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BRASIL

Educação e Tecnologia

Crítica à ideologia da modernidade na implantação da Educação à Distância

Por Marcos Cesar, do Rio de Janeiro
Pexels

Entendo que vários colegas e eu, inclusive, já utilizamos a EaD como forma de avançar na educação formal devido à impossibilidade de tempo e distância para realizar os estudos presencialmente.

Cabe ressaltar que a falta de tempo se dá exatamente por sobrevivermos em um sistema que reserva a classe dominada uma única função, o trabalho, inclusive em meio a uma pandemia, uma vida dedicada exclusivamente ao trabalho.

Tendo esse sistema nos podado outras potencialidades humanas, o estudo, a arte, o esporte e até mesmo o lazer são privilégios aos quais nosso acesso é extremamente limitado, e quando possível geralmente se apresentam como produtos para consumo.

Acredito que como eu conhecem as limitações dessa modalidade e reconhecem que os melhores momentos foram as poucas as atividades presenciais oferecidas nesses cursos.

A EaD é desde sua origem é um projeto de educação precarizada para a classe trabalhadora, pois é regida pela lógica do mundo do trabalho.

Teve início com cursos profissionalizantes, por correspondência baseados em material impresso, uma educação voltada para oferecer conhecimentos mínimos para atender as necessidades do mercado, sem nenhuma perspectiva de formação cidadã ou crítica.

Com o passar do tempo adotou outras tecnologias como rádio, TV,  computadores por cds-rom e depois internet, sempre na lógica de uma educação de transmissão de conteúdos e voltado principalmente para a o ensino profissionalizante.

No Brasil, a EaD encontra como principal patrocinador e incentivador o Sistema S, das organizações patronais da indústria e do comércio. E também as organizações de mídia comercial, sendo a Fundação Roberto Marinho a maior referência.

Através de sua influência e pressão conseguiram consolidar seu projeto, garantindo inclusive financiamento público, com a ditadura militar conseguiram para além da educação profissionalizante avançar sobre a educação básica,  inserindo a EaD para alfabetização de jovens e adultos e expandindo para os demais segmentos, como forma de desmonte das políticas de EJA anteriores ao golpe, da educação popular e do sucesso do método Paulo Freire.

É durante a ditadura militar que a EaD avança também para o ensino superior, exatamente num contexto de controle das aulas e conteúdo, de censura, como forma de formatar as aulas num modelo pré preparado e esvaziando os espaços de encontro, socialização e troca.

O EaD se reforça como forma de controle dos espaços de construção de saber, das escolas e universidades como forma de afastar a relação entre profissionais da educação e estudantes, entre os profissionais em si, e os estudantes em si, pra qualquer coisa além da transmissão bancária de conteúdo, impossibilitando a organização desses segmentos e sua mobilização de forma coletiva e construindo uma lógica individualista e utilitária de educação.

Por trás desse projeto de precarização da educação vem uma ideologia de modernidade, do novo, dos avanços tecnológicos, do progresso, da substituição do ser humano pela máquina, o século XXI. Palavras de ordem que escondem a superexploração, a miséria, a eliminação de postos de trabalho, o controle cada vez maior dos recursos pelas grandes corporações, a transformação dos direitos como saúde e educação em mercadoria, a desagregação das relações entre pessoas, a relação utilitarista do ambiente.

Essas palavras de ordem são usadas como armas contra a educação, em especial contra a educação pública, como forma de destruir as possibilidades de uma educação libertadora para classe trabalhadora, e tentam fazer um falso antagonismo entre tecnologia e educação presencial.

Desde a Revolução Francesa, quando a burguesia se viu obrigada pela participação popular e o discurso de igualdade a extender a educação a toda população, logo se buscaram meios de diferenciar a educação da classe trabalhadora e da burguesia.

Com avanço neoliberal, pós queda do muro, e fim das políticas de bem-estar social, como freio das mobilizações populares iniciaram as políticas de como retirar todos os direitos conquistados e instituídos pelas políticas keynesianas, a educação entre eles.

Hoje para a classe trabalhadora se propõe várias medidas, fim da universalização da educação, fim da escola pública, privatização da educação, controle dos conteúdos, o esvaziamento do espaço escolar e universitário, migração para espaços virtuais. Enquanto as escolas da elites mantem grande diversidade de disciplinas, projetos, teoria vinculado a prática, propostas de escolas democráticas.

A educação presencial nunca foi inimiga da tecnologia, pelo contrário, é na troca e na construção do conhecimento que nascem os novos saberes, as soluções para problemas antigos e a tecnologia. Desde o ábaco, passando pelo lápis, pela máquina de calcular e computadores, a educação usa, cria e transforma as tecnologias a seu favor.

É sonho de muitos dos professores da rede pública que possamos gozar de alta tecnologia, entretanto a realidade é ausência de bibliotecas, salas de informática, laboratórios, proibição do uso de aparelhos celular e similares, não há acesso a internet em várias escolas e as poucas que possuem não é de qualidade, faltam condições básicas de trabalho inclusive de higiene e acessibilidade. Para governos que em função das classes dominantes vem sucateando a escola pública, dar fim a ela e substituir por uma plataforma virtual é apenas mais um passo em direção ao fim da educação como direito.

A educação que queremos e defendemos é pública, democrática e inclusiva e o espaço onde ela pode se realizar é presencialmente, é na convivência real do dia a dia que se cria o respeito pela diversidade, que se desenvolvem práticas democráticas, que se estabelecem relações de confiança, cuidado e solidariedade, é onde os conflitos são oportunidades de desenvolvimento de aprendizado, é onde o debate e a troca de experiências, produz consciência de coletivo e aponta um futuro de emancipação e liberdade.

A ideologia do novo e do moderno, tenta substituir o espaço de construção, a interação humana, por espaços de reprodução. E dessa forma tentar tornar privado às elites o poder criador, cabendo as classes dominadas a ausência de noção de sujeitos criadores de sua história, saberes e tecnologias, assumindo papel passivo e reprodutivo diante da realidade.