseram coisas como: “Não quero entrar em uma situação perigosa. Minha esposa vai me matar se descobrir que eu entrei no tumulto.” Os motoristas estão preocupados com sua segurança pessoal. Outra motorista disse que estava preocupada com o fato de que se ela for transportar policiais, ela será alvo de manifestantes.

E então testemunhei que um dos meus colegas de trabalho concordou em ser voluntário. O despachante disse que teria que estar disposto a transportar policiais. E ela disse que não e sentou-se novamente. Ela disse: “Vou dirigir de uma garagem para outra, mas não vou dirigir a polícia por aí”.

Quando vi isso, entendi que havia um sentimento entre os motoristas que não desejam fornecer nenhum apoio a um departamento de polícia que pudesses ajuda-los.

O que seus colegas acham dos protestos que estão ocorrendo? Vi nas notícias que uma delegacia de polícia foi incendiada.

Eu pude ter essas conversas na garagem hoje. Todo mundo com quem conversei reconheceu que era especialmente flagrante a forma como os policiais assassinaram George Floyd e que o policial estava errado e deveria ser acusado, preso e julgado pelo que fez. Há muita simpatia pelo protesto por causa de tal injustiça óbvia. Mas, ao mesmo tempo, a conversa passou disso para – concordamos com as recentes escaladas dos distúrbios? Tentei redirecionar a conversa para que os motoristas pudessem ver como as elites políticas administravam mal a cidade e permitiam que o departamento de polícia passasse sem prestar contas. O agente policial [que assassionou George Floyd] é um merda racista. Ele está na força policial há 19 anos e cometeu brutalidades enquanto estava de serviço por muitos anos. Ele tem sido violento com as pessoas que prendeu. O prefeito e o conselho da cidade tornaram-se mais liberais e vão reproduzir o discurso do Movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), mas ainda assim esse policial foi autorizado a permanecer na força o tempo todo. Eles aumentaram o orçamento da polícia ano após ano, equanto há uma crise de habitação. A primeira declaração após o assassinato de Floyd foi uma mentira completa. Disseram que ele teria resistido à prisão. Agora houve um vídeo divulgado e não há nenhum ponto em que George Lloyd resistiu à prisão.

Como está Minneapolis neste momento?

Quando as pessoas chegaram à Delegacia nº 3 foram recebidas com balas de borracha e a polícia de choque. A polícia não fez nada para melhorar a situação. Isso foi terça à noite. Mas eu diria que entre os manifestantes não há confiança no establishment político da cidade, nem no FBI de Trump, para fazer uma investigação completa, e nem no departamento de polícia, que continua provocando os manifestantes com seus métodos.

O prefeito é um político liberal típico do establishment que não tem condenado a maneira como a polícia está abordando os manifestantes e as táticas que estão usando.

Não é de surpreender que as pessoas tenham chegado a essas conclusões de que não podem confiar no departamento policial e na liderança da cidade, que lhes mostrou que são incapazes ou não querem levar justiça às vítimas do passado. Então, por que eles confiariam neles desta vez? Então, eles estão tomando o assunto em suas próprias mãos.

O que você espera fazer ao envolver seus colegas de trabalho?

Chegou a um ponto em que, para que o movimento de protesto avance, é preciso haver um caminho de transição é o que tem sido levantado repetidamente. Os liberais estão dizendo para irem para casa, mas isso não vai funcionar.

Hoje, houve esforços de diferentes grupos progressistas independentes para continuar os protestos na prefeitura do centro da cidade, onde fica o gabinete do Procurador. Também foi levantada a exigência de que o Procurador principal do condado levantasse acusações contra os quatro policiais envolvidos. Acho que haverá protestos chegando até lá enquanto falamos. Provavelmente vou lá embaixo depois que desligar o telefone com você.

Existem milhares de pessoas lá em baixo. É um bom desenvolvimento. As pessoas querem revidar e não querem ir para casa. Eles podem não ver as táticas da noite passada como eficazes, mas não querem ficar em casa. Eles querem voltar e lutar, mas talvez com métodos diferentes.

O que é empolgante para mim é que o Sindicato de Enfermeiras de Minnesota e a Federação de Professores de Minneapolis e o Local 1005 fizeram declarações condenando o assassinato de George Floyd. Todos declararam que a justiça precisa ser feita e usaram uma linguagem forte.

Eu acho que é necessário que o movimento sindical se conecte com os manifestantes. Mais e mais pessoas de cor estão se tornando membros dos sindicatos, mas para que o movimento sindical cresça e se torne uma força viável para lutar contra os patrões, temos que mostrar que somos capazes de lutar por toda a classe trabalhadora.

Isso significa que precisamos transcender o que está acontecendo dentro do local de trabalho e chegar a trabalhadores desorganizados e capazes de lutar com eles além do local de trabalho. Esse é um papel que os sindicatos podem desempenhar nas vidas das pessoas da classe trabalhadora.

O movimento dos trabalhadores foi atacado e reprimido. Eles ainda são a força de combate mais eficaz para as pessoas da classe trabalhadora, porque pode ser esse poder coletivo para os trabalhadores lutarem e se protegerem contra o interesse dos patrões.

Quais são os próximos passos?

Eles estão parando o serviço de transporte público até segunda-feira. Infelizmente, não vou trabalhar de forma a poder conversar com colegas de trabalho. Mas acho que consegui estabelecer métodos para manter a comunicação e a organização fora do local de trabalho.

Vou encorajá-los a participar dos protestos. No sábado, espera-se um grande protesto novamente, e vejo um momento para organizar um contingente trabalhista que mostre solidariedade com os manifestantes. Esta é uma oportunidade para os trabalhadores mostrarem que podem usar sua posição para lutar por justiça e avançar com as exigências que os manifestantes apresentam. Os trabalhadores organizados também podem agir coletivamente para interromper a produção e os lucros empresariais, que é a maior ameaça para a classe política dominante.

Entrevista publicada a 29 de Maio

*Fonte: https://hardcrackers.com/injury-one-injury-minneapolis-bus-driver-solidarity-minneapolis-protesters/?fbclid=IwAR1kATSW6GoYwGGndYE_iIQFaPB1o09-TWZ53RwCp5YT_a3xxc-nXsNX-Xc

1ATU significa Amalgamated Transit Union, que poderia ser traduzido como Sindicato Unificado dos Transportes. Nos EUA, os Sindicatos organizam-se através de departamentos locais numerados, neste caso o trabalhador entrevistado pertence ao departamento local 1005.

2Socialist Alternative é uma organização trotskista, secção norte-americana da corrente internacional ISA.