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BRASIL

Estado mínimo para quem?

John Aquino de Fortaleza, Ceará
Roberto Parizotti / FotosPublicas

Fila para o auxílio emergencial em São Paulo

O que os novos tempos pedem é, portanto, um liberalismo repaginado

e construído para convencer e não apenas oprimir

Jessé Souza

 

Um dos maiores mitos da política brasileira e que impregna o imaginário popular é a ideia de que existe no Brasil uma cultura Estatista. Esse estatismo, cuja origem remontaria as caravelas de Pedro Alvares Cabral (nossa desgraçada herança ibérica), seria uma defesa da intervenção do Estado na economia e a crença na sua autoridade enquanto solucionador dos conflitos sociais no Brasil, consistindo numa excessiva confiança e dependência dos brasileiros em relação ao Estado. Por conta disso o Estado brasileiro seria excessivamente grande, dispendioso e deixaria pouco espaço para a iniciativa privada. Para o empresário seria um terror: carga tributária excessiva, extorsão dos agentes públicos e muita regulamentação que prejudica os negócios. Não é fácil ser empresário no Brasil, como dizem por aí. Em tal leitura da realidade nacional os grandes responsáveis pelo nosso atraso seriam os políticos (de forma genérica) e os servidores públicos, vistos como dispendiosos.

Mas o maior problema não é nosso Estado padecer de gigantismo, mas o fato dele ser caro, mas ainda assim ineficiente. A prova seriam as filas do SUS, as escolas públicas depredadas e com resultados deploráveis, além do péssimo atendimento nas repartições públicas, em suma, seria um Estado gigante, mas que não daria retorno ao contribuinte.

Nosso Estatismo tornaria nossos empresários sem iniciativa, criaria um ambiente propício à corrupção política por conta das vultosas verbas que correm nos cofres públicos prontas a serem desviadas e deixaria os mais pobres dependentes da assistência social, pois daria o peixe, mas não ensinaria a pescar. Fonte de todo vício, o Estado grande e oneroso seria nosso maior problema[1].

Qual a solução? Reduzir o tamanho do Estado! Como? Através de privatizações. O mito do estatismo brasileiro e toda uma narrativa que tenta descredenciar e desqualificar a ação do Estado e os serviços públicos, serve como justificativa para governos entreguistas e programas de privatizações desde a era Collor, mas foi nos anos 2010 que ideias liberais começaram a ganhar força e conquistar de vez o senso comum. Se o problema é o estatismo a solução é o liberal Estado mínimo.

O termo Estado mínimo é recente, data do discurso neoliberal dos anos 70 e 80, mas sua ideia é antiga, surge com o liberalismo clássico e a defesa da liberdade individual contra qualquer interferência externa.

O liberalismo possui dois aspectos, a saber, o político e o econômico e os dois defendem uma noção minimalista do Estado. Para os liberais o Estado seria um “mal necessário”, servindo para garantir a segurança dos indivíduos, sendo o melhor “governo o que menos governa”. O ideal de Estado dos liberais era que aquele que interferisse o menos possível na vida e decisões dos indivíduos.

No caso do liberalismo econômico o Estado não deveria intervir na economia, deixando o mercado se autorregular e não interferir na negociação entre as partes, isto é, garantir a livre negociação seja entre dois comerciantes ou entre empregado e empregador, cabendo às partes chegarem a um acordo “livremente”. Por conta disso os liberais econômicos são contra empresas e serviços públicos, defendendo as privatizações, e são contra os direitos trabalhistas, entendidos como restrições estatais desnecessárias as negociações. Para os liberais caberia a “mão invisível” do mercado assumir o comando da economia, sendo o Estado apenas um empecilho para os negócios.

O liberalismo em seu aspecto político defende que cabe aos indivíduos decidir como deveriam viver, assim como cada pessoa seria a única responsável por suas escolhas. O Estado não deveria interferir (ou interferir o minimamente possível) nas decisões pessoais dos indivíduos, mas garantir seus direitos individuais, como seu direito a liberdade religiosa, liberdade de expressão, de ir e vir e etc. Os liberais mais coerentes, como John Stuart Mill, defendiam, por exemplo, os direitos das mulheres enquanto indivíduos de decidirem suas próprias vidas, assim como era um homem profundamente liberal nos costumes, já que acreditava que a moralidade era um assunto privado não cabendo ao Estado interferir em questões de foro íntimo. No século XX, liberais políticos defenderam os direitos LGBT’s, direitos dos negros e das minorias sendo coerentes com suas convicções e princípios liberais, como Bertrand Russell que defendeu pautas avançadíssimas como a defesa dos direitos dos homossexuais e das mulheres.

Mas o liberalismo político e econômico nem sempre (na verdade quase nunca) andam juntos e é comum que uma pessoa ou partido se defina liberal na economia, mas não em questões morais e políticas. Neste sentido sua defesa do Estado mínimo é parcial: é o Estado mínimo na economia, somente. Tal liberalismo conservador é o liberalismo típico do Brasil, onde nossos liberais do século XIX justificavam a escravidão e nossa dependência econômica com princípios liberais e que hoje se define como “liberal na economia e conservador nos costumes”.

Para estes “liberais” verde e amarelo, o liberalismo se limita a defesa das privatizações, retiradas de direitos trabalhistas e sucateamento do serviço público, ao mesmo tempo em que são contra o direito das mulheres de decidirem sobre seu próprio corpo e vontade, querem definir quem as pessoas podem amar ou o que as pessoas podem ou não fazer em sua intimidade. É um liberalismo interessante que defende a “livre negociação” entre patrão e empregado em nome da liberdade, mas em nome da mesma liberdade justifica o racismo e a homofobia como “liberdade de expressão”. É um liberalismo que defende a venda da Petrobrás e o fim do SUS em nome da liberdade econômica ao mesmo tempo em que defende a criminalização do aborto, limitando a escolha das mulheres e é contra o casamento gay, restringindo a liberdade individual por causa da orientação sexual da pessoa, ou seja, é um Estado mínimo que favorece somente os ricos e prejudica os pobres, mas um Estado máximo para as minorias oprimidas.

Por fim, uma curiosidade. O Estado mínimo só serve para os trabalhadores que precisam do auxílio emergencial e dependem dos serviços públicos, para os ricos em apuros o Estado liberou recentemente 1,216 trilhão, o equivalente a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para salvar os bancos[2] dos efeitos da pandemia. Daí fica o questionamento: Estado mínimo para quem?

John Aquino é Professor de filosofia/IFCE e Filiado ao PSOL

Referências:

[1] “Quanto mais ascendência o Estado tiver sobre a economia, mais corrupção existirá na sociedade respectiva. E o Brasil é vítima evidente do estatismo” (In:. Estatismo e corrupção https://oglobo.globo.com/opiniao/estatismo-corrupcao-1-21377187).

[2] BC anuncia nova liberação de recursos para os bancos; impacto total pode chegar a R$ 1,2 trilhãohttps://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/23/bc-muda-compulsorio-e-libera-temporariamente-r-68-bilhoes-ao-mercado-financeiro.ghtml