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BRASIL

Questões sobre teletrabalho, acirramento da exploração do trabalhador e precarização da vida

Isabela Balconi*, de Porto Alegre, RS

A crise sanitária, somada às crises econômica, que se desenvolvia desde meados de 2007, e política, instaurada pelo menos desde 2016, chegou em 2020 para escancarar a exploração e expropriação da vida, que se acirra cada dia mais. Medidas que vinham sendo estudadas e implementadas por algumas empresas já há algum tempo, como o home office e a entrega por demanda, foram estabelecidas em sua totalidade através da pandemia do coronavírus e da quarentena adotada ao redor do globo. O teletrabalho, que repassa ao trabalhador os custos do espaço físico, como luz e internet, coloca dentro do seu espaço individual, isto é, da sua própria casa, o ônus de se manter uma empresa, e retira do empresário a obrigação dos direitos com muito custo conquistados, como o vale transporte, e em alguns cenários, o vale alimentação.

A realização do trabalho no espaço do lar dificulta a separação dos momentos de labor, lazer e descanso. Por vezes pode parecer, inclusive, que se acorda e vai dormir trabalhando. Enquanto passamos todos pela fase de adaptação ao teletrabalho, substituindo a mesa individual pelo acesso remoto, e a sala de reuniões pelas chamadas online, as mulheres, em especial, passam pelo processo de sobrecarga da manutenção diária da vida. Agora, ao invés da dupla ou tripla jornada de trabalho, que dividiam seus turnos entre o emprego, os filhos e a casa, arcam com as três incubências todas ao mesmo tempo, durante as 24 horas do dia.

Se por um lado refletimos acerca destas mulheres que, em um contexto de pandemia global, têm a superexploração – através da reprodução social – repaginada, é preciso também nos voltarmos àquelas que lidam e vivem com esta velha e conhecida prática da mesma forma de antes: tendo que sair de suas casas, mesmo no contexto atual, para trabalhar e receber seu sustento, tendo seu direito à quarentena negado sistematicamente. O rosto dessas mulheres conhecemos bem: são negros, vindos das periferias e marginalizados desde que o Brasil é Brasil.

Nesta conta cabe ainda adicionar a questão dos autônomos dos aplicativos de entrega e de transporte. Se antes o trabalho por demanda era mais do que um complemento de renda, argumento que as empresas internacionais vendiam, hoje parecem ser a única opção para aqueles que, se ficarem em casa de quarentena, morrem, não pelo vírus, mas de fome. Complementação de renda, esta, que já não garantia qualquer direito trabalhista e beirava o trabalho análogo à escravidão moderna, promovida pelo neoliberalismo. Se antes era negado aos trabalhadores desta modalidade o direito à carteira de trabalho assinada, 13º salário, férias remuneradas, seguro desemprego e outros direitos trabalhistas, hoje estas mesmas empresas, respaldadas por instituições negam a assistência necessária à superação da pandemia e da crise geral instalada.

Visto os diferentes aspectos da vida aos quais o trabalho remoto altera (inclusive um muito importante não abordado aqui, o da saúde mental), há que se tomar cuidado com o direcionamento que esta crise toma e para onde ela nos leva. O que vinha sendo avaliado por uma minoria de iniciativas privadas pelo país hoje está sendo testado na prática, com possibilidade de julgamento sem perdas relativas, vista a obrigatoriedade da medida neste momento. A possibilidade de manutenção desse exercício do trabalho num futuro pouco distante nos coloca a tarefa de novas ponderações acerca do trabalho, e portanto, de novas formas de combate à exploração e expropriação da vida.

 

* Com colaborações de Maria Tereza Blanco e Juliana Bimbi.