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CULTURA

Da Cultura, da Vida e do Amor: a importância da Lei de Emergência Cultural

Christiane Ribeiro Gonçalves* e Marcos Rocha*, de Fortaleza, CE
Cintia Bracht/PMPA/ Fotos Públicas

Cia Municipal de Dança de Porto Alegre se apresenta na 21ª Mostra Sesc Cariri de Culturas no Ceará, em 2019.

Na última terça-feira, 26 de maio, a cultura brasileira alcançou uma vitória: a aprovação da Lei de Emergência Cultural (PL Nº 1075/2020), chamada de Lei Aldir Blanc, na Câmara dos Deputados. Com relatoria da deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), a PL foi fruto de um processo que começou a ser construído há aproximadamente dois meses, não apenas por parlamentares, mas também pela sociedade civil e por trabalhadoras e trabalhadores da cultura, num momento em que a pandemia do coronavírus estava explodindo no país e o setor cultural, tendo sido um dos primeiros a suspender suas atividades, iniciava ali um período de grandes dificuldades.

Ainda ocorrerá a votação no Senado, porém com a sinalização pública do líder do Governo na Câmara que não haverá veto do presidente, certamente será aprovada também.

É importante ressaltar que a cultura no nosso país desde o início do atual governo vêm enfrentando inúmeros retrocessos e o primeiro foi a extinção do Ministério da Cultura, reduzindo-o a uma Secretaria, comandada desde então por pessoas reacionárias, despreparadas, com uma compreensão de cultura reducionista, conservadora e mesmo fascista, em prejuízo flagrante à diversidade cultural e com impactos econômicos negativos relevantes para o setor.

É nesse contexto que conseguimos a aprovação da Lei de Emergência Cultural, a qual destinará 3 bilhões de reais ao setor, recurso esse descentralizado a Estados e Municípios e que contemplará três eixos: 1) renda emergencial para trabalhadoras e trabalhadores da cultura de 600 reais por três (03) meses; 2) subsídios mensais de 3 a 10 mil reais para manutenção de espaços artísticos e culturais, micro e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias; 3) editais, chamadas públicas e prêmios.

Assim, há a necessidade primeiro de um amplo diálogo com os gestores locais/secretarias de cultura para que considerem que essa é uma Lei de proteção social, de cidadania, de renda básica, como o próprio nome diz, de emergência para trabalhadoras e trabalhadores sobreviverem nesses tempos de pandemia e não circunscreverem, por exemplo nos editais, apenas as questões estéticas ou especificamente artísticas das propostas apresentadas e, segundo, uma boa articulação entre conselhos, redes, sociedade civil e as casas legislativas municipais e estaduais para pressionarem liberação desses recursos.

Temos no Brasil aproximadamente 5 milhões de pessoas que atuam no setor cultural, de onde 57% são mulheres muitas vezes chefes de famílias, mães solo, únicas responsáveis pela renda familiar, exercendo funções não regulamentadas, “bicos”, freelas, recebendo apenas por atividades executadas. É necessário, então, que a liberação e o acesso a esses recursos sejam o mais desburocratizados e breves possível para atender um setor que desde a segunda quinzena de março está parado e certamente será o último a voltar, seguindo os critérios de flexibilização da Organização Mundial de Saúde.

Não podemos sequer pensar em deixar a Cultura esmorecer! Sabe o seu gosto por um determinado estilo musical, seu paladar ou mesmo sua forma de pensar e sentir? Pois bem, tudo isso vem da Cultura. Mas sabe o que há de mais extraordinário na Cultura? É que nela tudo pode ser mudado.

Podemos mudar a nós mesmos. Podemos mudar o mundo, se não o mundo inteiro, nossos pequenos mundos. Isso pode nos levar a pensar o quanto Cultura e Vida andam juntas. Porque a vida é um eterno vir a ser, um eterno devir. Na vida, mesmo que a gente não queira e as vezes nos sintamos desconfortáveis, tudo muda o tempo todo. Mas não nos assustemos, na vida e na cultura tem tempo para tudo e nós podemos com alguma habilidade tramarmos nossos tempos e nossas possíveis mudanças.

Às vezes aparece alguém dizendo como se deve fazer isso e aquilo. Como se deve pensar. Do que se deve gostar. Mas essa gente não consegue segurar isso por muito tempo. Na Vida e na Cultura a diversidade, mudanças e revoluções são imperativas. Quando um rio quer seguir seu fluxo ele segue e não há barragem que o segure indefinidamente.

E o amor, será que entrou aqui só para dar um sabor adocicado a tudo isso? Não! O amor é como motor, como coisa que potencializa a vida e a cultura. O amor é como força que nos impele a produzir mudança. Como aquilo que nos faz dar de nossa própria carne, suor, sangue, nervos pelo simples gosto de se estar vivo e a caminho, sempre a caminho, sem nunca desejar chegar ao final da linha. Um amor pelo que é humano, pelas humanidades e em defesa irrefreável da mesma.

É o gosto pela Vida, pela Cultura em sua potência, fluxo e diversidade, e pelo Amor ao Outro, e a si mesmo, pois não há como amar o Outro sem que se ame profundamente, que enche nossos pulmões de ar e diferenciam nosso olhar, perceber e agir.

Cuidemos, pois, bem, muito bem, com muito zelo e amor da nossa Cultura e da nossa Vida. Nossa luta continua e ela é todo dia! Viva a Cultura!

 

*Christiane Ribeiro Gonçalves e Marcos Rocha são coordenadores da Fábrica de Imagens – ações educativas em cidadania e gênero e do Ponto de Cultura Outros Olhares e integrantes da Rede Cearense Cultura Viva.