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BRASIL

Em Cubatão (SP), Covid-19 expõe barbárie capitalista sobre a classe operária

Leandro Olimpio, de Santos, SP
Vespasiano Rocha | Arquivo Sintracomos

Greve de metalúrgicos terceirizados da Usiminas, 2013

Encravadas no desfigurado polo industrial de Cubatão (SP), a usina da Usiminas e a refinaria da Petrobrás já foram símbolos, décadas atrás, da vitalidade de uma classe trabalhadora em ascensão. Aliás, é muito provável que sem as reminiscências de um passado atravessado por greves vitoriosas essas fábricas nem mais existissem. Mas apesar de tudo, elas resistem e em meio à pandemia da Covid-19, e de uma desintegração brutal de direitos, vivem o outro lado da moeda: o peso da barbárie capitalista sobre a dignidade e a vida humana.

Desde o início da quarentena, que visa combater o novo coronavírus, mais de 500 metalúrgicas e metalúrgicos terceirizados foram demitidos da Usiminas. Na Petrobrás já são quase 100 petroleiras e petroleiros terceirizados dispensados, mas o número pode ser maior. Sem qualquer transparência da gestão da refinaria sobre a conduta de suas “parceiras”, o Sindipetro-LP tem dependido dos sindicatos que representam a força de trabalho terceirizada, Sindmetal e Sintracomos, para acessar as informações.

Na Usiminas, as demissões representam um corte de 70% do efetivo indireto da usina. Numa das empresas, a Amoi (Abreu Manutenção e Operação Industrial), os proprietários tentaram se apoiar na Medida Provisória 927, publicada por Jair Bolsonaro em 22 de março, para demitir 280 trabalhadores. Sem apresentar nenhuma prova de que corria risco de fechar, uma exigência do artigo 501 da CLT no qual a medida se apoia, os donos da Amoi viram na MP uma oportunidade formidável. Se utilizando do conceito de “força maior”, poderiam demitir com a indenização do FGTS reduzida pela metade (de 40% para 20%). Só após pressão do Sindicato dos Metalúrgicos recuaram, demitindo com as devidas indenizações.

Porém, uma medida ainda mais drástica seria anunciada no dia 13 de maio, quando em reunião com o Sindicato a Usiminas informou que demitiria cerca de 900 trabalhadores próprios. A justificativa, como era de se esperar, se sustentou na paralisia econômica gerada pela Covid-19. No entanto, nem à Justiça do Trabalho o argumento convenceu. Uma semana depois, o Sindicato dos Metalúrgicos conquistou uma liminar barrando as demissões e agora a Usiminas terá que negociar com o sindicato antes de efetuar qualquer corte. A primeira reunião foi agendada para a tarde desta terça-feira (26), no Ministério Público do Trabalho (MPT).

Lágrimas de crocodilo

O faturamento da empresa em 2019, exatos R$ 14,94 bilhões, demonstra que a pandemia nunca foi um problema. Pelo contrário, surgiu como um conveniente pretexto para promover demissões em massa. O próprio procurador do Trabalho, Diego Catelan Sanches, que tentou mediar duas reuniões frustradas entre sindicato e Usiminas, no MPT, reivindicou a manutenção dos empregos. “Consultamos o último balanço (…) e propomos que nenhuma dispensa fosse efetuada, pois entendemos que (…) tem condições econômicas robustas de enfrentar a crise sanitária com a manutenção de todos os postos de trabalho”. Segundo o Sindicato, o procurador ainda teria dito que a Usiminas conseguiria segurar esses 900 trabalhadores, sem afetar os seus bens, por impressionantes 77 anos. Já a juíza titular da 2ª Vara de Cubatão, Adagilsa Lins Dornellas, que concedeu a liminar, ressaltou a boa saúde financeira e como exemplo apontou uma “considerável distribuição de lucros”. Por fim, atribuiu a causa das demissões ao desejo da empresa em preservar capital e não por supostas condições econômicas adversas.

Na Petrobrás, uma das maiores empresas do país, a mesma ganância e choradeira cínica se reproduzem. Com faturamento em 2019 superior a R$ 40 bilhões, a companhia poderia atravessar esse período sem demissões e ainda proteger seus trabalhadores da Covid-19. Mas em nome da produtividade e do lucro aos grandes acionistas, também preferiu encarar o novo coronavírus como oportunidade, tentando “passar a boiada” com redução de salários, privatização da gestão da assistência médica, demissões políticas de grevistas e dirigente sindical e a implantação, de modo permanente, de home office para 50% de seu efetivo no futuro pós-pandemia.

Antes da vida, o lucro

No último dia 19 de maio, enquanto os metalúrgicos dormiam apreensivos com a ameaça de demissão em massa, a categoria petroleira chorava a primeira morte de um operário da refinaria por Covid-19. Vítima do novo coronavírus, o operador de máquinas Jorge Roberto Cláudio de Jesus, trabalhador da Provac, faleceu após 15 dias internado. E, infelizmente, não se trata de um caso isolado. No início de maio, com uma extensa lista de denúncias contra a negligência da gestão da refinaria no combate ao vírus, o Sindipetro-LP relatou um surto do novo coronavírus na unidade. Num só grupo do regime de turno, 12 técnicos de operação testaram positivo e seis deles seguem internados – dois em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). No grupo de whats app ‘União Petroleira’, que reúne trabalhadores da base do Sindipetro-LP, colegas de trabalho compartilham informações, rezam para que os companheiros se recuperem e buscam formas de organizar a necessária resistência.

Além de determinar o retorno ao trabalho de operários com sintomas, uma decisão que só se explica pela lógica do lucro a qualquer custo, a companhia tem se recusado a adotar a medida que melhor contribuiria para combater o vírus: a permanência, na refinaria, somente dos empregados necessários às atividades essenciais e continuidade operacional. Tal hipótese não passa pela cabeça dos gestores, pois para eles, assim como para a direção da Usiminas, antes de salvar vidas é preciso salvar os lucros.

Até mesmo em ações básicas como fornecimento de máscaras adequadas e álcool gel a companhia vem falhando, ora não distribuindo, ora distribuindo em quantidade insuficiente. Por outro lado, quando se trata de aproveitar a pandemia para atacar os trabalhadores e sindicatos a alta administração tem se revelado muito ágil. Alheia à gravidade do momento e sobre quais deveriam ser suas prioridades, a direção da empresa entrou na Justiça para impedir que o sindicato siga distribuindo máscaras aos trabalhadores. A razão: elas possuem a logomarca da empresa ao lado da frase “Privatizar faz mal ao país”.

E embora finja que nada tenha a ver com isso, a gestão da companhia também é culpada pelas demissões de terceirizados. Não fosse a política da atual direção da Petrobrás, que seleciona as empresas que oferecem o menor preço, sendo secundário a real estrutura financeira que dispõem, não teríamos um quadro crônico de demissões, calotes e outras irregularidades, recorrentes antes mesmo da pandemia. Sob o olhar complacente da alta gestão, a imensa maioria das empresas que atua na refinaria, e em toda Petrobrás, é controlada por aventureiros que cobram o menor valor para ganhar os contratos. Depois, se viram pra entregar o serviço e lucrar superexplorando os trabalhadores, impondo péssimas condições de trabalho e oferecendo salários que são até 50% inferiores aos praticados em 2016 – antes da reforma trabalhista e terceirização irrestrita. Quando essas “gatas safadas” quebram, como dizem os operários, o roteiro já é conhecido: aplicam calotes, trocam de CNPJ e seguem em sua jornada impunes, prontos para impor sofrimento a outros trabalhadores.

Logo após o falecimento de Índio, como era conhecido Jorge, o Sindicato recebeu a denúncia de que outros dois trabalhadores, da mesma empresa, estavam trabalhando há quase dois meses sem folga, em jornadas diárias de 12 horas. Em pleno 2020, após tantas lutas da classe trabalhadora e tantos avanços tecnológicos, que deveriam se converter em redução de jornada para termos a possibilidade de viver plenamente, é revoltante encarar o fato de que reivindicações do fim do século 19, quando a classe operária ainda dava seus primeiros passos, seguem atuais.

A farsa se desfaz

Se em tempos de “normalidade” a injustiça e exploração muitas vezes são dissimuladas, criando a falsa ideia de que estamos todos no mesmo barco, diante da Covid-19 essas e outras ilusões são desfeitas. A dignidade e a vida da classe trabalhadora sempre foram descartáveis, mas a pandemia revela a uma nova geração de assalariados como é a vida de um operário sob o sistema capitalista. Aqueles que enriquecem com o suor alheio, que vivem como parasitas, sabem que diante de uma crise desta envergadura não há espaço para tingir a barbárie capitalista de um verniz sensível e humano.

É preciso compreender que, muito mais que o novo coronavírus, é este sistema perverso que nos tira o emprego, a dignidade, a felicidade, a perspectiva de futuro, e nossas vidas. O que a atual pandemia escancara é que sem a classe trabalhadora, seja no Brasil ou em qualquer outro país do mundo, nada funciona. “É preciso salvar a economia, é preciso salvar os CNPJs”, gritam hipocritamente aqueles que fingem se importar com nossas vidas. Somos a esmagadora maioria, os 99%, quem de fato produz toda a riqueza gerada no planeta. Cabe a nós tomar as rédeas de nossos destinos e construir um mundo sem explorados e nem exploradores, livre de toda forma de opressão. Em defesa da classe trabalhadora, dos mais vulneráveis e, em última instância, da própria preservação de nossa espécie e do planeta, cabe a nós construir, uma revolução socialista. Mais que possível, é necessária.