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EDITORIAL

A solidariedade da classe trabalhadora faz a diferença

Editorial de 28 de março de 2020

“Estamos por nossa própria conta”, constatou o militante sul-africano Stevie Biko na luta contra o regime do Apartheid. Invocamos esse pensamento no momento em que o Brasil vive uma crise dramática (saúde pública, econômica, social e política) e o governo genocida de Bolsonaro conduz o país para uma catástrofe de dimensões incalculáveis.

Nesse momento, o Brasil já se tornou o epicentro mundial da pandemia do novo coronavírus. Quando escrevíamos este editorial o país registrava mais de 25 mil mortes oficiais pela covid-19 (número impreciso devido à enorme subnotificação). Sem vacina ou remédio com eficácia comprovada até aqui, os únicos meios eficazes para controlar a disseminação da doença são o isolamento social e a testagem em massa, que não estão sendo feitos com a amplitude necessária.

Para garantir as condições sociais e econômicas para a quarentena, a União, os estados e os municípios precisariam realizar um grande projeto de auxílio emergencial para garantir renda (de pelo menos 1 salário mínimo) para todas famílias que precisam por tempo indeterminado. Além  disso, seria necessário proibir demissões e rebaixamento salarial, ajudar as pequenas empresas e suspender a cobrança de água, luz, gás de cozinha, aluguel e internet.

Entretanto, o que estamos vendo até aqui é oposto: humilhação das pessoas nas enormes filas nas agências da Caixa Econômica Federal, o atraso no pagamento das parcelas do auxílio emergencial, o aumento exponencial do desemprego e a fome batendo na porta de milhões de brasileiros.

Perante esse cenário, muitas pessoas estão se perguntando: como é possível fazer algo para ajudar os que mais precisam? Em momentos de crises humanitárias como essa, em que a incerteza e a preocupação com o futuro são enormes, é tarefa dos(as) que se orientam pela transformação radical da sociedade estarem lado a lado do conjunto da classe trabalhadora, especialmente dos seus setores mais oprimidos e vulneráveis, em um processo de solidariedade ativa.

Já existem inúmeros exemplos positivos dos sindicatos, movimentos de luta por moradia e associações de moradores em comunidades que estão desenvolvendo ações de solidariedade. Mas também já existem outros tantos exemplos de indivíduos, e até mesmo de pequenas empresas, que estão fazendo doações de alimentos e materiais de higiene pessoal para os mais necessitados.

A solidariedade da classe trabalhadora não é o mesmo que a caridade da grande burguesia. A solidariedade dos explorados e oprimidos é uma ação consciente e coletiva que visa a construção de laços entre trabalhadores e trabalhadoras em uma determinada comunidade ou território, com o objetivo de superar certos problemas emergenciais e, a partir dessa experiência concreta, avançar na organização e na consciência dessas comunidades proletárias.

Nesse sentido, também estamos realizando uma disputa ideológica na sociedade. A TV Globo construiu um quadro no Jornal Nacional para apresentar as ações das grandes empresas na epidemia, chamado de “Solidariedade S/A”. Tratas-se de uma tentativa de mostrar que a burguesia está agindo com responsabilidade social. Porém, omiti-se, por exemplo, que inúmeras grandes empresas não essenciais seguem funcionando, expondo assim seus funcionários aos riscos de contaminação, e que centenas de milhares de trabalhadores já foram demitidos por grandes empresários que colocam seus lucros acima de tudo. Ademais, não se fala que as doações de grandes empresários são muito pequenas diante dos lucros bilionários acumulados por elas nos últimos anos.

A Globo mostra as doações empresariais, mas esconde as ações de solidariedade organizadas pelo movimento negro, de mulheres, sindicatos e organizações de esquerda. Ações essas que só contam com o apoio de outros trabalhadores e trabalhadoras que estão colaborando com as chamadas vaquinhas virtuais ou doando alimentos e materiais de higiene pessoal. O Fundo de Emergência para os sem-tetos afetados pelo coronavírus, organizado pelo MTST, está perto de bater a meta de arrecadação de 1 milhão de reais por meio da vaquinha online. O MST, por sua vez, tem feito doações de dezenas toneladas de alimentos através de seus assentamentos em todo país.

Em Fortaleza (CE), o Comitê Operário, Popular e Juvenil Contra a Fome, que conta com a participação dos sindicatos da construção civil e rodoviários, arrecadou 2,5 toneladas de alimentos que foram distribuídos em 16 territórios proletários. Também na capital cearense surgiu o “SOS Mãe Solo” para atender as mulheres chefes de família. Essa campanha tem o cuidado de entregar também absorventes em cada cesta básica.

Na capital de São Paulo, o Comitê Popular e Sindical de Solidariedade da Zona Leste, impulsionado pela Apeoesp de São Miguel, conseguiu arrecadar 5 toneladas de alimentos. Já a Rede de Educadores e Solidariedade, formada por professores da rede municipal, já distribuiu quase 10 toneladas de mantimentos.

Já em São José dos Campos (SP), a campanha “Doe Pela Vida – Solidariedade de Classe”, formada por sindicatos, movimentos de bairro, cursinho popular e a Resistência Feminista, está realizando uma grande de arrecadação de alimentos para quem mais precisa. Em Belém (PA), o Afronte (coletivo de juventude) e a Resistência Feminista (movimento de mulheres) estão desenvolvendo a campanha “Quero Poder Ficar em Casa”, que tem como foco estudantes e mães afetados pela pandemia. Em Porto Alegre (RS), a campanha “Nós por Nós” impulsionada pelo Afronte Negro, junto com ativistas da Zona Norte, tem levado alimento e máscaras para este território.

Os exemplos aqui apresentados demonstram que os movimentos sociais e sindicatos de todo o país estão fazendo importantes ações para diminuir o impacto da pandemia entre os mais vulneráveis. Com todos os movimentos que conversamos, ficou evidenciada a preocupação em fazer equipes pequenas, utilizando máscara, respeitando o distanciamento e com medidas de higienização. Essas ações não podem parar, por isso alertamos que os decretos de Lockdown não podem ser militarizados ou impeditivos para as campanhas de solidariedade.

As organizações da esquerda devem se colocar ao lado ativismo que está construindo as ações de solidariedade. Além da importância crucial da ajuda emergencial para combater a fome e suprir as necessidades mais imediatas, os laços sociais construídos neste momento crítico serão uma fortaleza para as próximas lutas. Após o fim do isolamento social, com essas campanhas de solidariedade ativa, teremos maior enraizamento social para sairmos às ruas, junto ao povo trabalhador, para exigir o Fora Bolsonaro.

Por todos esses elementos, O Esquerda Online se coloca a serviço desse intenso, rico e libertador processo de solidariedade da classe trabalhadora e oprimida.

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Solidariedade