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CULTURA

Arte e cultura pra derrotar o fascismo. Na II Guerra e hoje!

Bernardo Pilotto, sociólogo, sambista e folião

Indo para a II Guerra Mundial, um soldado brasileiro levou sua cuíca. Nesses tempos de pandemia mundial e de luta contra o avanço de ideias fascistas no Brasil (e no mundo), essa foto tem ainda mais significado.

Não é à toa que essa imagem ilustra a capa do livro “Latin America During Word War II”. Ela transborda esperança em dias melhores. Mesmo indo para uma guerra de proporções mundiais, a importância de levar seu instrumento, pois alguma hora haveria de ser possível tocá-lo, para um momento de respiro dele e de seus colegas.

Uma imagem que fala também sobre a importância do samba para a vida deste soldado. E não é que a atual pandemia tem nos explicitado tanto a importância da arte e cultura para nossas vidas. De certa forma, as apresentações que muitas artistas fazem de suas casas, as festas virtuais e outras iniciativas com este sentido são a nossa cuíca em tempos de guerra.

A foto também traz a tona a participação de sambistas como soldados brasileiros na II Guerra. Esse tema ilustra alguns sambas, como uma trilogia de Wilson Batista (disponível na voz de Chico e Cristina Buarque).

Os sambas “Lá Vem Mangueira”, “Cabo Laurindo” e “Comício em Mangueira” contam a história de um diretor da Mangueira (o Laurindo) que foi “para o front” e, na volta ao Brasil, “coberto de glória”, é saudado pelas demais escolas de samba e realiza um comício no morro. Laurindo é retratado como “amigo da verdade e defensor da igualdade” e sua chegada é um indício de que no morro “vai haver transformação”.

Os 3 sambas tem um tom épico e a força da melodia vai subindo conforme a história vai sendo contada. No final da trilogia, é quase automático ficar de pé, emocionado, cantando em voz alta.

Ainda que Laurindo fosse um personagem imaginário de sambas da primeira metade do século XX (uma pesquisa de Rodrigo Alzuguir, que gerou uma peça de teatro com esse nome, encontrou 13 sambas com esse personagem), é possível dizer que esse Laurindo da trilogia de Wilson Batista tenha existido.

Isso porque a foto de nosso soldado com sua cuíca evidencia algo que já apareceu em outras pesquisas e nas notícias da época: muitos dos pracinhas brasileiros eram oriundos das classes populares. Poderiam, portanto, serem moradores de morros do Rio de Janeiro. E, sendo moradores de morros e favelas, porque não seriam de uma escola de samba?

Além disso, é válido lembrar a participação de vários militantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro), defensores da igualdade, entre a Força Expedicionária Brasileira. Junto a isso, temos a importância da URSS na derrota do nazi-fascismo e uma já forte presença do PCB no mundo do samba carioca (os relatos indicam a participação de Paulo da Portela e do próprio Wilson Batista em reuniões com forte influência do PCB). Portanto, não seria difícil que um sambista carioca no pós II Guerra fosse militante comunista e organizasse comícios no morro.

Desta forma, dá pra dizer que foram muitos os “Cabos Laurindos” que estiveram na Europa ajudando na derrota do nazi-fascismo, naquilo que se configurou certamente como uma das maiores vitórias da classe trabalhadora mundial no Século XX.

Esse soldado da foto, que acreditou na arte e na cultura num dos momentos mais difíceis da história mundial, pode ser uma inspiração para o momento que vivemos. É também com arte e cultura que derrotaremos a pandemia e o fascismo atual e que comemoraremos essa vitória.

 

*Agradeço a Rodrigo Alzuguir pelo envio da foto e a Julia Ventura e Mariana Vantine pelo incentivo para que o texto saísse.